Polícia pernambucana confirma autoria das mortes, ocorridas em um suposto confronto na zona rural do estado da Paraíba, área distante 30 km de onde o PM foi morto; ativistas locais denunciam histórico de vinganças por parte da polícia
Na última segunda-feira (1/7), o policial militar André José da Silva, 32 anos, foi morto durante um assalto em Santa Cruz do Capibaribe, cidade no Agreste de Pernambuco – cerca de 190 km distante da capital Recife. No dia seguinte, ainda na manhã de terça-feira (2/7), oito pessoas suspeitas de envolvimento na morte foram encontradas mortas no Sítio Boi Brabo, distante 30 km do local da morte do PM e já no estado da Paraíba.
A chacina ocorreu em uma zona rural no limite entre os municípios de Barra de São Miguel e Riacho de Santo Antônio e os autores são confirmados como policiais militares pernambucanos, como a própria corporação confirma em nova enviada à Ponte. Segundo informações da PM-PE (Polícia Militar de Pernambuco) – comandada pelo secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, nesta gestão do governador, Paulo Câmara (PSB) -, policiais do estado e da Paraíba agiram em conjunto e estavam à procura dos assassinos do policial André José quando foram recebidos a tiros pelo grupo suspeito.
“Ao ser encontrada pelas equipes policiais no território paraibano, a quadrilha interestadual especializada em assaltos a bancos reagiu a tiros. No confronto, morreram oito suspeitos. Foram apreendidos o dinheiro do roubo em Santa Cruz do Capibaribe, duas pistolas 380, dois revólveres 38 e uma espingarda calibre 12 de repetição – a mesma utilizada na ação do dia anterior”, sustenta nota da PM-PE. Ainda de acordo com a PM, o suposto confronto resultou na morte de seis homens e duas mulheres, ao mesmo tempo em que nenhum policial foi ferido.
A corporação diz que o vereador Andson Berigue de Lima, do município pernambucano de Betânia, também conhecido como Nanaca, está entre os mortos ao tentar socorrer o irmão, conhecido como Galego de Lena, e um primo, Edus de Gevan, conforme informado na versão oficial sobre as mortes. “Além dos três, estão entre os oito suspeitos mortos um homem conhecido como Wellington Cabeludo, também de Betânia, e uma mulher identificada como Jácia de Siba, que manteria um relacionamento com Galego de Lena”, segue nota da PM.
Segundo informações do site local NE10 Interior, quatro homens armados assaltaram uma casa lotérica e um mercado no bairro Dona Lica, em Santa Cruz do Capibaribe, e foram perseguidos por uma viatura da Polícia Militar. A viatura foi atingida por vários disparos. O soldado André José da Silva, que dirigia a viatura, foi ferido e não resistiu.
Ainda de acordo com o jornal local, o PM que estava no banco do passageiro, Moacir Pereira, 47, ficou ferido, mas conseguiu sair do veículo. Ele foi levado para a UPA de Santa Cruz do Capibaribe para receber atendimento e depois transferido para o HRA (Hospital Regional do Agreste). O carro utilizado pelo grupo foi encontrado abandonado em Barra de São Miguel (PB).
A polícia pernambucana sustenta que houve monitoramento por parte dos serviços de inteligência da PM, que teria encontrado o grupo às 3h30 quando quatro pessoas socorreriam os quatro atuantes no assalto. “Tentou-se a rendição, mas como já é uma prática desse tipo de criminosos, eles atentaram contra a vida dos policiais. Socorremos feridos para uma unidade de pronto atendimento, mas não resistiram. Eram bandidos extremamente perigosos e, pelas informações iniciais, envolvidos em diversos assaltos a bancos, como um em Belo Jardim e outro anterior em Santa Cruz do Capibaribe”, defende o tenente-coronel Lúcio Flávio de Campos, comandante do 24° Batalhão da PM, na nota à Ponte.
A PM afirma que participaram dessa operação, pelo lado pernambucano, além do 24° BPM, o Bepi (Batalhão Especializado de Policiamento do Interior), o GTA (Grupamento Tático Aéreo da SDS), a DHPP (Delegacia de Santa Cruz do Capibaribe e o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Pela Paraíba, estiveram envolvidas as Polícias Militar e Civil daquele estado. Os materiais apreendidos foram encaminhados à 21ª Delegacia de Polícia de Homicídios, em Santa Cruz do Capibaribe, que dará andamento às investigações.
Histórico de PMs vingativos
Em entrevista à Ponte, Derick Coelho, articulador do Fórum Popular de Segurança Pública de Pernambuco, aponta que a ação tem indícios de vingança. “Há uma cultura na polícia, enquanto instituição, de vingança. Não é algo institucionalizado, mas existe. Quando se mata um policial há essas evidências de que os policiais se movimentam como se fosse uma vingança. Quem cometeu os homicídios não vão sair em sua grande maioria vivos, não vão passar pelo processo de justiça”, argumenta Derick.
Para articulador, apesar de ser prematura, o modus operandi dessa operação com oito mortos é o mesmo de outros crimes em que há morte de agentes de segurança. “Casos onde policiais foram mortos e que logo em seguida a polícia se mobiliza como um todo em sua parte investigativa, de operação ostensiva, para que procure e achem as pessoas, que na maioria das vezes não são presos. Sempre tem as trocas de tiro e nessas trocas de tiros resultam nas mortes. É sempre essa narrativa. A gente não pode dar essa certeza, mas é uma possibilidade dentro de uma cultura que já existe”, explica Coelho, que completa que essa cultura é alimentada pela sociedade. “As pessoas pedem que aconteçam essas mortes, pois tem toda a figura de que o policial é herói e é incorruptível. Não se enxerga essas mortes como vingança, mas sim como justiça”, finaliza.
Para Edna Jatobá, coordenadora executiva do GAJOP (Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares), de Pernambuco, como em outros estados brasileiros, há um empenho muito maior da polícia na investigação de crimes que já tem observado. A resposta que a polícia dá nessas situações, de investigação, de encontrar os suspeitos, tem um desfecho em que esses suspeitos têm grande chance de serem mortos”, conta Jatobá.
A coordenadora também entona sobre o modo que as forças policiais atuam quando há morte de policiais. “As pessoas são encontradas mortas sempre com um enredo de que [os policiais] foram recebidos a tiros, mas uma troca de tiros em que morreram oito pessoas e nenhum policial ficou ferido. A gente tá falando de uma operação que contou com mais de 70 policiais envolvidos. Lamentamos muito a morte do policial, sabemos os riscos que esse profissional corre em decorrência de sua função, mas não comemoramos a morte de oito pessoas. Não podemos nos posicionar se foi certo ou errado, não estávamos lá, não temos precisão de como foram os fatos e os riscos, mas não apoiamos essa comemoração que muitas pessoas da cidade fizeram com a chegada dos corpos dessas oito pessoas”, argumenta Edna.
Jatobá acredita que deva haver mais integração entre as policiais de outros estados, principalmente em cima de organizações criminosas que trabalham em mais de um estado, mas que isso deve vir no sentido de redução de vítimas. “Dentro de um estado democrático de direito essas pessoas devem ser encaminhadas e responsabilizadas por suas ações, sem que para isso elas precisam perder a vida. É muito triste que as parcerias entre as policiais sejam muito pontuais e muitas vezes direcionadas a partir de um evento que culmina com a morte de um policial. A gente queria uma parceria de mais inteligência e preventiva para que pudesse responsabilizar essas organizações criminosas sem derramamento de sangue”, lamenta a coordenadora do GAJOP.