Com show de Ney Matogrosso marcado para a noite desta quarta-feira (6/05), Teatro Porto Seguro está localizado na região conhecida como “cracolândia”. Movimento social protestou contra “higienização” das ruas próximas
A alameda Barão de Piracicaba, número 740, em Campos Elíseos, região central de São Paulo, local habitado por moradores de rua e usuários de crack até a semana passada, agora recebe carros importados e pessoas com poder aquisitivo elevado. No local foi inaugurado o Teatro Porto Seguro e os novos frequentadores da região contam com a presença de policiais militares, além de seguranças de empresas privadas que atuam dentro e fora do centro cultural.
Na noite desta terça-feira (5/05), quando houve um protesto intitulado “O Drama Está Fora do Teatro”, a reportagem da Ponte Jornalismo presenciou mais de 50 seguranças privados no local, seis viaturas da PM (Polícia Militar), sendo três da Força Tática, todas do 13o BPM (Batalhão de Polícia Militar). Nesta quarta-feira (6/05), o show que marca a inauguração do teatro será de Ney Matogrosso, cujo ingresso custou R$ 180 e já está com todos os assentos esgotados.
O movimento social Catso (Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais), que organizou o protesto afirma que a desastrosa operação do dia 29 de abril, que desmontou barracas da região da cracolândia e terminou com três pessoas feridas, apelidada de “Baltimore é aqui!”, tem ligação direta com a inauguração do novo teatro. O argumento é de que há um processo de “higienização” do local para não atrapalhar o novo negócio. Entre os manifestantes, estava o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua, que em entrevista à Ponte horas antes do ato, também disse que a ação teve como objetivo “limpar a área” para a inauguração do teatro.
Na noite do protesto, entre a estação Júlio Prestes da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e o novo teatro, diferente de uma semana atrás, não havia sequer um morador de rua na praça em frente à estação. Ao contrário, havia forte contingente de viaturas da GCM (Guarda Civil Metropolitana). Havia um grupo apenas na rua Helvétia com a alameda Cleveland. Em uma das ruas, um caminhão pipa fazia a limpeza com jatos d’água.
Para a prefeitura relacionar a ação cotidiana de limpeza à acusação de “higienismo” social é uma “distorção de má-fé que só pode ser feita por pessoas desavisadas, desinformadas ou interessadas na manutenção de um status quo de extrema vulnerabilidade, insalubridade e degradação social e humana.” A limpeza na região é feita diariamente ou duas vezes por dia desde o início do programa De Braços Abertos.
Com o argumento de revitalizar o centro da cidade, pertences de moradores de rua e dependentes químicos, como carroças, colchões e roupas, são recolhidos por equipes de limpeza. Em alguns casos, até documentos são perdidos. Essa estratégia da Prefeitura de São Paulo, de Fernando Haddad (PT), é a mesma de gestões anteriores, como de Gilberto Kassab e José Serra.
Outro lado
Em nota oficial, a Prefeitura de São Paulo afirma que “nenhuma atividade da na região da Luz serve o propósito de beneficiar interesses comerciais ou privados no bairro. A Prefeitura rejeita veementemente a acusação de “higienização” feita por movimentos sociais não identificados.” À reportagem da Ponte, o secretário de comunicação, Nunzio Briguglio, disse, com veemência, que a prefeitura “não está fazendo higienização de maneira alguma”. Ele afirmou que a gestão está enfrentando diversos problemas como tráfico de drogas na região e pressão por internar os dependentes químicos. Briguglio negou, ainda, que esteja mantendo a mesma maneira de governar de gestões anteriores. “Queremos dar dignidade às pessoas que chegam àquela região. Estamos fazendo diversos programas e trabalhos para isso. Quem fala em higienização quer tumultuar. Às vezes dá até vontade de desistir”.
Confira a nota da prefeitura na íntegra:
“Nenhuma atividade da Prefeitura na região da Luz serve o propósito de beneficiar interesses comerciais ou privados no bairro. A Prefeitura rejeita veementemente a acusação de “higienização” feita por movimentos sociais não identificados. O acompanhamento e leitura dos materiais disponíveis desde o início do trabalho transversal de redução de danos na Luz (http://www.capital.sp.gov.br/portal/noticia/5599) permitirá à Ponte e a seus leitores conhecer as ações e intenções da administração municipal (não se trata de “versão”).
Com relação aos dois pontos específicos questionados pelo repórter, informamos que:
- O efetivo reforçado da GCM depois da ação pactuada de desmontagem de barracos serviu justamente para evitar que fossem remontados, evitando assim o ressurgimento da ocupação do espaço público e da configuração específica que acarretava em “cobertura” para traficantes; e
- A limpeza na região é feita diariamente ou duas vezes por dia desde o início do programa De Braços Abertos. Essa ação é necessária devido ao acumulo de resíduos sólidos, relacionado à atividade de reciclagem realizada por algumas das pessoas que frequentam a região. Relacionar a ação cotidiana de limpeza à acusação de “higienismo” social é uma distorção de má-fé que só pode ser feita por pessoas desavisadas, desinformadas ou interessadas na manutenção de um status quo de extrema vulnerabilidade, insalubridade e degradação social e humana.”
Procurada, a Porto Seguro se manifestou através de sua assessoria de imprensa, que informou “não possuir nenhuma relação com as ações realizadas na Cracolândia”.
Confira o posicionamento da Porto Seguro na íntegra:
“A matriz da Porto Seguro está em Campos Elíseos há cerca de 40 anos, por isso o compromisso em apoiar o desenvolvimento do bairro. Em relação ao Teatro Porto Seguro, o projeto inicial era a construção de um anfiteatro para eventos internos. No início das obras, realizadas para acompanhar o crescimento da empresa, decidiu-se investir e compartilhar esse equipamento cultural com a cidade.
A construção do Teatro Porto Seguro tem como objetivo incentivar a cultura brasileira. A proposta é oferecer uma programação de qualidade que ao mesmo tempo estimule a diversidade do público. A companhia esclarece que não possui nenhuma relação com as ações realizadas na Cracolândia”.
[…] Por Luís Adorno e Paulo Eduardo Dias no Ponte Jornalismo […]