PMs denunciam assédio em quartel onde capitão matou sargento em SP

Policiais reclamam de manipulação de escala de trabalho e questionam versão oficial da morte de Rulian Ricardo; Secretaria de Segurança diz que caso está sendo apurado e Ouvidoria se coloca à disposição para receber denúncias

Capitão Francisco Laroca | Foto: Reprodução

O clima dentro da dentro da 4ª Companhia do 46º Batalhão da Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), que já não era bom, vem se tornando um pesadelo para soldados, cabos e sargentos que trabalham no local. Uma semana após o capitão Francisco Laroca matar a tiros o sargento Rulian Ricardo dentro da unidade policial, colegas de farda relatam que a tensão está presente nos corredores e temem que novas tragédias possam ocorrer.

“A gente sabe que nada acontece com os oficiais. A cúpula da PM é corporativista. Nunca que eles vão punir os amigos. O que aconteceu na semana foi um estopim de uma série de desrespeito que ocorrem todos dos dias neste batalhão”, contou, sob condição de anonimato para evitar represálias, um policial militar que conhece a dinâmica do cotidiano da companhia.

O grupamento fica localizado na zona sul de São Paulo e a maior parte da tropa é formada por praças novatos ou oriundos de cidades do interior do estado de São Paulo. Segundo relatos ouvidos pela Ponte, profissionais da segurança pública lotados nesta companhia são frequentemente punidos por qualquer motivo e a pena mais recorrente é a mudança na escala de trabalho.

“A grande maioria que está lá tem pouco tempo de polícia, no máximo quatro anos. Eles sempre dificultam a troca da escala de trabalho impossibilitando que os policiais consigam viajar para voltar para casa. Esse batalhão deve ser o que mais pune em São Paulo. Eles [oficiais] têm feito a vida dos praças um inferno”, conta outro policial que já passou pela 4ª Companhia do 46º BPM/M.

Casado e pai de dois filhos, um desses polícias tem residência em uma pequena cidade na região de Marília, a mais de 400 km do local de trabalho. Ele conta que a viatura na qual fazia patrulha teve problemas mecânicos duas vezes em menos de uma semana e por isso o capitão Laroca mexeu na sua escala de trabalho, tornando impossível o seu retorno para casa.

“Meu plantão acabava na noite de uma quinta-feira. Se seguisse a escala normal, eu retornaria ao trabalho apenas no final da segunda-feira. Toda a minha equipe foi punida e por isso eu teria que me apresentar para trabalhar no sábado pela manhã. São mais de seis hora de viagem para voltar para casa e mais seis para retornar. Ficou impossível fazer essa logística e passei cerca de duas semanas sem ver a minha família”, relata.

Os dois policiais relatam que Laroca comanda a tropa com mão de ferro e são poucos com quem ele tem boa relação. De acordo com os PMs, gritos e humilhações fazem parte do cotidiano de quem serve na companhia. Em um áudio atribuído ao sargento Rulian que circula em grupos de WhatsApp formados por policiais militares, um policial se queixa do comando do batalhão onde trabalha.

“Pensa num lugar que tem uma má administração, uma má gerência, má gestão de pessoas. Mas a pessoa fica só exigindo, exigindo. Tô no meu limite”, declarou.

Apenas um lado

As conversas nos corredores da 4ª Companhia do 46º BPM/M divergem da versão dada pela cúpula da Polícia Militar sobre o assassianto de Rulian. Oficialmente a corporação diz que, durante uma discussão dentro do alojamento dos sargentos, Rulian teria sacado um revólver calibre 32, de uso pessoal, e Laroca, que também estava armado, atirou três vezes para se defender. O motorista do capitão, um cabo da PM, também atirou uma vez contra o sargento.

Pessoas ligadas à 6ª Companhia questionam pontos da posição oficial dada para explicar a morte dentro da unidade policial. “Qual o sentido de um policial levar uma arma pessoal para o local de trabalho? Ainda disseram que ele estava deitado na cama com essa arma. Para mim, isso não faz nenhum sentido”, diz um dos policiais ouvidos pela reportagem. “Só temos a versão da pessoa que matou, não temos a versão de quem morreu”, declarou um outro agente de segurança.

Um inquérito policial militar (IPM) foi instaurado pela corporação para apurar ass circunstâncias da morte do sargento Rulian. Ainda não se sabe se o caso será levado para a Corregedoria da PM Paulista. Segundo as fontes ouvidas, dificilmente haverá algum tipo de punição para Laroca devido à sua posição. “São oficiais investigando e julgando oficiais. Eles pertencem à mesma casta e não vão se punir até para não abrir precedentes”, afirma um praça.

Com medo de retaliações, soldados, cabos e sargentos se sentem intimidados para fazer qualquer tipo de denúncia, principalmente de superiores, para a Corregedoria. O ouvidor das polícias de São Paulo, Claudinho Silva, se mostra solícito para ouvir os policiais que queiram relatar possíveis abusos que acontecem dentro dos quartéis.

Ajude a Ponte!

“A Ouvidoria está totalmente aberta aos policiais. Eles podem nos procurar normalmente, garantimos o sigilo e o anonimato deles. Somos esse órgão de acesso à Justiça. Precisamos muito que a polícia confie na gente para passar essas informações, e, a partir daí, iniciar proposituras e diálogos no sentido de melhorar as condições de trabalho da corporação”, pontua o ouvidor.

Histórico problemático

Não é a primeira vez que o Capitão Francisco Laroca é investigado pela própria polícia por conta de infrações durante o trabalho. Em 2006, quando ainda era tenente, Laroca foi afastado da PM por ter simulado sequestro de um empresário para justificar duas mortes. Com isso, o policial militar foi transferido para o Corpo de Bombeiros, onde foi promovido a Capitão, retornando à PM em novembro de 2020

Em 2013, ele foi preso em Ribeirão Preto por disparar vários tiros em um centro de eventos, onde era realizada a festa de formatura de uma turma de direito. De acordo com a reportagem da época, da EPTV, afiliada da TV Globo, cinco carros foram atingidos, inclusive a caminhonete de Laroca, que foi perfurada de dentro para fora. O policial foi liberado após pagar uma fiança de R$ 800. 

Outro lado

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informa que o Capitão Laroca não foi afastado das suas atividades enquanto ocorre a investigação sobre a morte do sargento Rulian.

“A Polícia Militar apura todas as circunstâncias relativas aos fatos por meio de Inquérito Policial Militar (IPM). No momento, o oficial envolvido responde em liberdade. A instituição também está oferecendo apoio à família da vítima e apoio psicológico ao policial investigado. Outros detalhes serão preservados visando à autonomia do andamento dos trabalhos policiais”, diz o comunicado.

Correções

Uma versão anterior deste texto falava que o crime aconteceu na 6ª Companhia do 46º BPM/M. Na verdade aconteceu na 4ª Cia. A informação foi corrigida às 19h40 do dia 13/4/2023

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