Mestre em Direitos Humanos e doutor em Psicologia pela USP avalia que ausência de responsabilização de policiais aumenta escalada de violência de atos golpistas, como o ocorrido em Brasília, na segunda-feira (12)
Tentativa de invasão à sede da Polícia Federal, botijões de gás jogados na rua e próximos a postos de gasolina, ônibus e carros queimados, policial civil ferido com pedrada, depredação e vandalismo. Há quem tentou dizer que foram “infiltrados da esquerda”, como uma tenente-coronel a reserva que acabou desmentida ao vivo de que as ações eram de fato promovidas por bolsonaristas golpistas. Para quem está acostumado a acompanhar protestos, a atuação das forças de segurança nesses casos sempre é observada. Mas um ponto chamou a atenção: como a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) agiu nesta segunda-feira (12/12) contra as ações.
“Não dá nem para falar em atuação porque não houve, né? Essa é a verdade”, sentencia Adilson Paes de Souza, tenente-coronel da reserva da PM de São Paulo, doutor em Psicologia e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo (USP). Ele avalia que houve uma “omissão deliberada” da corporação e que isso é decorrente da bolsonarização das polícias e apoio aos atos golpistas que questionam a eleição do presidente Lula (PT).
“Você tem um grande grupo de pessoas que sitiaram o centro de Brasília, fizeram o que fizeram e a polícia demorou para agir. Quando, depois de muito tempo, foi agir [com uso de bombas de gás e balas de borracha]. O que nós tivemos lá foi o cometimento de vários crimes graves. Os crimes que esse pessoal todo praticou é tipificado no Código Penal, como terrorismo. E não prende ninguém?”, questiona.
E a ausência de prisões nesse caso ainda gera críticas. A Polícia Civil, que tinha se preparado para receber uma série de flagrantes, se surpreendeu com as delegacias vazias, como mostrou a Folha de S. Paulo. O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) requisitou informações ao Comando-Geral da PMDF, o Conselho Federal e a Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF), assim como diversos parlamentares, pediu a prisão e “efetiva punição” dos responsáveis.
Em nota à imprensa, a Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal justificou que a PM “se concentrou na dispersão dos manifestantes” e que não houve prisões “para redução dos danos e para evitar uma escalada ainda maior dos ânimos”. Depois, o secretário da pasta, Júlio Danilo Souza Ferreira, disse que “não vai permitir manifestações violentas” e que os responsáveis serão identificados e penalizados. O governador reeleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), defendeu a corporação e disse que os policiais “agiram com rapidez e da maneira mais adequada possível”.
A depredação começou por volta das 19h de segunda-feira (12), após a prisão do pastor golpista José Acácio Serere Xavante, por determinação do Supremo Tribunal Federal a pedido da Procuradoria-Geral da República. Ele é investigado pela prática dos “crimes de ameaça, perseguição e abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. O grupo de bolsonaristas apontou esse o motivo do protesto, que aconteceu no mesmo dia da diplomação do presidente eleito Lula.
Para Adilson, se não houver punições tanto aos responsáveis quanto aos policiais que não agiram para coibir os atos de violência, a escalada tende a piorar. “Eu temo uma coisa que já aconteceu outras vezes no Brasil: que alguém pense em tomar alguma atitude depois que acontecer alguma morte. Aí vai ser tarde demais.”
Leia a entrevista completa:
Ponte — Como você avalia a atuação da polícia contra os atos de violência promovidos por manifestantes golpistas em Brasília, na segunda-feira (12)?
Adilson Paes de Souza — Não dá nem para falar em atuação porque não houve, né? Essa é a verdade. O que, na minha opinião, houve foi uma omissão deliberada da polícia, ou seja, a polícia decidiu não agir por ser bolsonarista, isso isso para mim está evidente.
Ponte — Ao que você atribui essa omissão?
Adilson Paes de Souza – Veja bem, você tem um grupo grande de pessoas que sitiaram o centro de Brasília, fizeram o que fizeram e a polícia demorou para agir. Quando, depois de muito tempo, foi agir, não prende ninguém. O que nós tivemos lá foi o cometimento de vários crimes graves. Os crimes que esse pessoal todo praticou é tipificado no Código Penal, com uma alteração recente, como terrorismo. E não prende ninguém? Eu assisti uma declaração do secretário de Segurança Pública do Distrito Federal dizendo que não prendeu ninguém para acirrar os ânimos. Que é isso? Obviamente que essa afirmação é esdrúxula… Eles estão tentando explicar o que não tem explicação.
A polícia demorou para agir, deveria ter prendido pessoas em flagrante delito e conduzido à delegacia de polícia para ser lavrado o competente auto de prisão. E não fez, se omitiu. E por que se omitiu? Não é de hoje que a gente vem falando do fenômeno do bolsonarismo das PMs. As polícias militares, em grande maioria, são bolsonaristas. Então, elas estão apoiando [os atos golpistas] com essa omissão. Esses atos bolsonaristas que pregam a ruptura da ordem institucional e querem de toda maneira que Bolsonaro permaneça no poder, o que é impossível.
Ponte — E o que fazer com esse bolsonarismo na polícia depois que Bolsonaro terminar o mandato e o presidente Lula tomar posse?
Adilson Paes de Souza — Olha, no atual estágio que se encontra, a situação é de identificação e punição de quem seja culpado. Identificação, devido processo legal e punição. O secretário da Segurança Pública que permite isso ativamente, incentivando, ou omissivamente, que me parece que ontem até onde eu sei foi omissão do secretário de Segurança Pública, merece ser punido. Os comandantes respectivos das polícias militares, os comandantes de unidade merecem, devem ser punidos.
A polícia é um órgão de Estado. Nem para falar que [os policiais que não prenderam manifestantes golpistas fazem parte de] é um órgão, né? Porque isso é um bando. Não é algo que pertence a determinado governo e faz as vontades de determinado governo. É um órgão de estado. Isso não se verificou segunda em Brasília. Nós não temos verificado isso com essas ocupações de estradas Brasil afora e não acontece nada. Então é punir quem está fazendo esses atos e punir os policiais pela omissão. Punir, prender em flagrante delito, com os devidos processos disciplinares, e expulsar da corporação. Num primeiro momento eu vejo isso.
Ponte — Em alguns protestos de bolsonaristas com fechamento de rodovias, houve omissão das PMs, por exemplo, o comandante-geral da PMPR que admitiu prevaricar. Como punir esses policiais se nos comandos isso também está acontecendo?
Adilson Paes de Souza — Todos estão sob o domínio da lei. Se o comandante de determinada unidade faz isso, ele tem um superior hierárquico que tem a obrigação de agir. Se o superior hierárquico não age ou o comandante-geral de determinada polícia não faz isso, existe o secretário da Segurança Pública. Se o secretário de Segurança Pública não faz isso, existe o governador. Então, existe uma cadeia de comando aí que deve ser observada: na omissão de um, o outro pune. E se o governador não faz, ele deve ser processado e julgado no Superior Tribunal de Justiça. Passou da hora dos acordos, agora é fazer cumprir a lei porque legislação, dispositivo legal para coibir tudo isso aí tem.
O que não dá é para tolerar e achar que isso vai passar por si só. As coisas só estão piorando. Eu temo uma coisa que já aconteceu outras vezes no Brasil: que alguém pense em tomar alguma atitude depois que acontecer alguma morte. Aí vai ser tarde demais. Já passou de todos os limites, os responsáveis os níveis devem ser punidos. Ponto, não tem que negociar, não tem que tolerar. Chega! Chega! Eu nunca vi isso no Brasil! Eu nunca vi isso envolvendo a população. Na época da ditadura, um pouco antes do golpe ou pouco depois, nas manifestações no final da década de 60, havia agentes estatais infiltrados para provocar tumulto. Agora nós estamos vendo parcela da população praticando atos terroristas. Isso é um absurdo!
Ponte — A punição é suficiente para conter os policiais que agem de forma omissa?
Adilson Paes de Souza — No atual estágio que está, começa com punição. Qual é a primeira medida? Punir. Se não, o sentimento de impunidade ganha cada vez mais corpo e aí ninguém segura. Na minha opinião, tem que mudar todo o sistema de segurança pública do Brasil e começa pela desmilitarização das polícias, a implantação de um efetivo controle social sobre a polícia, que é o que nós não temos, alteração total do sistema de ensino e formação dos policiais, tudo isso. O nosso sistema de segurança pública é o da ditadura militar, não houve mudança significativa com o processo de redemocratização do país. Isso precisa mudar.