Denúncia indica que militares do 5º Batalhão, na zona norte de SP, extorquiram traficantes, roubaram um fuzil e simularam tiroteio para encobrir execução
Policiais militares da Força Tática do 5º Batalhão, na Vila Gustavo, na zona norte de São Paulo, são investigados pela Corregedoria da corporação sob suspeita de simularem um tiroteio para encobrir a execução de um homem em situação de rua, cobrarem propina de uma “biqueira” (ponto de tráfico de drogas) e de terem roubado um fuzil de um criminoso.
As investigações da Corregedoria da PM apontam também que, além de uma “caixinha” feita com o “mensalão” do tráfico, o dinheiro das extorsões era usado para fazer festas, muitas delas com bebida e drogas, mesmo em horário de trabalho.
Pelo menos quatro e-mails com essas denúncias chegaram, em dezembro, à Corregedoria da PM, que abriu uma investigação. Até o momento, o que se sabe é que há dois inquéritos contra os PMs do 5º Batalhão.
A Ponte questionou o corregedor da PM Coronel Marcelino Fernandes sobre as investigações. Ele informou que só falaria sobre o caso se fosse autorizado pelo comando-geral da corporação.
Em conversas de WhatsApp obtidas pela Ponte alguém identificado como sargento Silas combina com um suposto traficante a forma de pegar o dinheiro do “mensalão” e cobra um aumento do valor da propina. A partir do cruzamento de dados do departamento pessoal da PM, a Corregedoria passou a investigar o policial Silas Souza da Silva sob suspeita de exigir dinheiro de traficantes.
Em uma das mensagens, o investigado como sargento Silas cita uma colega, a quem se refere como “Katy Mahoney” (jargão para se referir a uma PM feminina e destemida, em referência a personagem do seriado Dama de Ouro). A partir das mensagens, a policial é investigada pela Corregedoria seria a cabo Renata Augusta de Lima, também do 5º Batalhão. A troca de mensagens aconteceu em 23 de janeiro.
Também pelo WhatsApp, policiais comemoram o aumento na arrecadação na “biqueira”. O valor, segundo as mensagens, passou a ser R$ 7.500, e já previam uma tentativa de negociação para subir a propina para R$ 10 mil.
A “biqueira” da rua Tenente Sotomano, no Jardim Brasil (zona norte de SP), é conhecida dos investigados pela Corregedoria como Renata e Silas. Em outubro de 2019, os dois prenderam no local um suposto traficante.
Em mensagens do WhatsApp entre Silas e o suposto traficante, o investigado afirma que o lugar “é uma mina de ouro”, com faturamento de R$ 30 mil com a venda de cocaína a cada fim de semana.
Um outro caso investigado pela Corregedoria da PM teria acontecido em outubro, quando policias do 5º Batalhão detiveram um suspeito de integrar a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Os PMs teriam tentado extorqui-lo pedindo R$ 100 mil, mas ele não tinha a quantia em dinheiro e, para não ser preso, negociou um “fuzil na caixa”, ou seja, novo. A oferta foi aceita e o suspeito liberado.
De acordo com as denúncias à Corregedoria, participaram da troca da liberdade de um membro do PCC por um fuzil novo o tenente Diego Reginaldo Pereira e os cabos Marcus Esperidião Silva Junior e Douglas de Oliveira Santos, do 1º Pelotão da Força Tática do 5º Batalhão.
Por volta das 2h50 de 21 de dezembro de 2019, os mesmos PMs usariam o fuzil Colt Sporter Competition em um caso na rua Lavínia Pacheco e Silva, no Tucuruvi (zona norte de SP), registrada como “morte em decorrência de intervenção policial”.
Segundo informações do Copom (Centro de Operações da PM), Diego, Marcus e Oliveira estavam em patrulhamento quando tentaram parar dois veículos em “atitude suspeita”. Os ocupantes do carro teriam atirado contra os militares, que revidaram.
Dois suspeitos dos carros teriam fugido e um terceiro, registrado nos documentos oficiais da Polícia Civil sobre o suposto tiroteio como “desconhecido”, foi morto.
O fuzil Colt Sporter Competition é o único, dentre as armas apreendidas, que não tem qualquer pessoa relacionada. No boletim de ocorrência, dentre as armas apreendidas está uma pistola .40, da marca Taurus com numeração raspada, que também teria sido encontrada no lugar do suposto tiroteio.
As denúncias recebidas pela Corregedoria e também pela Ponte apontam que o tiroteio foi forjado e que, na verdade, os policiais mataram uma pessoa em situação de rua e plantaram a arma para justificar sua morte.
Os PMs do 5º Batalhão foram denunciados à Corregedoria em 24 de dezembro sobre o roubo do fuzil e a possível ação planejada para matar uma pessoa e forjar uma ocorrência.
No comunicado também havia o relato de um outro fato grave: o de que os PMs estavam fazendo um churrasco “com bebidas e drogas”, segundo denúncia, com parte do dinheiro conseguido com a extorsão contra criminosos da zona norte de SP.
A tenente Luciane, integrante da Corregedoria da PM, foi investigar as denúncias naquele mesmo 24 de dezembro de 2019, mas quando chegou ao batalhão teria sido impedida pelo tenente Diego de fazer a revista.
Mais conversas no WhatsApp apontam a coação contra a tenente. Alguém indicado como cabo Oliveira escreveu: “Corregedoria? Me preocupar com Corregedoria? Com quem? Com aquela tenente puta que veio aqui?”.
Alguns PMs do 5º Batalhão passaram a discutir o caso e o cabo Oliveira novamente se manifestou, segundo material a que a Ponte teve acesso: “Ninguém foi preso nada. Só porque você ficou umas horas na Correg já tá aí se cagando. Tático é isso, mano”. E na sequência continuou: “A gente matou duas vezes em menos de seis meses estive, cadê você na resenha?”.
Na madrugada do dia 24 de novembro, outro caso com PMs do mesmo batalhão terminou com dois mortos no Parque Novo Mundo (zona norte de SP). Pela versão oficial, suspeitos atacaram uma base da PM em uma praça e policiais revidaram.
Em novo e-mail enviado à Corregedoria da PM, em 27 de dezembro de 2019, o denunciante afirmou ter avisado o órgão sobre os cometimentos de crimes por integrantes do 5º Batalhão e deu a entender que havia informado a forma como os três policiais matariam uma pessoa e fingiriam ser uma “morte decorrente de intervenção policial”. A reportagem não vai divulgar os e-mails a pedido do denunciante.
Outro lado
A Ponte questionou a Polícia Militar e a (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), por meio da empresa terceirizada Inpress, no dia 29 de janeiro, sobre todos os casos citados nesta reportagem e também sobre a situação dos policiais investigados. A reportagem também formalizou pedido de entrevistas com todos os citados e com o corregedor da PM coronel Marcelino Fernandes.
A Segurança Pública confirmou que os PMs são investigados, mas não respondeu sobre os pedidos de entrevista com cada um deles e nem com o corregedor Fernandes.
A Ponte também tentou entrar em contato com os cinco policiais que estariam envolvidos diretamente nos casos: cabos Renata, Marcus, Douglas e Sargento Silas por Whatsapp, e tenente Diego por e-mail. Até a publicação da reportagem, cabo Marcus respondeu, questionando as provas da denúncia, qual seria a data de publicação da reportagem e, na sequência, escreveu duas vezes: “não quero me pronunciar”. Já o contato indicado como sendo do cabo Douglas Oliveira dos Santos escreveu o seguinte: “acho que você entrou em contato com a pessoa errada, não sou o Oliveira”. Contudo, a denúncia apurada pela Corregedoria é sobre Douglas.
Por meio de nota oficial, a Segurança Pública informou: “A Polícia Militar foi informada sobre os fatos, após uma denúncia anônima. Um inquérito policial militar foi instaurado e avocado pela Corregedoria da Instituição. Os PMs envolvidos são ouvidos. A Instituição esclarece ainda que não compactua com desvio de conduta de seus agentes e todos os casos que chegam ao conhecimento da instituição são prontamente investigados e as medidas cabíveis adotadas”.
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[…] mensagens foram entregues em janeiro ao órgão pelo site Ponte Jornalismo, que publicou reportagem sobre a denúncia. As imagens mostram conversas sobre as atividades ilegais do batalhão, que fica na Vila Gustavo, […]