Comunidade do Piolho, na zona sul de São Paulo, fez protesto contra a violência no local. Testemunhas ouviram policias dizerem uns aos outros que não era para ter atirado na vítima
Gabriel Augusto Hoytil de Araújo, de 19 anos, morreu no final da manhã da quarta-feira (20/10) enquanto comia uma marmita em um dos becos do Morro do Piolho, no bairro do Campo Belo, zona sul de São Paulo, com um tiro disparado por um policial civil. Uma dupla à paisana estava disfarçada de técnicos de manutenção de telefonia, quando abordaram um grupo de jovens no local. Segundo os moradores, Gabriel não reagiu à abordagem dos policiais.
“Entraram dois policiais disfarçados no beco gritando ‘perdeu!’, só que o pessoal do tráfico não estava nesse local. Só tinha gente que não tinha nada a ver e correram assustados. O Gabriel estava com um marmitex na mão e o policial atirou na cara dele. Nós escutamos um policial falar para o outro: ‘não era para você atirar nele’”, relatou um morador que não quis ser identificado.
Outro jovem que estava no local no momento da abordagem e foi levado para o 96º DP (Brooklin) para averiguação confirma a versão de que não havia comércio de drogas no local onde os policiais entraram. “Eu estava de passagem e vi o momento que eles atiraram. Eles gritaram primeiro e logo depois atiraram. Eu não entendo o porquê. O moleque era um menino de bem, mas dentro de comunidade a polícia não quer saber quem é quem”.
Por conta da morte de Gabriel, moradores da comunidade do Piolho fizeram uma manifestação na esquina da Avenida Roberto Marinho e a rua Cristóvão Pereira. Juneo Videira realiza trabalho para um ONG no local há mais de vinte anos e conhece bem a realidade da favela. Para ele, os moradores estão no direito de se indignar em um caso como esse. “Por mais que exista tráfico no local, nada justifica uma ação policial desastrosa como essa. Já tem insegurança aqui todos os dias. Esta revolta se justifica e é válida”, declarou.
Engraxate e praticante de artes marciais
Era consenso entre os moradores que Gabriel era um rapaz tranquilo. Atualmente o jovem estava trabalhando como engraxate e tinha passado um tempo no interior de São Paulo trabalhando como pedreiro. “Ele era um cara exemplar. Menino muito carismático. Fez jiu-jitsu durante um tempo. Recentemente eu tinha levado ela para trabalhar numa obra comigo”, conta Claudemir Araújo, pai de Gabriel. “A última vez que falei com ele foi no sábado. Ontem mandei mensagem pelas redes sociais e ele não me respondeu.
Familiares estiveram no Instituto Médico Legal para liberação do corpo. A mãe de Gabriel sofreu um AVC recentemente e só foi avisada da morte do filho no final da tarde. Em frente ao IML ela estava inconsolável. A tia Ana Lúcia Custódio da Silva chegou a ir ao local do crime, mas não pode se aproximar do corpo. “Eles disseram que só a mãe teria autorização para chegar perto. Quando chegamos aqui no IML soubemos que ele deu entrada como indigente”.
Para ela, o que mais indigna foi a truculência que levou o sobrinho à morte. “Dá uma grande dor no coração e a gente sabe que isso acontece todos os dias com outras pessoas. Mesmo se ele estivesse fazendo coisa errada, ele não poderia ter morrido assim. Podiam ter prendido ele, levado vivo e chamado a família. Ele tinha amigos lá, não estava fazendo nada demais. O mínimo que esperamos agora é justiça. Ninguém merece morrer desse jeito”.
Investigação dividida
O delegado titular do 96º DP, Marco Antônio Bernardo, explicou que a morte de Gabriel ficará por conta do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), enquanto a sua delegacia irá apurar a apreensão de drogas que houve no local. Segundo o delegado, Gabriel tinha passagem por tráfico.
Questionada sobre a operação que vitimou Gabriel, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo não deu retorno até a publicação da reportagem