Violência aconteceu durante abordagem na Água Funda, zona sul de SP: ‘tinha criança em casa, ameaçaram e riram da gente’
Dois jovens negros agredidos, crianças assustadas e uma família com prejuízo financeiro. Esse é o resultado de ação policial na Água Funda, zona sul de São Paulo, na noite de quinta-feira (18/6).
A Ponte esteve na casa, localizada na Rua José da Rocha Mendes Filho, onde moram os dois jovens agredidos. Eles pertencem à mesma família e trabalhavam naquela noite. A Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio intermediou o contato e faz o acompanhamento da família.
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Um dos homens perdeu três dentes na ação policial. O ferimento é decorrente de disparo de bala de borracha que o atingiu na boca. Além dos dentes, ele teve a língua atingida e, mesmo dois dias depois da ação, está com a boca inchada.
Tudo teve início com um jogo de futebol no bairro. Havia várias pessoas no entorno logo após a partida, quando os policias chegaram. A família conta que logo de cara foi alvo.
“Chegaram dando tiro, tacando bomba. Ninguém perguntou nada. Estávamos trabalhando com a venda de espetinhos, não fizemos nada errado”, conta Isaac Gabriel, 23 anos, um dos agredidos.
Ele levou um tiro de bala de borracha no ombro, disparo que abriu um machucado na região. Pior foi com seu irmão, o jovem atingido pelo disparo na boca.
“Ele foi falar com eles para pararem de agredir o pessoal, explicar que tinha criança dentro de cara quando o PM mirou e disparou no rosto dele”, relembra.
A família contra eram ao menos 8 crianças no local, além de um bebê e uma mulher grávida. “Todo mundo tentou entrar em casa e eles tacaram bomba. As crianças foram para o banheiro e fizeram uma sauna com o banheiro para fugir do spray de pimenta”, relembra Isaac.
Um dos primos filmou a ação policial. Diferentemente dos dois, ele é branco, loiro e tem olhos claros. “Com ele não aconteceu nada. No máximo o PM pegou o celular e o ameaçou levar à delegacia, mas nada de violência”, conta uma tia.
Os dois jovens agredidos foram levados pelos policias ao 16º DP (Vila Clementino) e assinaram ocorrência por desacato e resistência. Contam que não conseguiram dar queixados policiais.
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“Ficaram tirando sarro da gente na viatura. De que meu irmão, por causa da boca machucada, não conseguiria beijar mais. Tinha criança em casa, ameaçaram e riram da gente”, conta. Dois PMs foram identificados na ação, os soldados Nóbrega e Variza.
“Falaram um monte de coisa, ficaram dando risada. Disseram que se voasse mais sangue da boca dele iam arrancar a cabeça dele, que iam pegar a gente na rua…”, afirma.
No DP, a conversa ficou mais tensa. O policial Nóbrega tentou se justificar à família, conforme gravação. No entanto, em determinado momento ele desistiu das justificativas e afirmou que “da próxima vez que jogarem pedaço de madeira eu vou revidar com tiro”.
A família vende bolos em pote para manter a renda. Os dois irmãos agredidos estão desempregados e tentam se sustentar com a venda de churrasco. A tia, que prefere não se identificar, perdeu o emprego recentemente.
“Temos que nos virar com essa pandemia. Nenhum de nós conseguiu receber o auxílio do governo. Então tem que fazer como dá”, diz. “O problema é que perdemos pelo menos R$ 100 em produtos com a ação. Na correria, as crianças derrubaram as coisas”, afirma.
A Ponte questionou a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), e a PM sobre a ação policial. Em nota, a secretaria afirmou que a tropa atendeu ocorrência de aglomeração.
“Chegando lá, havia mais de 300 pessoas, que atiraram pedras, garrafas e pedaços de madeiras nos PMs. Diante disso, foi necessário uso de técnicas de controle de distúrbio civil. Um policial e um homem ficaram feridos”, defende a pasta, dizendo que a PM abriu investigação para apurar o caso.