Polícia Civil e MP apuram se PMs mentiram sobre operação com 13 mortos no RJ

    Quase três meses após chacina no Morro do Fallet, primeira reconstituição é realizada com PMs que sustentam versão de troca de tiros; ’94 disparos partiram dos policiais’, destaca ouvidor da Defensoria Pública do RJ

    Policial de balaclava conversa com perito em frente ao local da chacina | Foto: Yasmim Restum/Ponte Jornalismo

    Quase três meses após a operação da Polícia Militar do Rio de Janeiro no Morro do Fallet, na zona norte, que terminou com a morte de 13 jovens, aconteceu a primeira reconstituição do caso durante a manhã e início de tarde desta segunda-feira (29/4). Na versão do Bope(Batalhão de Operações Policiais Especiais), a tropa de elite da PMERJ, e do Batalhão de Choque houve troca de tiros naquela sexta-feira (8/2).

    Testemunhas, no entanto, confrontam a versão oficial desde o ocorrido. Em reportagem da Ponte publicada no dia seguinte à chacina, uma moradora afirma que foi execução. “Não teve troca de tiro, eles tão falando que teve troca de tiro mas não teve nada disso. Eles que entraram e mataram os 13 meninos dentro dessa casa”, contou.

    A maior parte dos cerca de 20 agentes que participaram da reconstituição usava balaclavas – uma espécie de touca ninja que só deixa os olhos aparecendo e foi utilizada por proteção. A Polícia Civil reproduziu os mais de 100 tiros disparados no dia das mortes para entender a dinâmica dos acontecimentos.

    Caveirão bloqueia rua onde acontecia a reconstituição | Foto: Yasmim Restum/Ponte Jornalismo

    A Defensoria Pública do Rio de Janeiro, desde o ocorrido, tem apontado possíveis incongruências entre os relatos dos policiais que participaram da ação e o que de fato pode ter acontecido nos fundos da casa localizada na Rua Eliseu Visconti. Há 15 dias, quando o caso completava 2 meses, a Defensoria chegou a publicar uma nota sobre um trabalho que estavam realizando no local, que consistia em coletar depoimentos na comunidade, e cobrou resultado das investigações. Além disso, o órgão chegou a divulgar a declaração de uma moradora da região, que diz que, após o ocorrido, a comunidade vive com medo: “Essa cultura do medo precisa acabar. As pessoas precisam entender que o estado não é inimigo, que a comunidade não pode ser tratada como lixo tendo a certeza da impunidade. Não queremos acreditar que estamos em um navio negreiro”.

    À Ponte, Pedro Strozenberg, ouvidor-geral da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, se mostrou preocupado com o andamento da investigação. “Foi a maior chacina dos últimos 10 anos”, disse. “Estamos acompanhando com certa apreensão. Vimos provas importantes para esclarecer o caso, como pertences das vítimas, os laudos pouco detalhados e a própria cena do crime desfeita, serem desperdiçadas. Hoje cumprimos o protocolo com responsabilidade, mas estamos trabalhando com a versão dos policiais, não deixa de ser uma versão única”, lamentou.

    Strozenberg ressaltou que o laudo pericial feito em fevereiro, apontava que cerca de 120 tiros foram disparados. “Noventa e quatro partiram de policiais”, afirmou o defensor. Segundo o promotor de Justiça Paulo Roberto Mello Cunha, a reconstituição é importante justamente para confrontar versões e provar se há ou não contradições entre as falas dos policiais que participaram da ação e o laudo técnico da perícia sobre o fato. “O que for apurado nesta reconstituição simulada vai ser analisado junto aos depoimentos dos policiais que disseram que houve troca de tiros, resistência para vermos se há alguma incompatibilidade”, declarou à imprensa que acompanhava o trabalho dos peritos da Polícia Civil do RJ.

    Fachada do local onde aconteceu operação: jovens foram alvejados na casa dos fundos | Foto: Yasmim Restum/Ponte Jornalismo

    Ao chegarem no bairro do Catumbi na manhã desta segunda-feira, os policiais bateram à porta da casa e pularam o muro depois de esperarem 2 minutos. Três membros da família da senhora idosa, que teve a casa perfurada por balas, chegaram logo depois para receber os agentes da Polícia Militar e da Delegacia de Homicídios da Capital – RJ, acompanhados pela Defensoria Pública do Estado.

    Um membro da associação de moradores do Fallet-Fogueteiro, que preferiu não se identificar, veio acompanhar o trabalho dos agentes de segurança e disse que os moradores querem respostas. “A gente nao sabe direito o que aconteceu. Mas os moradores que viram falam que eles entraram atirando, que não houve troca de tiros. A postura da polícia foi agressiva. Não podem tratar morador nenhum assim”, criticou.

    No dia 10 de abril, a Comissão Arns, que reúne nomes da sociedade civil na defesa dos direitos humanos – entre eles seis ex-ministros -, anunciou que acompanharia e cobraria reposta sobre a chacina do Fallet. Na ocasião, os integrantes da comissão lembraram que a operação policial foi elogiada pelo governador Wilson Witzel. A escolha do grupo em se debruçar sobre o caso se deu pela preocupação com relação à violência policial e por como iniciativas do governo ,como o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro, apontam para a legalização das práticas violentas. “Liberou geral para matar. É para matar mesmo. É isso que o pacote informa”, diz Paulo Sérgio Pinheiro, o ex-ministro da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e membro da Comissão Nacional da Verdade.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas