Rapaz dirigia um carro roubado na zona leste de SP. Socorro não o levou ao hospital mais próximo e demorou uma hora e meia para chegar. Polícia Civil só foi notificada depois de 4 horas
Policiais militares da Força Tática mataram, na noite da última quarta-feira (5), o suspeito de tentar roubar um supermercado na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, Fernando Henrique Venâncio da Cunha, de 34 anos. Os três tiros que atingiram o rapaz (tórax, virilha e joelho) foram deflagrados por volta das 20h30. O socorro chegou às 22h. E o caso só foi comunicado na delegacia à 1h20 de quinta-feira (6).
Fernando Henrique dirigia um Peugeot 207 vermelho roubado em 2 de outubro deste ano. De acordo com a Polícia Civil, a PM buscava suspeitos que estariam fugindo da tentativa do roubo ao supermercado em um carro também de cor vermelha. Uma pessoa que presenciou a cena do crime afirma ter convicção de que o suspeito não tentou roubar o mercado porque eles estavam juntos cinco minutos antes do rapaz ser baleado.
De acordo com a versão dos policiais Claudio de Queiroz Fernandes e Marcelo Veloso, que atiraram contra o suspeito, após perseguição, Fernando parou o carro na avenida Naylor de Oliveira, altura do número 56, uma via de chão de terra batida, desceu e começou a disparar contra os PMs. O soldado Prachedes também estava na ocorrência, mas não teria participado da suposta troca de tiros.
Os policiais afirmaram que Fernando estava acompanhado de outros dois suspeitos, que conseguiram fugir. Ainda de acordo com os PMs, foi apreendido com Fernando um um revólver calibre 38, de numeração raspada, oxidado, com dois cartuchos deflagrados. Ele havia saído da prisão há oito meses. Estava preso por furto.
Durante a ação, a rua estava cheia de gente. E o que as testemunhas afirmam contradiz a versão dos policiais. A reportagem da Ponte Jornalismo esteve na manhã desta sexta-feira (7) no cemitério Vila Formoza, na zona leste, onde o corpo de Fernando foi enterrado. A família, abalada e com medo de represálias, preferiu não se manifestar. Já quem estava na cena do crime fez questão de falar o que viu.
“Era por volta das 20h30. Sei do horário porque foi bem na hora que começou a novela da Record. Ouvi todo o barulho de dentro de casa e fui olhar pela janela. O rapaz estava ajoelhado gritando ‘perdi, perdi’ e eles [os policiais] tiraram ele do carro à força e atiraram à queima roupa”, afirma uma mulher de 53 anos que pediu para não ser identificada.
Desde que saiu da prisão, Fernando buscava um emprego e cuidava do padrasto, que sofreu um derrame recentemente. De acordo com um amigo do rapaz, o suspeito não estava armado e não participou da tentativa de roubo ao supermercado. “Eu tenho certeza disso porque ele estava comigo cinco minutos antes do crime”, afirmou.
De acordo com outros amigos de Fernando, ele sabia que o carro era roubado. “O Peugeot foi roubado por outras pessoas. Mas estava escondido na garagem dele. O tanto que a gente falou pra ele… O tanto que a mãe dele aconselhou… Ele quis pegar o carro para dar uma volta. E deu no que deu. São escolhas, infelizmente”, diz uma outra pessoa, durante o velório.
Durante uma hora e meia de demora, Fernando, baleado, ficou agonizando e pedindo socorro. Os amigos e familiares foram impedidos pelos policiais de poderem chegar perto. Quando um carro do Corpo de Bombeiros chegou, ele foi levado ao Hospital Geral de Guaianazes, a 6,3 km de distância, enquanto o hospital da Cidade Tiradentes ficava a 3,5 km do local.
Ele deu entrada no hospital por volta das 22h20. De acordo com o médico que atendeu Fernando, ele morreu por volta das 23h por hemorragia causada pelos disparos da arma de fogo. A informação, no entanto, só chegou aos familiares, que aguardavam no local, à 1h30.
“Eu estava lá, olhei no olho do policial, um alemão forte, e disse que a gente era igual. Que ninguém podia torcer pela morte do seu semelhante, como ele estava torcendo. Ele deu risada, saiu com os outros PMs do hospital e disse: agora vocês se resolvam com eles [do hospital] aí”, afirmou um amigo do Fernando durante o enterro, em tom de desabafo.
De acordo com a Polícia Civil, os PMs afirmaram que tentaram identificar câmeras de monitoramento para esclarecer os fatos, mas não encontraram nada. “Eles chegaram a entrar na casa das pessoas. Mexeram no celular de todo mundo, querendo saber se alguém gravou alguma coisa”, disse uma garota.
Na delegacia, a dona do carro afirmou que não reconheceu Fernando como um dos ladrões que roubaram seu veículo no começo do mês. O delegado Fabrício Cintra Eigenher entendeu a ação policial como legítima defesa.
A reportagem procurou as assessorias de imprensa da Polícia Militar e da Secretaria da Segurança Pública, comandada pela empresa terceirizada CDN Comunicação:
– Fernando Henrique estava em um carro roubado e a suspeita é de que ele havia tentado roubar um supermercado e que estava em fuga. Por gentileza, podem confirmar a suspeita?
– Testemunhas afirmaram que o caso aconteceu às 20h30 (e não às 21h, como no BO). É verdade?
– Por que os policiais demoraram mais de quatro horas para comunicar o caso?
– Por que o resgate chegou ao local apenas uma hora e meia depois da suposta troca de tiros?
– Por que não o levaram ao Hospital Cidade Tiradentes, que era mais próximo do que o Hospital Geral de Guaianazes?
Às 20h30 desta sexta-feira (7), a SSP respondeu as questões com a seguinte nota: “O DHPP investiga o caso por meio de inquérito policial. A ocorrência foi registrada como ‘morte decorrente de oposição à intervenção policial’, ‘receptação’, ’posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito’ e ‘ resistência’, ‘apreensão de veículo’. O carro roubado foi devolvido à proprietária. Foi requisitado exame residuográfico de todos os envolvidos, além de exames necroscópico e toxicológico. As armas dos policiais envolvidos na ocorrência e do acusado foram encaminhadas ao IC. Diligências estão sendo feitas para encontrar câmeras de segurança no bairro. A Corregedoria da PM acompanha a investigação, como é de praxe nos casos de morte decorrente de oposição à intervenção policial.”