Polícia usa munição letal contra manifestantes em Brasília

    Além de bombas de gás, spray de pimenta e cassetetes, PM efetuou disparos com armas de fogo contra manifestantes que pediam “Fora Temer” e “Diretas Já” no Distrito Federal ontem (24/5)

     

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    “Uma guerra, uma guerra”, gritava Antônia Maria Lopes, 65 anos, arrastada pelo irmão, Juvênio Lopes, 39, se desviando de manifestantes deitados no chão, com rostos na grama. A poucos metros, Ana Júlia Matos, 10, chorava, esfregando o rosto enquanto a mãe, Vanessa Matos, 35, vomitava.

    Kennia Gurgel, 26, e os amigos, iam contrários à correria. Ao chegarem ao cordão de isolamento, encontraram policiais alterados. Sem se convencer de que o movimento havia sido dispersado — os carros de som decidiram encerrar o ato na Esplanada e sair do local —, o grupo começou a gritar “Fora, Temer”, o que foi suficiente para mais bombas de gás e spray de pimenta serem lançados pelos policiais. “Ninguém ali usava máscaras e saímos correndo. Alguns não aguentavam e caiam, esfregando o rosto na grama. Vi gente gritando, sangrando”, relatou a relações-públicas.

    O cenário de guerra visto ontem (24/05), na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), apresentava uma contradição: enquanto os manifestantes levavam consigo a voz e os cartazes que usavam para pedir a saída de Michel Temer (PMDB) da Presidência da República, eleições diretas para o cargo e para dizer não às reformas trabalhistas e previdenciárias propostas pelo governo Temer, e no máximo pedras como arma, a PMDF (Polícia Militar do Distrito Federal) reprimia-os com bombas de gás, spray de pimenta, cassetetes e até com armas de fogo. Além das tropas terrestres, inclusive Cavalaria, havia dois helicópteros voando baixo sobre os manifestantes.

     

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

     

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Alexandre Dimas Machado, 70, assistia de longe à multidão fugindo de pelo menos seis bombas de efeito moral lançadas a esmo no meio dos manifestantes pela PM. Dentista aposentado, Machado foi torturado nos porões da Ditadura Militar (1964-1985) que perseguiu, sequestrou, torturou e matou centenas de brasileiros. A cena que presenciava ontem remeteu-o aos anos de chumbo que o levaram ao exílio, quando também saiu às ruas pedindo a redemocratização e “Diretas Já”. “Estamos vivendo uma ditadura civil, um governo de exceção, com um Legislativo e Judiciário tutelados”, conseguiu dizer, com expressão de tristeza.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

     

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    As explosões pegaram de surpresa a jornalista goiana Daniela Martins Brito, 36, enquanto fotografava. Para tentar se proteger dos efeitos do tóxico, ela se agachou, abriu a mochila, pegou um pano e envolveu no rosto. “Vi gente correndo e me afastei também. O gás é muito forte, e o povo começou a correr, um susto. Nunca tinha vivido isto antes”, contou à Ponte.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A dispersão se deu minutos depois de lideranças, nos carros de som, denunciarem o uso de armas letais pela PMDF (Polícia Militar do Distrito Federal), quando grupos tentavam ultrapassar a barreira. Um homem foi alvejado e levado ao HBB (Hospital de Base de Brasília). Segundo o hospital, ele não corre risco de vida. Não foi um tiro isolado, a reportagem flagrou diversos disparos.

    Em um determinado momento, quando Black Blocs avançaram em direção a um dos prédios, policiais que tinham apenas cassetetes demonstraram estar acuados e, em vez de recuar, sacaram pistolas e efetuaram cerca de dez disparos. Um dos policiais caiu ao chão com a arma em punho e, vendo pessoas vibrando ao entorno, realizou disparos, mesmo deitado no chão.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    “É a casa do povo, eu quero participar das decisões, eu tenho este direito”, esbravejava uma mulher com um colete da CUT (Central Única dos Trabalhadores), sendo interpelada pelo cordão de policiais.

    O fotógrafo Daniel Arroyo, da Ponte Jornalismo, não entrou no saldo de 49 feridos divulgado ainda ontem. Ele estava no meio da multidão, junto de outros quatro fotógrafos, registrando o confronto entre PMs e Black Blocs, que se protegiam com escudos feitos com tapume, e não percebeu quando um artefato perpassou a barreira e o atingiria nas costas. Era uma das bombas que policiais lançaram contra a multidão.

    Menos de uma hora depois, ele foi atingido por uma bala de borracha no peito. “Achei que fosse uma pedrada. Um cara apontou pro chão e vi que era uma bala de borracha. Peguei do chão e fotografei. Não sei de onde veio”, lembra.

    Foto Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Em locais mais afastados, nas ruas que levam aos Ministérios, a Ponte registrou policiais militares utilizando arma de fogo, mirando e atirando na direção de grupos encapuzados e armados de paus, pedras, cones e o que sobrou de lixeiras, pontos de ônibus e objetos retirados de alguns dos seis ministérios invadidos, depredados e incendiados.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Um dos disparos atingiu um homem, vestido com camiseta branca, que nem de longe poderia ser confundido com um Black Bloc. Anderson, 29 anos, que pediu para não ter o nome completo divulgado, viu o momento em que o manifestante foi atingido. À reportagem, ele contou o que viu quando escutou os primeiros disparos.

    “A gente estava perto dos ministérios quando de repente os policiais militares, que estavam de colete, começaram a atirar. Eu ouvi os tiros e na hora pensei: ‘isso daí é arma letal’. Fui para a direção da galera que fugia e vi um senhor caído no chão, sangrando muito na região da cabeça. Ele demorou para ser atendido e isso irritava os manifestantes”, disse ele, que estima que a vítima tenha cerca de 50 anos. A Secretaria de Segurança Pública informou que vai investigar o caso.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A alguns metros do homem baleado, no cenário de guerra, outros manifestantes eram atingidos, mas por bala de borracha. “Meu olho, meu olho”, gritava Clementino Nascimento Neto, de 35 anos. Ele saiu de Goianésia (GO), para protestar contra Temer. Tentou fugir do tumulto, mas não conseguiu se desvencilhar da bala de borracha que o atingiu. Levado ao Hran (Hospital Regional da Asa Norte), foi transferido para o HBB (Hospital de Base de Brasília) em função da gravidade de seu ferimento. Segundo o cirurgião geral Daniel Sabino, o disparo atingiu o globo ocular do manifestante. “Esse senhor provavelmente perderá a visão de um olho”, disse o médico ao Correio Braziliense.

    Depois de tantas bombas serem lançadas sobre os manifestantes, um episódio ganhou as redes sociais quando pouca gente havia ficado para trás para trás. O estudante de Física de Santa Catarina, Vitor Rodrigues Fregulia, 22 anos, teria pego um artefato para devolver aos policiais, quando a bomba explodiu em sua mão e ele perdeu três dedos.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A reportagem acompanhou a depredação dos prédios dos ministérios por Black Blocs, que atacavam os edifícios públicos com paus e pedras, enquanto a PM respondia, sistematicamente, com bombas de gás e balas de borracha. No Ministério da Cultura, um grupo retirou uma geladeira. Enquanto a polícia — que acudia outros prédios — não chegava, um sofá foi usado, no meio de explosão dentro do Ministério da Agricultura, para o grupo comer saladas de fruta, pêssegos, maçãs e até sorvete.

     

    Veja mais fotos da manifestação:

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

     

     

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
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    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
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