Artistas da Casa Selvática descobriram que espaço cultural, existente há quase 5 anos no endereço, havia sido arrombado e os objetos de cena revirados com base em decisão judicial

Quando encontrou a sede da Casa Selvática arrombada, na tarde do dia 27 de dezembro, a atriz e dramaturga do coletivo Leonarda Glück não imaginou que a casa localizada na região central de Curitiba (PR) havia sido alvo de uma operação policial de busca e apreensão com autorização judicial. Ela tinha ido ao local buscar exemplares do livro A Perfodrama, de Leonarda Glück – literaturas dramáticas de uma mulher (trans) de teatro – obra que reúne alguns de seus textos e foi lançada em julho de 2016 para entregar a amigos que haviam encomendado. Desde o dia 14 de dezembro, o teatro estava fechado por conta do fim de suas temporadas.
Junto com o produtor e coreógrafo Gabriel Machado e a iluminadora e performer Semy Monastier, cuja família é proprietária da casa usada pelo grupo, ela chamou a Polícia Militar para entrar no imóvel, que estava trancado por um cadeado. Apesar de encontrarem os objetos de cena revirados, os artistas estranharam que objetos de valor, como equipamentos de cena e instrumentos musicais, não houvessem sido levados. Por isso, concluíram que não haviam sido vítimas de roubo.

Eles só entenderam o que havia acontecido quando encontraram uma cópia de um mandado de busca e apreensão, com o endereço da companhia, localizada na rua Nunes Machado, 950. O texto, assinado pela juíza Carmen Lucia de Azevedo e Mello, na 2ª Vara Criminal da capital paranaense, autorizava a busca e apreensão porque o local, segundo as investigações policiais, seria usado por Paulo Adriano Reis, acusado de tráfico de drogas. Os artistas garantem que aquela havia sido a primeira vez que tinham contato com o nome do acusado. Como nenhum objeto relacionado a atividades criminosas foi encontrado dentro do teatro, a Polícia Civil informa que as investigações a respeito do local foram encerradas.
Reis foi alvo de uma operação do Denarc (Divisão Estadual de Narcóticos) paranaense em que ele e mais 15 acusados foram presos no dia 22 de dezembro, entre eles a suplente de vereadora de Almirante Tamandaré, na região metropolitana de Curitiba, Ana Carolina de Souza (PPS), que é acusada pelos policiais de usar o carro cedido pelo partido para sua campanha para fazer entregas de drogas.

As investigações, que, segundo a polícia, duraram cinco meses, tinham como alvo um delivery de drogas. Foram apreendidos na casa dos investigados cerca de 85 quilos de maconha, 200 gramas de cocaína, 350 comprimidos de ecstasy, dois revólveres calibre 38 e dois coletes balísticos, além de pouco mais de R$ 3 mil, US$ 95.
A delegada Camila Cecconello, responsável pela investigação, diz que alguns locais onde foram feitas as entregas passaram a ser investigados para apurar se eram pontos de tráfico ou apenas algum cliente havia pedido para lhe entregarem a substância naquele local. Assim, dos 24 mandados de busca e apreensão obtidos pela polícia junto à Justiça, apenas “uns seis” apontaram para locais em que havia drogas, entre eles as casas dos principais acusados, admite a delegada.
Ela garante que existem interceptações telefônicas e vídeos que mostram pessoas pedindo drogas para a quadrilha e recebendo as substâncias na porta do teatro. Segundo a delegada, no entanto, as quantidades não eram suficientes para afirmar, com certeza, se as substâncias eram para consumo ou venda. Entre os clientes da quadrilha, segundo as investigações, estavam funcionários públicos, assessores parlamentares e uma médica que trabalha na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de três hospitais.
Os locais de trabalho dessas pessoas, entretanto, não tiveram o mesmo tratamento dispensado à Casa Selvática. A delegada afirma que não sabia que no local funcionava um teatro, mas o investigador responsável pelas filmagens “possivelmente tinha conhecimento”. Em uma pesquisa pelo endereço no Google, as duas primeiras menções são ao coletivo teatral e ao endereço no guia de artes e espetáculos na Gazeta do Povo, um dos principais jornais do estado.
Os artistas lembram que, como teatro, o espaço é aberto ao público para espetáculos, shows e festas com performances, que atraem dezenas de pessoas, e não descartam que, apesar das restrições do coletivo, alguém do público possa ter recebido uma entrega na porta do teatro.
Com quase cinco anos de história como coletivo, os integrantes da Selvática já levaram seus espetáculos para cidades brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Porto Alegre e países como Uruguai, Portugal e Espanha. No ano passado, apresentaram no Festival de Teatro de Curitiba, um dos mais tradicionais do país, o espetáculo Pinheiros e Precipícios, baseado na obra do escritor Wilson Bueno.