PM-SP intimida bairro às vésperas de denúncia em caso de jovem morto por proteger grávida

    Policiais militares circularam por vizinhança em que Gabriel foi morto com tiro por trás por um PM, em Piracicaba (SP). Comerciantes tiveram que baixar portas de estabelecimentos e agentes retiraram de muro cartazes pedindo justiça

    Moradores do bairro Vila Sônia, em Piracicaba (SP), relataram ter sofrido novo episódio de intimidação da Polícia Militar paulista (PM-SP) na terça-feira (20/5). Viaturas circularam pela vizinhança, comerciantes tiveram de baixar portas e policiais retiraram de um muro cartazes que cobravam justiça por Gabriel Junior Oliveira Alves da Silva — jovem de 22 anos morto por um policial com um tiro na cabeça por trás no dia primeiro de abril, quando tentava proteger a esposa grávida de agressões da PM.

    Os agentes ainda mantiveram viaturas estacionadas na esquina em que Gabriel foi morto [veja vídeo acima]. A ronda, interpretada por moradores como intimidatória, ocorreu às vésperas de serem encerrados os depoimentos das testemunhas da morte do jovem. O Ministério Público estadual (MP-SP) deve decidir se oferecerá denúncia contra os dois policiais envolvidos no episódio. A vizinhança tem relatado medo com a situação.

    Leia mais: PM-SP manteve mulher grávida em camburão enquanto marido sangrava: ‘Diziam que era lixo’

    À Ponte, o MP-SP comunicou ter instaurado investigação sobre os fatos e ter diligências em curso. Já a PM-SP, em nota encaminhada pela Secretaria da Segurança Pública paulista (SSP-SP), disse não compactuar com desvios ou excessos, sem confirmar se viu alguma violação no episódio de intimidação.

    PM intimidou moradores e chegou a ameaçar advogado

    Desde a morte de Gabriel, viaturas da PM, incluindo da Força Tática e do 10º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), têm circulado com maior frequência pela Vila Sônia, no que a vizinhança já via como tentativa de intimidação. No dia 6 de abril, familiares e vizinhos do bairro fizeram um protesto em Piracicaba pedindo por justiça. Eles também penduraram faixas na esquina em que o jovem foi morto. Na ocasião, policiais foram filmados circulando com viaturas em meio ao ato.

    Os moradores relataram que os policiais teriam retirado parte das faixas colocadas no local, o que se repetiu agora às vésperas da eventual denúncia pelo MP-SP. Teriam dito ainda que, se fossem recolocadas, voltariam para retirá-las mais uma vez. A vizinhança tem mantido, ainda assim, os cartazes.

    No dia 10 de abril, o advogado Gustavo Pires, presidente da Comissão de Direitos Humanos da subseção de Piracicaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), e um estagiário de seu escritório, o estudante de Direito Brunno Barbosa, foram vítimas de uma abordagem truculenta da PM-SP em Piracicaba. Os policiais insistiram para que os dois entregassem seus celulares e chegaram a intimidá-los com um fuzil. Eles têm prestado apoio à família de Gabriel e a outras testemunhas do episódio.

    Leia mais: PM intimida com fuzil e exige celular de advogado que atua no caso Gabriel

    Na ocasião da abordagem, o advogado e seu assessor saíam do bairro Vila Sônia com um carro, por volta das 19h20, quando duas viaturas passaram a segui-los. Eles foram então interceptados na Rua Cupuaçu — a essa altura, desconfiados da movimentação policial, Brunno já filmava as viaturas, e Gustavo falava por chamada de vídeo com uma colega da Comissão de Direitos Humanos.

    Eram quatro policiais, sendo três homens e uma mulher. De início, ordenaram que Gustavo e Brunno descessem do carro, o que eles acataram. Aos gritos, os agentes determinaram que o advogado encerrasse a ligação e, por várias vezes, exigiram que entregasse o celular. Ele se negou a ceder o aparelho. Antes mesmo dos abordados se identificarem, os PMs passaram a aludir ao caso de Gabriel.

    Gustavo solicitou que pudesse acionar um integrante da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB local — direito previsto aos advogados para que não tenham garantias violadas, mas teve o pedido negado pelos policiais. Eles revistaram itens pessoais da dupla, como notebook, mochila e roupas. Alertados pelos gritos dos policiais, moradores do entorno passaram a se aglomerar na rua e a fazer imagens da abordagem. Foi o que amenizou a tensão. Gustavo e Brunno foram a uma delegacia relatar o ocorrido. A investigação sobre a conduta dos policiais compete, no entanto, à PM.

    Brunno e Gustavo, ambos ao centro, sofreram abordagem agressiva de policiais, que aludiram no mesmo momento ao caso Gabriel | Foto: Reprodução

    Tiro por trás durante passeio no bairro

    Conforme revelou a Ponte, o tiro que matou Gabriel foi dado por trás — o que põe em dúvida o argumento de legítima defesa por parte dos policiais. O disparo entrou entre a nuca e a orelha direita e saiu um pouco mais acima, também por trás da cabeça, conforme indica laudo médico obtido em primeira mão pela reportagem. Gabriel foi morto pelo policial militar Júnior César Rodrigues.

    Na ocasião, a vítima e a esposa, que está grávida de quase oito meses, voltavam para casa, por volta das 19h30, após terem ido a um comércio na vizinhança comprar refrigerante. O jovem caminhava um pouco à frente na Rua Cosmorama, próximo à esquina com a Rua Raul Ataíde, no bairro Vila Sônia, quando foi abordado por dois policiais que chegaram ao local a bordo de uma viatura — a mulher de Gabriel ainda tentava alcançar o marido também a pé, após ter parado para comprar milho cozido com um ambulante.

    Além do jovem, os PMs abordaram outro rapaz que passava pelo local, alheio ao casal. Os dois homens foram colocados de frente para um muro e revistados, sob a alegação de que teriam um “volume suspeito”. Em dado momento, o policial Júnior César passou a agredir Gabriel. A esposa dele, já mais perto da cena, repreendeu o agente e afirmou que aquilo não era necessário. O segundo PM da ocorrência, Leonardo Machado Prudêncio, que até ali cercava o outro homem abordado, veio então em direção à mulher grávida e passou a agredi-la, com empurrões e puxões nos cabelos.

    Foi quando Gabriel tentou interceder pela esposa e acabou baleado: “O policial me deu um empurrão que eu bati as costas na parede. Nisso, o meu marido tentou se soltar do outro policial para vir me ajudar. Ele conseguiu e correu. Quando ele correu e virou, eu escutei o tiro”, contou Rebeca Alves Braga, de 20 anos. Ela tem uma bebê hoje com 11 meses de vida e um menino de seis anos com Gabriel.

    Gabriel foi morto ao tentar proteger esposa grávida de agressões da PM | Foto: Reprodução

    Grávida foi mantida em camburão por PMs

    A vítima chegou a ser levada ao Hospital dos Fornecedores de Cana, mas não resistiu. Rebeca diz que o socorro demorou cerca de 40 minutos e só veio por insistência dos vizinhos que presenciaram a cena — eles chegaram a filmar em parte a ocorrência. Já os policiais tiveram reforço em cinco minutos e isolaram o local para que ninguém se aproximasse de Gabriel. Ela afirmou, também em conversa com a Ponte, ter sido mantida dentro do camburão da viatura enquanto o marido agonizava no chão.

    A mulher grávida foi levada após a ocorrência a uma unidade de pronto-atendimento (UPA) na Vila Rezende, a sete quilômetros do local da morte de Gabriel, apesar de haver uma outra UPA a menos de um quilômetro, no próprio bairro em que ela mora — a distância impediu que familiares, também moradores da Vila Sônia, fossem acudi-la enquanto recebia atendimento médico. Em seguida, ela foi levada para a sede do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) em Piracicaba.

    Os policiais alegam ter agido em legítima defesa. Segundo eles, Gabriel teria pego uma pedra para atacá-los durante a abordagem, o que vizinhos negam. A Polícia Civil não pediu a prisão preventiva deles.

    Leia a íntegra do que diz o MP-SP

    O MPSP instaurou investigação a respeito dos fatos e as diligências estão em curso.

    Leia a íntegra do que diz a PM-SP

    A Polícia Militar não compactua com desvios de conduta ou excessos por parte de seus agentes, punindo com rigor todas as ocorrências dessa natureza. Dois policiais envolvidos na ação foram afastados de suas funções, e todas as circunstâncias relacionadas aos fatos estão sendo apuradas por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM), com acompanhamento da Corregedoria. O caso também é investigado pela 3ª Delegacia de Homicídios da Deic, do Deinter 9. A autoridade policial aguarda a conclusão dos laudos periciais para análise e as demais diligências prosseguem para o esclarecimento dos fatos.

    Por determinação da SSP, todos os casos de morte decorrente por intervenção policial (MDIP) são investigados com rigor pelas corregedorias, com acompanhamento do Ministério Público e do Judiciário.

    A Corregedoria da Polícia Militar está à disposição para formalizar a apurar toda e qualquer denúncia contra os agentes.

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