PMs suspeitos de estupro em viatura são do mesmo batalhão de policial que jogou homem de ponte em SP

    Jovem de 20 anos relatou ter sido violentada em viatura após aceitar carona de policiais na volta do Carnaval. Especialista ouvido pela Ponte diz que episódios em um curto intervalo de tempo exigem troca de comando no 24º BPM/M

    Segundo o relato da vítima, PMs estariam bebendo na viatura em horário de serviço e retiraram as câmeras corporais de suas fardas para cometer o crime | Foto: divulgação/Secretaria da Segurança Pública

    Os policiais militares Leo Felipe Aquino da Silva e James Santana Gomes, acusados por uma jovem de tê-la estuprado dentro de uma viatura no último domingo (2/3), são do mesmo batalhão da Polícia Militar paulista envolvido no caso em que um homem foi jogado de uma ponte no mês de dezembro.

    Trata-se do 24º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M). O histórico de violência da unidade inclui também o internacionalmente conhecido caso Favela Naval — em que policiais lotados no mesmo batalhão foram filmados por um cinegrafista amador, em 1997, torturando e tentando extorquir três homens em uma abordagem na comunidade em Diadema. Na ocasião, uma das vítimas acabou morta com um tiro. As imagens foram reveladas à época pela TV Globo e rodaram o mundo.

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    No episódio do ano passado envolvendo o 24º BPM/M, o soldado Luan Felipe Alves Pereira, integrante da unidade até então, foi filmado jogando um homem de cima de uma ponte na zona sul de São Paulo — o que desencadeou uma onda de críticas à PM e à política de segurança do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e seu secretário Guilherme Derrite. O soldado está preso preventivamente no presídio militar Romão Gomes, na zona norte da capital.

    Também no ano passado, mas em agosto, policiais do mesmo batalhão mataram a tiros um homem de 35 anos dentro de casa e na frente da mãe dele quando ele passava por um surto esquizofrênico. A familiar havia sido acionado a PM e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), ocasião em que o filho ameaçou com uma faca uma profissional de saúde e acabou baleado.

    Entre os casos da Favela Naval e do homem jogado pelo PM, a Ponte noticiou, em 2020, que um jovem de 23 anos foi morto em uma abordagem de policiais do 24º BPM/M, ocasião em que um dos agentes disse ter “atirado sem querer”. Também na ocorrência, os PMs envolvidos mexeram no corpo da vítima. Já em 2023, a Ponte mostrou que dois jovens foram presos injustamente por policiais do 24º BPM/M por estarem em uma praça onde ocorreu um furto e serem submetidos a reconhecimento irregular.

    No episódio mais recente, envolvendo a acusação de estupro, o relato da vítima é de que teria sido violentada pelos policiais do 24º BPM/M após ter aceito uma carona deles, quando voltava de um bloco de Carnaval. Ambos estariam bebendo no horário de expediente e a levaram dentro da viatura policial.

    O soldado Luan Felipe Alves Pereira, do o 24º BPM/M, atira homem de cima de uma ponte na zona sul de São Paulo em dezembro de 2024 | Foto: Reprodução

    Policiais retiraram câmeras de uniforme

    A jovem de 20 anos que afirma ter sido vítima de estupro dos policiais enviou vídeos e áudios aos familiares ainda de dentro do veículo relatando o ocorrido, conforme relevou o Metrópoles. Ela disse que os agressores a abandonaram machucada, descalça e sem o celular na rodovia Anchieta, após terem praticado o estupro dentro da viatura, ocasião em que teriam estacionado em uma rua vazia.

    Ela precisou pedir ajuda a motoristas que trafegavam no trecho, quando foi levada a uma delegacia na zona sul de São Paulo e depois socorrida na Unidade de Pronto Atendimento da Liberdade, no Centro.

    O jornal O Globo revelou que os policiais retiraram as câmeras corporais do uniforme durante uma hora naquela ocasião e não acionaram os aparelhos — o poderia captar o som ambiente. Leo Felipe e James estão presos no presídio militar Romão Gomes desde segunda-feira (3/2) por abandono de posto e descumprimento de missão. A Justiça converteu a prisão em preventiva.

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    A versão deles é de que a jovem teria pedido uma carona até um terminal de ônibus após abordá-los na rua. Ao ser levada ao Terminal Metropolitano Piraporinha, em Diadema, ela teria se negado a descer no local e ameaçado ambos de acusá-los de estrupo. Eles alegam ainda que a teriam deixado em um ponto de ônibus após acessarem a Avenida do Estado, na zona sul de São Paulo.

    A mãe da jovem disse ao jornal O Globo que ela faz tratamento contra a depressão e registrou, no ano passado, uma queixa de estupro contra o pai, episódio associado ao seu quadro mental. O soldado Leo Felipe está na PM desde 2020. Ao tentar entrar na corporação antes disso, ele havia sido reprovado no teste psicológico, conforme revelou o SBT. Já o cabo James é policial militar desde 2017.

    Casos exigem troca de comando, diz especialista

    Para o coronel reformado da PM paulista José Vicente da Silva Filho, os dois episódios envolvendo o 24º BPM/M num curto intervalo de tempo, exigem uma troca de comando da unidade.

    “Dois casos de grande gravidade comprometem qualquer comando. Normas de contenção no uso da força e no tratamento de cidadãos devem ser preocupação prioritária de qualquer comandante, o que deve ser levada a toda a tropa em contato direto e através de treinamento”, diz à Ponte. “Entendo que o comandante do batalhão e o capitão comandante da companhia desses policiais devem ser substituídos.”

    José Vicente lembra que, já à época do caso da Favela Naval, o 24ª BPM/M era visto como problemático, em razão da violência na região — e a lotação nele era recebida como um castigo. “Normalmente, nesses batalhões, os comandantes ficam pouco tempo e não conseguem imprimir um padrão estável de ação”, diz. Para o especialista, as ocorrências recentes ainda acendem um alerta sobre o desprestígio dos batalhões territoriais, como é o caso de o 24º BPM/M, sob a gestão de Derrite à frente da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), se comparados às unidades táticas, como a Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e o Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep).

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    “Esses batalhões precisam de mais atenção e apoio para não só evitar que esses incidentes bizarros ocorram, mas também para estimular sua potência preventiva com uma tropa preparada e motivada. Rota, Baep e Choque pouco previnem. Unidades táticas visam bandidos esporádicos, e unidades territoriais visam a proteção da sociedade a todos os tipos de bandidos e desordens”, diz.

    O que diz a SSP-SP

    À Ponte, a SSP-SP afirmou que a suspeita de estupro é investigada por meio de um inquérito policial militar, da própria PM, e pela Polícia Civil. As apurações farão análises, segundo a pasta, das câmeras corporais e buscam imagens eventualmente registradas por outros aparelhos no trajeto da vítima.

    A reportagem também questionou a SSP-SP sobre eventuais medidas a serem tomadas quanto ao batalhão. Não houve retorno sobre esse ponto.

    Leia a íntegra do que diz a SSP-SP

    “Os policiais envolvidos na ocorrência permanecem no Presídio Militar Romão Gomes (PMRG), após terem a prisão preventiva decretada pela Justiça. Todas as circunstâncias dos fatos são apuradas, inclusive com a análise das câmeras corporais. A Polícia Militar reforça seu compromisso com a legalidade e a transparência, garantindo que qualquer desvio de conduta será punido com rigor.

    O caso também é investigado por meio de inquérito policial instaurado no 26° Distrito Policial (Sacomã). A mulher compareceu nesta quarta-feira (4) na unidade, juntamente com sua mãe, e prestou depoimento. Equipes da unidade buscam imagens do trajeto da vítima e realizam demais diligências que possam auxiliar no esclarecimento dos fatos.”

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