PMs invadem casas e jogam gasolina em moradora durante ação na Baixada Santista, denunciam vizinhos

Moradores da Vila Teimosa relatam que policiais entraram intimidando com fuzis e fazendo ameaças: “A opressão está em cima de nós”, diz moradora. Promotores anunciam que vão investigar nova Operação Escudo

Viaturas da PM em comunidade da Vila Teimosa, em Praia Grande| Foto: Arquivo pessoal

Moradores da comunidade de Vila Teimosa, no bairro Vila Sônia, em Praia Grande (SP), na Baixada Santista, denunciam que policiais militares fizeram uma incursão violenta na tarde desta quarta-feira (21/2). Segundo relatos dos moradores, os PMs invadiram casas e submeteram uma mulher a tortura psicológia para revelar a suposta localização de um ponto de venda de drogas. 

A moradora relatou aos vizinhos que os policiais quebraram seu telefone celular e jogaram gasolina sobre seu corpo, ameaçando atear fogo nela. Ao final, a mulher foi liberada. 

“Eles estão aqui com vários fuzis. Estão constrangendo os moradores”, relatou outra moradora à Ponte. Ela revelou, em condição de anonimato, que os policiais chegaram ao local em três viaturas por volta das 16h. Até as 18h, ainda estavam no local.

“Os policiais alegam que estão atrás dos traficantes, mas e os moradores? Os moradores não têm nada a ver com isso. A opressão está em cima de nós”, desabafa a moradora. 

Esta nova denúncia de violência acontece no contexto de uma série de mortes cometidas pela Polícia Militar em comunidades pobres da Baixada Santista desde o início de fevereiro, dentro de uma operação de reforço de policiamento na região que a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem chamado de Operação Escudo e, em outros momentos, de Operação Verão.

As Operações Escudo são ações organizada de vingança instituída pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para intensificar o policiamento em determinadas regiões após a morte de policiais. Criticadas por moradores de bairros pobres e por ativistas de direitos humanos pelas práticas de execuções, torturas e ameaças, as operações já foram denunciadas duas vezes na Organização das Nações Unidas (ONU) e também na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Desde o dia 3 de fevereiro, 30 pessoas foram mortas pela polícia nesta nova edição da Operação Escudo. Com isso, a atual ação levou metade do tempo para superar o número de vítimas da operação deflagrada no ano passado, quando a PM deixou 28 mortos em 40 dias de ação.

Na Baixada, a atual edição da Operação Escudo foi intensificada após as mortes do soldado Marcelo Augusto da Silva, 28, do 38º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), em Cubatão, no dia 26 de janeiro, e do soldado Samuel Wesley Cosmo, 35, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), força especial da PM, em 2 de fevereiro, na cidade de Santos. O gabinete da SSP chegou a ser transferido temporariamente para Santos em meio à escalada das mortes. 

Apesar de ter anunciado o reforço no policiamento com o nome de Escudo, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, mudou de discurso e passou a dizer que as mortes e ações atuais estariam no âmbito da Operação Verão — que acontece tradicionalmente entre dezembro e fevereiro no litoral paulista. Contudo, em coletiva de imprensa, Derrite admitiu que o modus operandi é o mesmo nas duas operações.

A versão de Derrite e Tarcísio até aqui é de que as mortes ocorreram em confronto, em uma reação dos policiais quase sempre recebidos a tiros. Familiares de vítimas ouvidos pela Ponte contam versões diferentes.

Em São Vicente, os familiares do catador de latinhas José Marques Nunes da Silva, 45 anos, disseram que ele implorou pela própria vida ao ser encurralado na casa em que vivia. Já em Santos, os amigos de infância Leonel Andrade Santos, 36, e Jefferson Ramos Miranda, 37 conversavam na rua quando, segundo as famílias, foram mortos por policiais.

No mesmo município, os gritos dos familiares de Hilderbrando Simão Neto, 24, não impediram que ele fosse morto com o amigo Davi Gonçalves Júnior, 20. A dupla estava na casa de Hildebrando quando policiais sem mandado invadiram o local.

Ministério Público vai apurar mortes

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) criou o “Projeto Especial – Operação Verão”, com o objetivo de assegurar o controle externo das ações policiais durante a nova série de ações praticadas na Baixada. O anúncio foi feito nesta terça-feira (20/2), mesma data em que a ação superou o número de mortos da operação anterior. 

Ao todo, quatro promotores vão atuar no projeto. São os membros do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp) e promotores que atuam no litoral. 

O projeto terá duração inicial de seis meses, que poderão ser prorrogados pelo mesmo período. Os promotores membros atuarão na análise dos procedimentos investigatórios instaurados durante a Operação Escudo e também em mortes em intervenção policial no andamento da Operação Verão. 

A confusão feita pelo governo ao tentar englobar as ações na Baixada Santista como parte da Operação Verão tem sido uma das dificuldades encontradas pelos promotores. Em entrevista à Ponte, o promotor do Gaesp Danilo Orlando Pugliesi comentou ser custoso separar as ações feitas em cada operação. 

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“Uma dificuldade do trabalho que temos agora é separar quais mortes aconteceram após as mortes dos policiais e quais foram decorrentes de um patrulhamento, que não fazem parte da operação. Se na operação do ano passado tinha uma delimitação mais clara, que foram 600 policiais designados para atuar na Operação Escudo e as ações eram descritas como parte da Escudo, agora nós temos que separar para entender cada morte”, diz Pugliesi. 

O que dizem as autoridades 

A Ponte questionou a SSP-SP sobre a ação na Vila Teimosa. Em nota, a secretaria respondeu que recebeu denuncia sobre os relatos dos moradores. A pasta disse ainda que a PM realizou uma incursão na comunidade para combater o tráfico após uma denúncia.

“A SSP esclarece que não houve qualquer denúncia sobre a alegação citada pela reportagem. A Polícia Militar realizou uma incursão na comunidade “Teimosinha”, com o foco de combater o tráfico de drogas na região, após uma denúncia. A Polícia Militar preza pelo estrito cumprimento da legalidade, observando e primando pela defesa da vida, pela integridade física e dignidade do cidadão”, escreveu.

*Matéria atualizada no dia 23 de fevereiro de 2023 para incluir a resposta da SSP-SP.

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