Familiares e amigos do entregador de pizza Ruzivel Alencar de Oliveira, 19 anos, faziam oração em praça quando PMs interromperam ato. Vídeo flagrou repressão dos policiais
A Polícia Militar de São Paulo reprimiu com tiros de bala de borracha e gás uma passeata pacífica realizada neste domingo (4), em Diadema (ABC paulista), por parentes e amigos do entregador de pizza Ruzivel Alencar de Oliveira, 19 anos.
Por sonhar se tornar policial, Oliveira era conhecido como “Policinha” no bairro onde vivia, mas seu projeto de vida acabou na noite de 26 de dezembro, quando foi morto com dois tiros (boca e peito) disparados pelo soldado da Polícia Militar de SP Getulio Alves da Silva, 25.
Quando foi morto pelo soldado da PM, Oliveira havia acabado de sair do trabalho e ia para a casa de sua namorada, na periferia de Diadema.
À Polícia Civil, o soldado Getulio tentou justificar a morte de Oliveira ao dizer que disparou sua pistola .40 duas vezes “porque pensou que a vítima [Oliveira] sacaria uma arma”.
Cerca de 150 amigos e parentes de Oliveira, divididos em dezenas de carros e motocicletas, percorreram várias ruas da periferia de Diadema na tarde deste domingo. Quando pararam em uma praça para fazer orações, eles foram reprimidos por policiais militares do 24º Batalhão, o mesmo do soldado Getulio.
A investida dos PMs contra os parentes e amigos de Oliveira começou quando a diarista Francisca Aurélia Alencar, 43 anos, mãe do jovem morto pelo soldado, chorava fortemente e era amparada por uma outra manifestante. Era o momento em que um dos carros da passeata tocava alto “Eu Gostava Tanto de Você”, de Tim Maia.
Outra ação dos PMs contra os parentes e amigos de Oliveira durante a manifestação foi multar os veículos que participaram da carreata pela memória do rapaz. Um amigo de Oliveira teve o carro apreendido e foi detido pelos PMs. O rapaz foi um dos que não conseguiram escapar da praça onde estavam rezando quando os policiais começaram a disparar balas de borracha e a usar spray com gás pimenta.
Jovem que sonhava ser policial é morto por PM
Ao longo da semana passada, quando souberam que a manifestação por Oliveira era organizada, alguns PMs do 24º Batalhão passaram a pressionar os moradores da região onde ele vivia com família. Os PMs, segundo moradores ouvidos pela reportagem, diziam que, caso eles fossem às ruas, seriam reprimidos com violência.
Veja vídeo da manifestação dos amigos e familiares de Oliveira:
Segurança Pública e Comando da PM calados
No sábado (3), um dia antes da manifestação, a reportagem enviou ao novo secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, dez perguntas sobre a morte de Oliveira e sobre as possíveis ameaças contra seus amigos e parentes para a não realização da manifestação, mas a assessoria de imprensa da pasta não retornou. O mesmo aconteceu com as questões feitas ao Comando Geral da Polícia Militar de SP.
O primeiro pedido de esclarecimentos da reportagem sobre a morte de Oliveira foi feito à Segurança Pública e ao Comando Geral da PM em 28 de dezembro, mas também não foram respondidos pelas duas instituições.
Onze dias após a morte de Oliveira, nenhuma testemunha do homicídio, a não ser os PMs envolvidos diretamente no caso, foi interrogada pela Polícia Civil ou pela Corregedoria da Polícia Militar.
Duas cápsulas de pistola .40 e um projétil que, segundo moradores do local onde Oliveira foi morto, partiram da arma do soldado Getulio estão até agora com os familiares do rapaz, já que a Polícia Civil não determinou que a perícia fosse realizada.
Parecia ser
Na versão do soldado Getúlio à Polícia Civil, bastante contestada pelos moradores da área onde Oliveira foi morto, o entregador de pizza, mesmo pilotando sua motocicleta, “levou a mão à cintura fazendo aparecer o que seria uma arma de fogo”.
“Ademais, notou o miliciano estadual [soldado Getulio Silva] que o piloto [Oliveira] fez menção de munir-se com tal objeto [a suposta arma], tendo o policial militar a natural reação de sacar sua pistola e efetuar dois disparos contra o motociclista”, escreveu no registro do caso a delegada Valéria Andreza do Nascimento, do 1º Distrito Policial de Diadema.
Ainda segundo o soldado Getúlio Silva, mesmo baleado no peito e na boca, Oliveira conseguiu pilotar sua motocicleta para tentar escapar. Depois de atirar no jovem, o PM entrou no carro da PM onde seu companheiro o esperava e ambos localizaram o entregador de pizza caído na rua Camarupim.
Os dois PMs disseram que, até aquele momento, não tinham certeza se os tiros dados pelo soldado haviam ou não acertado Oliveira, confirmação que só tiveram depois dos socorristas do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) levarem o entregador de pizza para o Hospital Municipal de Diadema, onde ele chegou morto.
Apesar de afirmarem não terem conseguido ver se Oliveira estava ou não baleado, já que disseram não ter visto sangue no corpo do jovem, também porque ele estava caído de bruços, os dois PMs disseram à Polícia Civil que o revistaram no chão e encontraram com ele um revólver calibre 38 – a arma consta como roubada de uma empresa de segurança, em 2010, na Cidade Ademar, bairro da zona sul de São Paulo.
A família de Oliveira acredita que os PMs plantaram a arma perto do corpo do jovem para tentar imputar a ele um possível ataque que viesse a justificar o revide do soldado Getulio.