Fórum da Barra Funda montou forte esquema de segurança e impediu a entrada dos pais dos réus
Ele era branco. Não, era pardo. Foi porque o comando mandou. Não, foi porque era muita gente. Estavam todos de preto. Bom, quase todos.
Uma série de pequenas contradições marcou os depoimentos de três policiais militares que depuseram nesta sexta-feira (22/9), como testemunhas de acusação, na primeira audiência de instrução do processo contra 18 jovens presos antes de uma manifestação Fora Temer, acusados de associação criminosa e corrupção de menores. As informações são dos advogados: Ministério Público e Tribunal de Justiça não se manifestaram, porque o caso corre em segredo de justiça.
Após três horas de audiência, advogados e réus saíram animados da 3ª Vara Criminal da Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da cidade de São Paulo. “Em cada depoimento, o próximo policial a depor contradisse o anterior. É um emaranho de contradições que coloca em dúvida, já na primeira audiência, a versão acusatória”, comemorou Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado de três dos 18 réus, ao sair das portas de vidro do prédio do fórum, por volta das 17h.
Outro advogado, Thiago Rochetti, foi na mesma linha, com um pouco menos de entusiasmo. “Foi uma audiência boa para os réus. Não chegaria a dizer que houve contradições, mas mostrou pontos que revelam incongruências nas acusações”, disse.
Entre as contradições, ou incongruências, da fala dos PMs, houve o ponto em que se desentenderam ao tentar descrever uma pessoa da rua que teria avisado a polícia sobre a presença de “um grupo de black blocs” diante do Centro Cultural São Paulo, em 4 de setembro de 2016. Um dos policiais disse que era branco. Outro, que era “pardo”.
Também deram versões diferentes para os motivos que os levaram a levar os jovens detidos diante do CCSP para o Deic: teve PM que disse ser “uma ordem de comando” e PM que falou que levaram o grupo à delegacia especializada porque eram muitas pessoas. Um dos policiais disse que os 18 detidos estavam de preto, outro já disse que nem todos.
Procurados, o Ministério Público e a Polícia Militar não se pronunciaram.
Os policiais militares também evitaram qualquer menção ao capitão (hoje major) do Exército William Pina Botelho, que, com o nome falso de Balta Nunes, atuava infiltrado em manifestações e encontros de movimentos sociais. Naquele dia, Botelho foi detido junto com os 18 jovens e liberado em seguida pela própria PM. Todas as vezes em que a juíza perguntou sobre o capitão, a pedido da defesa, os policiais responderam que não se lembravam ou não sabiam sobre ele.
A juíza juíza Cecília Pinheiro da Fonseca decidiu suspender a audiência a pedido do promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza, que não abriu mão de ouvir duas testemunhas de acusação, o delegado do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) Fabiano Fonseca Barbeiro e um policial militar, que, embora tenham sido arrolados, faltaram à audiência.
A próxima audiência ficou marcada para 10 de novembro. Como parte dos réus ainda não havia sido sido intimada, o processo vai ser desmembrado em dois, um com 15 réus e outro com 3, que correm paralelamente, com a mesma juíza e o mesmo promotor.
“Foi tenso estar aqui, diante dos policiais que prenderam a gente”, comentou um dos réus, o ator Hugo Leonardo Carioca, 24 anos. “Minha intenção é tudo acabar na próxima audiência, porque somos inocentes e sabemos que vamos ser liberados.”
Pais barrados na porta
Estudantes secundaristas, movimentos sociais, artistas e políticos do PSOL e PT protestaram com faixas, cartazes, discursos em carro de som e muito batuque, na Avenida Doutor Abraão Ribeiro, do lado de fora do Fórum Criminal. “Bom dia, juíza, como vai? Aqui não tem arrego, vou tirar o seu sossego” era um dos refrões cantadas pelo grupo.
Por ordem da direção do Fórum, a Polícia Militar mobilizou um forte esquema de segurança para o depoimento desta sexta, com dois veículos da tropa de choque do lado de fora dos portões e nove viaturas do lado de dentro.
O acesso às dependências do Fórum costuma ser público, mas desta vez os policiais barraram diante dos portões de entrada diversas pessoas, incluindo familiares dos réus. Pais, namoradas e amigos dos réus ficaram confinados numa área ao lado da guarita, distantes 200 metros distante do prédio do Fórum, onde ocorria a audiência.
Os PMs também barraram alguns jornalistas, ao exigir a apresentação de uma “credencial de imprensa”, um documento que não existe, para liberar o acesso apenas ao pátio do fórum. A vereadora Juliana Cardoso (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo, foi impedida de assistir à audiência.
O motivo alegado para tantas restrições, segundo funcionários, é o fato de o processo contra os 18 jovens correr em segredo de justiça, por mencionar o nome de três adolescentes que foram detidos junto com eles.