Moradores de comunidades do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, relatam violações de direitos humanos por policiais do BOPE e do BAC em operação na terça-feira (13/12)
Casas e uma instituição invadidas sem mandado judicial, intimidação de moradores, tiros e um jovem morto. Este foi o saldo de uma operação da Polícia Militar nas comunidades Nova Holanda e Parque União, no Conjunto de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, na manhã de terça-feira (13). A DH (Divisão de Homicídios) da Capital, da Polícia Civil, investiga as circunstâncias em que foi morto Luciano Ferreira da Silva, de 32 anos. Participaram da incursão unidades do Comando de Operações Especiais (COE) – BOPE e do Batalhão de Ações com Cães (BAC).
Um morador da comunidade, que não quis se identificar por medo de represálias, relatou que acordou com o barulho do portão de sua casa sendo esmurrado por volta das 7h da manhã. “Abri a janela pensando que era algum vizinho, mas era a polícia pedindo pra abrir o portão. Disse que não abriria porque não tinha mandado, mas eles insistiram. Fechei a janela e percebi eles forçando a portão de ferro até arrombar, os policiais mandaram eu ficar calado, que queriam entrar na casa de cima. Ficamos quietos em casa e ouvimos eles subindo as escadas”, descreve.
Os policiais permaneceram na casa de cima por cerca de dez minutos e foram embora. O morador então subiu e encontrou a vizinha “muito nervosa”, afirma. “Eles tinham entrado na casa dela, feito algumas perguntas, pediram pra ver o celular e tudo. Ela disse que eles ficaram mexendo nas fotos dela, até que acharam uma foto e disseram que ela era muito gostosa pra estar com o marido dela. Achei isso um absurdo”, relata.
Na volta da padaria onde foi comprar pão, o morador se deparou com outro grupo de policiais tentando entrar no prédio, a quem explicou que outros policiais já haviam estado no local. “Mesmo assim entraram e subiram a escada novamente. Dessa vez foram mais rápido e logo desceram”.
Por meio de um serviço que acolhe denúncias relativas a violações de direitos cometidas por agentes de segurança, a ONG Redes de Desenvolvimento da Maré tomou nota de diversos casos de invasões de casas sem mandado por policiais militares. A maioria dos moradores, entretanto, não registra a ocorrência por medo de represálias, de acordo com a coordenadora executiva do eixo de segurança pública da Redes, Lidiane Malanquini.
Um dos prédios invadidos foi o da organização, localizada na Nova Holanda. Alguns profissionais chegaram à sede da ONG por volta das 7h30 da manhã, encontraram a porta arrombada e verificaram que todas as portas no interior do prédio também estavam arrombadas: a central, da entrada principal, a porta da sala de cinema, a do setor de comunicação e a da equipe social, segundo Lidiane.
“Todas as portas pelas quais temos acesso ao prédio foram arrombadas. Moradores viram os policiais entrando. Eles abriram os armários, mexeram no nosso material educativo, material de escritório, buscaram algumas pastas”, conta. “Verificamos tudo quando chegamos e não houve nenhum furto. Mas é muito grave esse tipo de abordagem. A Redes desenvolve projetos há quase 20 anos e nunca tivemos relatos de invasão de qualquer prédio em que a instituição realizasse projetos. A gente vem percebendo que essas operações vêm ficando cada vez mais violentas, o que atinge moradores e também instituições”, completa.
Para o diretor-fundador da instituição, Edson Diniz, trata-se de um desrespeito absoluto aos direitos humanos. “É uma prática que a polícia tem na Maré, de entrar na casa dos moradores, exatamente como aconteceu com a rede. Às vezes eles entram quando as pessoas não estão em casa e vasculham. Tem relatos até de furtos. Bagunçam a casa, quebram objetos e vão embora. A coisa fica por isso, um desrespeito absoluto aos moradores, que têm suas casas violadas e sequer tem retorno sobre o que houve. Uma afronta aos direitos das pessoas”, critica.
Foram registradas na 21ª DP (Bonsucesso) a invasão ao prédio da instituição e os danos provocados pelo Caveirão (veículo blindado da PM) ao automóvel de uma moradora.
Outro lado
Questionada sobre as invasões de domicílios sem mandado e sobre relatos de que houve uma pessoa baleada na operação, a assessoria da Polícia Militar do Rio de Janeiro respondeu que agentes do BAC (Batalhão de Ação com Cães) “apreenderam um revólver, uma granada e drogas a serem contabilizadas, e prenderam um suspeito com uma pistola” durante “vasculhamento na comunidade Nova Holanda”, e que equipes do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) “se depararam com suspeitos armados e houve confronto”.
A PM disse ainda que “um homem, que estava com um pistola calibre 9 mm e rádio portátil, foi encontrado ferido, sendo socorrido ao Hospital Federal de Bonsucesso” e que, “em outro ponto da comunidade, policiais apreenderam um fuzil calibre 5.56 e cerca de 120 kg de maconha”.
De acordo com a Polícia Civil, a DH (Divisão de Homicídios) da Capital instaurou “um procedimento para apurar as circunstâncias da morte de Luciano Ferreira da Silva, 32 anos, após um confronto entre policiais militares do BOPE e criminosos” na Rua Bitencourt Sampaio, na manhã de ontem. “A vítima foi levada para um hospital, mas não resistiu e faleceu. Iniciou-se um amplo trabalho de investigação visando esclarecer detalhadamente as circunstâncias do fato”, segundo a nota.