Diogo Paz afirmou antes de morrer que havia sido agredido, mas laudo aponta que a causa de sua morte foi doença cardíaca; mesmo identificado, seu corpo ficou 4 dias no IML sem que família soubesse
O IML (Instituto Médico Legal) concluiu que Diogo da Silva Paz, um homem negro e gay de 30 anos, agredido na região central da cidade de São Paulo, em 13 de dezembro, morreu em decorrência de uma doença cardíaca, agravada pelo consumo de álcool e drogas, e não por causa do espancamento que ele próprio relatou ser sofrido ao ser socorrido no Hospital do Servidor Público Municipal.
A afirmação foi feita pelo delegado-geral da Polícia Civil, Ruy Ferraz Fontes, em e-mail enviado ao advogado Musslim Ronaldo Vaz, que representa os interesses da família de Diogo. Finalizado no último dia 11, o laudo do IML apontou, segundo o delegado, que a morte de Diogo se deu por “edema pulmonar bilateral, cuja causa foi uma cardiopatia já existente, que leva a crer que foi precipitada e agravada pelo abuso de álcool e substâncias entorpecentes ilícitas”.
Ainda de acordo com o relato de Fontes, o laudo elaborado por peritos do IML “não identificou qualquer lesão advinda de um ‘espancamento’, apenas escoriações leves, que não deram causa ao óbito da vítima”. A reportagem solicitou à Secretaria da Segurança Pública do governo João Doria (PSDB) acesso ao laudo, mas até a publicação da reportagem não havia recebido resposta.
Diogo, que trabalhava como visual merchandising (vitrinista), mas que à época estava desempregado, foi socorrido na rua Pirapitingui, no bairro da Liberdade, por uma unidade do Corpo de Bombeiros na manhã do dia 13 de dezembro do ano passado. Era um domingo, por volta das 10 horas, quando o Resgate chegou e o levou, consciente, até o pronto-socorro.
Enquanto era socorrido, ele contou que havia sido agredido e também que havia feito uso de álcool e drogas, além de fornecer seus dados pessoais, como nome completo, endereço e nome dos pais, que moram em Rio Claro, no interior do estado. Médicos do Hospital do Servidor Público Municipal indicaram no atestado de óbito que a morte havia sido causada por um edema pulmonar bilateral.
Mesmo identificado, seu corpo permaneceu por quatro dias no IML Central, sem que sua família soubesse o paradeiro do homem que acreditava estar desaparecido. Após reportagens da Ponte sobre o caso, o Ministério Público Estadual abriu um inquérito civil para averiguar o hospital, o IML e a investigação realizada pelos policiais civis do 5° DP (Aclimação).
Em conversa com a reportagem, o advogado Vaz demonstrou aceitar com ressalvas o laudo elaborado pelo IML, já que não descarta a possibilidade de a morte estar associada aos traumas sofridos durante a agressão.
“O laudo diz que a causa mortis foi edema pulmonar bilateral. Essa pode ser a principal, juntamente com a cardiopatia dita como preexistente, em que pese essa conclusão é prematuro dizer que os edemas não poderiam ter sido incentivados por uma agressão”, disse o criminalista. “O que há de certo é que existem indícios de que Diogo foi agredido horas antes de adentrar ao Hospital do Servidor Público Municipal, e horas depois veio a óbito”.
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Para o advogado, como o laudo de emergência do hospital indicou que Diogo denunciou que foi espancado, as investigações devem continuar para chegar à identidade dos agressores. “As imagens das câmeras, se alcançadas dentro de um prazo razoável de conservação, poderiam já ter solucionado esta questão. Só saberemos a verdade se as imagens ainda existirem. Não existindo esta possibilidade, nos restará aceitar o laudo presente ou questioná-lo na forma devida ou, ainda, submeter o cadáver a uma nova análise necroscópica, hipótese esta que de minha parte não considero razoável, mas não excluível”, completou.
A reportagem da Ponte esteve na Rua Pirapitingui, onde Diogo foi socorrido, na semana passada. No local, moradores comentaram que tiveram conhecimento do ocorrido. Segundo um deles, que preferiu não se identificar, na manhã daquele domingo, por volta das 8h30, Diogo foi agredido por duas pessoas, sendo um homem e uma mulher. O espancamento teria iniciado em frente a unidade do Hospital AC Camargo.
No ponto indicado como início das agressões, existem câmeras de segurança, mas todas as pessoas ouvidas pela reportagem informaram que elas apenas filmam sem gravar.