PM-SP manteve mulher grávida em camburão enquanto marido sangrava: ‘Diziam que era lixo’

    Gabriel Junior Alves da Silva foi morto com um tiro por trás em Piracicaba (SP) ao tentar proteger esposa em abordagem policial. Rebeca Alves Braga, grávida de quase oito meses, diz que policial tirou sarro enquanto aguardavam socorro

    Gabriel e Rebeca pretendiam fazer no último sábado (5/4) um chá de bebê do terceiro filho do jovem casal: uma menina. Antes que pudessem reunir a família e escolher o nome da criança, contudo, o pai foi morto pela Polícia Militar (PM), aos 22 anos de idade — enquanto tentava proteger a esposa, grávida de quase oito meses, após um policial tê-la puxado pelos cabelos em uma abordagem em Piracicaba (SP).

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    “Eles tiraram uma vida inocente. Tiraram a vida de um pai de três crianças. E quando meus filhos crescerem?”, diz, à Ponte, Rebeca Alves Braga — aos 20 anos, ela é agora viúva de Gabriel Junior Oliveira Alves da Silva. O casal tem também uma bebê de 10 meses de vida e um menino de seis anos.

    Gabriel era pai de duas crianças e aguardava o nascimento de uma filha. Ele não teve tempo de escolher o nome dela junto com a esposa | Foto: Arquivo pessoal

    Jovem tentou proteger esposa

    Na ocasião em que foi morto pela PM, Gabriel e a esposa voltavam para casa após terem ido a um comércio comprar refrigerante, na vizinhança de onde moram, por volta das 19h30 da terça passada (1º/4). O jovem caminhava um pouco à frente na Rua Cosmorama, próximo à esquina com a Rua Raul Ataíde, no bairro Vila Sônia, quando foi abordado por dois policiais que chegaram ao local a bordo de uma viatura — a mulher de Gabriel ainda tentava alcançar o marido também a pé, após ter parado brevemente para comprar milho cozido com um ambulante na rua.

    Além do jovem, os policiais abordaram um outro rapaz que passava pelo local, alheio ao casal. Os dois homens foram colocados de frente para um muro e revistados, sob a alegação de que teriam um “volume suspeito”. Não foi apreendida arma de fogo ou qualquer item ilícito com a vítima.

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    Em dado momento, o policial Júnior César Rodrigues passou a agredir Gabriel. A esposa dele, já mais perto da cena, repreendeu o agente e afirmou que aquilo não era necessário. O segundo PM da ocorrência, Leonardo Machado Prudêncio, que até ali cercava o outro homem abordado, veio então em direção a Rebeca e passou a também agredi-la, com empurrões e puxões nos cabelos.

    Foi quando Gabriel tentou interceder pela esposa e acabou baleado: “O policial me deu um empurrão que eu bati as costas na parede. Nisso, o meu marido tentou se soltar do outro policial para vir me ajudar. Ele conseguiu e correu. Quando ele correu e virou, eu escutei o tiro”, relembra Rebeca.

    “O policial ainda estava segurando o meu cabelo, mas eu consegui me soltar e corri, sem saber onde tinha ido o tiro. Aí eu vi meu marido no chão com a cabeça sangrando muito, mexendo as mãos, sem conseguir falar. As pernas e as mãos mexiam. Eu tentei abraçar ele, tentei conversar, começei a chorar, fiquei desesperada. Aí veio o policial de novo, me puxou pelo cabelo e me tirou de perto dele.”

    Policial tirou sarro enquanto Gabriel agonizava, diz Rebeca

    O disparo único feito por Júnior entrou pela parte de trás da cabeça de Gabriel, entre a nuca e a orelha direita, e saiu um pouco mais acima, também por trás. A informação consta em um laudo concluído nesta terça (8), conforme revelou a Ponte.

    A vítima chegou a ser levada ao Hospital dos Fornecedores de Cana, mas não resistiu. Rebeca diz que o socorro demorou cerca de 40 minutos e só veio por insistência dos vizinhos que presenciaram a cena — eles chegaram a filmar em parte a ocorrência. Já os policiais tiveram reforço em cinco minutos e isolaram o local para que ninguém se aproximasse de Gabriel. Ela afirma ainda ter sido mantida dentro do camburão da viatura enquanto o marido agonizava.

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    “Minha mãe veio correndo me ajudar, disse para os policiais me soltar, que eu estava grávida. Eles disseram que não estavam nem aí, empurraram minha mãe”, diz Rebeca. “Eu estava dentro do camburão, e o policial [Leonardo] tirava sarro: falava que meu marido era um lixo, que estava morrendo, que ia ligar na central para a ambulância demorar mais tempo para chegar.”

    Os PMs alegaram que teriam agido em legítima defesa. Segundo eles, Gabriel teria pego uma pedra para atacá-los durante a abordagem. “É mentira. Foi muito rápido, e é até difícil ter pedra no meio da rua. Ele tomou o tiro no meio da rua, não foi na calçada. E a pedra que apresentaram lá [na delegacia] é muito grande, não tem como”, contesta Rebeca.

    Família pede prisão dos PMs

    A mulher grávida foi levada após a ocorrência a uma unidade de pronto-atendimento (UPA) na Vila Rezende, a sete quilômetros do local da morte de Gabriel, apesar de haver uma outra UPA a menos de um quilômetro, no próprio bairro em que ela mora — a distância impediu que familiares, também moradores da Vila Sônia, fossem acudi-la enquanto recebia atendimento médico. Em seguida, ela foi levada para a sede do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) em Piracicaba.

    Na semana passada, a Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) divulgou ter afastado os dois policiais. O caso é investigado pela própria PM, por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM), e pela Polícia Civil, através de um inquérito policial conduzido pela 3ª Delegacia de Homicídios do Deic do Deinter 9.

    Rebeca afirma esperar mais do que o afastamento momentâneo dos policiais das ruas: “Não tem como trazer a vida do meu marido de volta, mas eu queria justiça, porque só afastar os policiais não é nada. Eles ficam um tempo afastados e, quando abafam o caso, voltam. Aí eles vão voltar a andar aqui, debochar do que fizeram. Eu queria que fossem presos, pagassem pelo que fizeram.”

    Moradores veem intimidação da PM

    Desde a morte de Gabriel, viaturas da PM, incluindo da Força Tática e do Baep, tem circulado com maior frequência pela Vila Sônia, no que a vizinhança vê como uma tentativa de intimidação. No último domigo (6/4), familiares e vizinhos do bairro fizeram um protesto em Piracicaba pedindo por justiça por Gabriel. Eles também penduraram faixas na esquina em que o jovem foi morto. Na ocasião, policiais foram filmados circulando com viaturas em meio ao ato.

    Moradores relataram que os policiais teriam, inclusive, retirado parte das faixas colocadas no local. Teriam dito ainda que, se fossem recolocadas, voltariam para tirá-las mais uma vez. A vizinhança tem mantido, ainda assim, os cartazes com pedidos por justiça.

    A Ponte questionou a assessoria de imprensa da SSP-SP se as condutas de Júnior e Leonardo fugiram aos protocolos da PM-SP e se a Polícia Civil pretende pedir a prisão preventiva de ambos. Em nota, a pasta reforçou que o caso é investigado e que não compactua com “desvios de conduta ou excessos”.

    Leia a íntegra do que diz a SSP-SP

    A Polícia Militar não compactua com desvios de conduta ou excessos por parte de seus agentes, punindo com rigor todas as ocorrências dessa natureza. Dois policiais envolvidos na ação já foram afastados de suas funções, e todas as circunstâncias relacionadas aos fatos estão sendo apuradas por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM). O caso também é investigado pela 3ª Delegacia de Homicídios da Deic, do Deinter 9.

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