PMs espancam 7 pessoas da mesma família negra em show de axé. ‘Podia morrer ali’, diz jovem atacado por militares

    Chutes e socos foram alguns golpes desferidos contra a família, que se divertia na Festa de Bom Jesus dos Navegantes, na cidade de Penedo, Alagoas

    André Menezes de Oliveira e a família foram espancados sem qualquer motivo por PM’s durante um show em Alagoas. Foto: Arquivo Pessoal

    Sete pessoas de uma família negra foram brutalmente agredidas por cerca de dez policiais militares na cidade de Penedo, localizada na parte sul do estado de Alagoas. A violência aconteceu por volta da 0h30 do último sábado (07/01), durante show do músico de axé Bell Marques, que se apresentava na Festa de Bom Jesus dos Navegantes.

    O jovem André Menezes de Oliveira, 21 anos, que trabalha como desenvolvedor de jogos, acredita que o crime foi praticado por racismo. Ele foi um dos agredidos. Estavam junto dele no evento, a namorada, os pais, a prima e o namorado e um tio, que preferiram não se identificar por medo de represálias. Todos, com exceção da prima são negros.

    O tio de André mostra o braço inchado após as agressões. Foto: Arquivo Pessoal

    A família é fã do cantor baiano e estava ansiosa para assistir tranquilamente ao espetáculo, mas as agressões dos PMs transformaram o sonho de todos em um pesadelo. “Eu gosto muito de Bell Marques, meu tio também, estávamos dançando empolgados e fazendo o que o próprio cantor dizia, como para levantar a mão, essas coisas”.

    André foi o primeiro a ser agredido. Tocava a quarta música do show e um policial fez uma barreira na frente da família, posicionada a cerca de 100 metros do palco. “Em determinado momento, um dos policiais me puxou pelo pescoço e disse que caso eu tocasse nele ‘estava fudido’. Respondi que não estava nem perto dele. Foi nessa hora que as agressões começaram. Ele me empurrou e me deu um soco. Os outros policiais vieram bater em mim junto com ele, com cacetadas e socos”, conta. 

    Na sequência, a família passou a tentar defender André e também foi agredida pelos policiais, eles não tinham tarja de identificação na farda. “Minha família se colocou na minha frente e foi acertada também, em momento nenhum nós revidamos, só estávamos pedindo pelo amor de Deus para que eles parassem. Bateram na minha mãe, no meu padrinho que também é meu tio, no meu pai e no namorado da minha prima, todos negros.”

    O espancamento chegou a durar cerca de cinco minutos, segundo o desenvolvedor de jogos. “Certa hora, me acertaram na cabeça e começou a jorrar muito sangue. Nesse momento, caí no chão e fiquei em posição fetal enquanto eles continuavam as agressões.” 

    Desesperada, a mãe de André se jogou em cima do jovem e, mesmo assim, os PMs continuaram as agressões. Segundo André, os militares tiraram a mãe de cima dele e a “jogaram para longe”.

    “O namorado da minha prima também levou uma cacetada na cabeça e caiu no chão”, contou. “Teve uma hora que eles fizeram um cerco e aí ficamos eu, minha mãe e meu pai nesse cerco.  Todo mundo que tentava interferir eles batiam. Meu tio tentou várias vezes entrar para ajudar e eles batiam no braço dele.”

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    As cenas de terror levaram a família a tentar correr dos policiais pela multidão, o tempo todo indiferente aos espancamentos. “Todo mundo viu, a gente foi pra trás, as pessoas do show foram abrindo o espaço e a polícia batendo na gente. Me viram sangrando, me viram espancado, mas ninguém reagiu.”

    Na visão de André, as agressões têm motivações raciais. “De forma nenhuma eles agiriam dessa forma se a gente fosse branco. Então, os que são mais escuros, por algum motivo, foram mais agredidos. Foram o foco dos policiais nas agressões.”

    Os PMs não promoveram agressões verbais de cunho racista, segundo André. “Acho que isso só não aconteceu por conta de ter outras pessoas observando e elas podiam testemunhar o crime de racismo, além do de agressão.”

    Momentos depois do espancamento, André e o pai foram levados para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Penedo. Na ambulância, eles foram junto com três PMs, um paramédico e o motorista. 

    Na mesma madrugada, André foi levado para o Centro Integrado de Segurança Pública (Cisp) de Penedo, onde os militares também fizeram um registro contra o jovem. André foi liberado por volta das 4h da manhã deste domingo (08/01). 

    Impotência é a palavra utilizada por André para definir o sentimento diante das agressões contra ele e sua família. “Me senti totalmente impotente. Vi eles batendo na minha família e enquanto eles batiam eu sabia que, caso tentasse me defender, podia morrer ali, pessoas da minha família podiam morrer. Só pude apanhar, me senti sendo tratado como se fosse um bandido. Eu só estava me divertindo com a minha família.”

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    As lesões em sua família foram inúmeras, segundo André. O braço do tio, por exemplo, ficou com hematomas. Mas ele foi o que sofreu a maior lesão: um enorme corte na cabeça. “Estou com alguns hematomas também e está todo mundo muito traumatizado, sempre que surge o assunto, a gente chora.”

    André e a família contrataram uma advogada e vão lutar por justiça. “Provavelmente, pela justiça normal, eles levarão só uma advertência. Por isso, estou procurando a mídia para que pelo menos alguém perca a farda.”

    Segurança Pública e PM não se manifestam

    A reportagem questionou a Secretaria de Estado da Segurança Pública de Alagoas e tentou contato com o 11º Batalhão da PM, em Penedo, mas não obteve respostas sobre as agressões dos militares contra a família negra até a publicação desta reportagem. 

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