Nos primeiros três dias do ano, casas foram invadidas por policiais sem mandado, moradores foram agredidos e intimidados, paredes de casas foram perfuradas e um homem foi morto, de acordo com moradores
“Manguinhos está uma cidade fantasma. Ninguém na rua, um silêncio que nunca vi em Manguinhos. Um silêncio de dar medo”. É assim que um morador da favela localizada na zona norte do Rio de Janeiro descreve a situação da comunidade após três dias de operação policial que envolveu uma série de violações de direitos humanos.
No domingo (1), policiais militares do Bope (Batalhão de Operações Especiais) e da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) de Manguinhos começaram a invadir casas e realizar revistas sem mandado judicial, segundo moradores. Os PMs também invadiram lajes para usar o alto das casas como observatório. Há relatos ainda de que agentes agrediram moradores, além de terem matado, na segunda-feira (2), um jovem identificado como Thomás Bruno Dantas, apontado pela polícia como suspeito de chefiar o tráfico local.
A operação, que durou três dias, começou horas depois de o soldado Antônio Carlos Paiva Nunes, de 34 anos, ter sido baleado na cabeça, durante um tiroteio na Avenida Leopoldo Bulhões, próximo à Manguinhos. Socorrido no Hospital Quinta D’or, no bairro de São Cristóvão, o PM teve morte cerebral decretada na tarde de segunda-feira (2). “Toda vez que morre um da polícia, eles vêm matar na favela também”, diz uma moradora de Manguinhos, que acredita que a operação iniciada no domingo foi motivada por vingança.
“Aqui é Bope, não é UPP não!”, repetiam agentes de fardas pretas que circulavam pela comunidade, de acordo com a moradora. “Quando encontravam jovens e mulheres nas esquinas, os policiais xingavam, mandavam para casa”, conta outro morador. Suas identidades não foram reveladas por medo de represálias.
Um grupo de adolescentes foi abordado dentro de uma casa por policiais, que lhes deram tapas no rosto enquanto perguntavam quem era o jovem que tinha sido morto. Duas das jovens agredidas eram mulheres, de 22 e 16 anos.
Ainda segundo moradores, um dos adolescentes agredidos cumpria medida socioeducativa e ganhara o direito a passar a virada de ano e com a família. “A polícia o colocou de joelhos, deu pescoções nele e o mandou pra casa”, relata um morador. “Os meninos que cumprem medidas socioeducativas sofrem nessas operações, porque ficam marcados. Então ficam sem o direito de circular dentro da sua própria comunidade”, completa.
“No primeiro dia do ano, tive minha casa perfurada por um tiro de fuzil”
Durante o intenso tiroteio de domingo, casas de moradores foram atingidas por disparos. “Na minha casa estava todo mundo já no chão, quando fez um barulho ensurdecedor. Minha filha começou a gritar”, conta uma moradora, que teve as paredes de casa perfuradas.
“No primeiro dia do ano, tive minha casa perfurada por um tiro de fuzil. Era meio-dia e meia, eu ainda ia fazer comida, estava com a minha filha e meu esposo. Foi um momento de desespero, eu não sabia de onde estava vindo aquele tiro, onde tinha pegado. Saí de casa correndo para ir para a casa de uma vizinha pra tentar me abrigar, minha filha chorando”, relata ela, que é mãe de uma menina de cinco anos.
Quando a família retornou à casa após o final do tiroteio, deparou-se com os estragos em casa: o projétil perfurou a janela do quarto, atravessou a parede do quarto para a sala, saiu ao lado da televisão e ainda perfurou a parede que faz divisa com a casa vizinha, onde finalmente parou.
“Pra gente que é morador, que acorda às cinco horas da manhã pra trabalhar e acha que num feriado de início de ano poderia estar em casa curtindo um almoço em família, passar por isso é muito difícil. A gente paga nossos impostos, não mata, não rouba, não faz nada de errado e vive preso. O sentimento é de revolta porque a gente não pode nem sair, nem entrar, nem convidar ninguém pra vir na nossa casa, porque a gente não sabe a hora em que vai começar um tiroteio”, desabafa ela. “Espero que um dia a gente possa viver num Brasil melhor”, encerra.
O FSM (Fórum Social de Manguinhos) se manifestou sobre o assunto na noite desta terça-feira (3). Confira abaixo:
Outro lado
A reportagem enviou e-mails para as assessorias de imprensa da Polícia Militar e da Polícia Civil do Rio de Janeiro. À PM, a Ponte enviou as seguintes perguntas:
1) Que unidades da PMERJ participaram da operação?
2) Qual foi o objetivo da operação?
3) Houve detidos?
4) Um homem foi morto na operação, correto? Em que circunstâncias isso ocorreu?
5) Há relatos de casas invadidas por policiais sem mandado judicial. Como a PMERJ se posiciona a esse respeito?
Em resposta, por meio de sua assessoria, o Comando das UPP’s enviou a seguinte nota:
“A Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) realizou, na manhã desta terça-feira (3/1), uma operação na comunidade de Manguinhos. A ação foi coordenada pelo comando da UPP Manguinhos e contou com os apoios do Batalhão de Ações com Cães (BAC) e de outras UPPs. Quatro pessoas detidas, além das apreensões de 2 fuzis, 3 carregadores, 2 radio-transmissores, munições, 1497 pinos de cocaína, 301 tabletes de maconha, 1098 trouxinhas de maconha e 347 pedras de crack.
Na noite desta segunda-feira (2/1), Thomas Bruno Dantas, conhecido como Mongol, de 30 anos, morreu no Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier. Mongol era apontado como o chefe do tráfico de drogas de Manguinhos e teria sido ferido após confronto com equipes da UPP e do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) na comunidade”.
Até a publicação desta matéria, a Polícia Civil não respondeu sobre o registro das ocorrências e as circunstâncias da morte de Tomás Bruno Dantas.