Policiais acham que Judiciário atrapalha o trabalho das forças de segurança, aponta pesquisa

Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pùblica mostra que 57,5% dos policiais entrevistados acreditam que o sistema de justiça do Brasil interfere negativamente na atividade policial

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal | Foto: Reprodução

Um levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que a maioria dos policiais militares, civis, federais, rodoviários federais, penais e guardas municipais acreditam que o sistema judiciário brasileiro mais atrapalha do que ajuda as forças de segurança dos país. Segundo o estudo, 57,5% dos entrevistados concordam, totalmente ou parcialmente, com a afirmação.

O levantamento do FBSP foi feito online a partir de uma base cadastral de cerca de endereços eletrônicos exclusivos de profissionais da segurança pública. O questionário foi respondido por 636 pessoas entre os dias 24 e 27 de janeiro e teve como objetivo saber a opinião dos servidores públicos sobre a ação da Polícia Militar do Distrito Federal no dia 8 de janeiro, quando seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal“

Após quatro anos de governo Bolsonaro, com forte influência dentro dos quartéis do país, 62,9% dos agentes que responderam às perguntas da pesquisa entendem que as forças de segurança pública estão contaminadas pelo discurso político partidário e que isso atrapalha suas atividades-fim.

A burocracia e a demora para a conclusão de processos são algumas das possibilidades para que os policiais entendam que a justiça é um obstáculo para o seu trabalho, segundo análise de Adilson Paes de Souza, tenente-coronel da reserva da Polícia MIlitar de São Paulo, doutor em Psicologia e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo (USP).

“Processos se arrastam por muito tempo até chegar a uma decisão final e isso passa uma sensação de impunidade e que as coisas não funcionam. Há também o fato que muitos deles não entendem a questão da progressão de regime ou que determinados delitos não há necessidade de prisão “. 

Para Paes de Souza, o fato de o sistema judiciário, em determinadas ocasiões, ir contra a vontade das forças de segurança e, em alguns casos, punir policiais que cometem delitos também pode explicar a insatisfação dos agentes de segurança com a Justiça. 

“Eles podem entender que o Judiciário atrapalhe o seu trabalho de combater a criminalidade. O fato é que muito policiais não têm noção do que vem a ser o sistema de justiça criminal. Eles acabam entendendo que eles é que são o sistema”, pontua Adílson.

Outra situação que também é condenada pelos policiais e que eles julgam atrapalhar o seu serviços é o discurso político-partidário dentro das corporações. A mesma pesquisa mostra que, para 62,9% dos entrevistados, as forças policiais estão contaminadas pela politização ocorrida nos últimos anos. Os atos golpistas de 8 de janeiro demonstram como a política está entranhada nas tropas, segundo a pesquisadora do FBSP Isabela Sobral.

Falhas e democracia

Ao avaliarem a atuação dos policiais militares do Distrito Federal no dia 8 de janeiro, os entrevistados acreditam que houve erro de planejamento do comando e omissão por parte daqueles que tinham a incumbência de deter os golpistas naquele dia. 58,9% concordam que a conduta dos policiais designados para as linhas de proteção inicial dos prédios foi inadequada e sem o devido rigor para controle de distúrbios civis.

Houve baixa tolerância à conduta dos policiais que foram flagrados confraternizando com os invasores: 45,6% concordam totalmente que eles devem ser punidos após disporem de amplo direito de defesa; 16,5% concordam parcialmente.

“A gente observou que cerca de 40% dos policiais consideram que as invasões são condenáveis, mas que a pauta levantada pelos manifestantes eram legítimas. Isso mostra que não há uma rejeição total. Para eles, a atitude dos policiais durante as invasões estavam mais relacionadas a condutas individuais, e a essa contaminação política, do que a algum problema institucional”, explica a pesquisadora.

Para Adilson Paes, policiais de todo país considerarem legítimas pautas antidemocráticas é mais um resultado de quatro anos de governo Bolsonaro. “Esse fenômeno da bolsonarização das polícias está cada vez mais evidente. Sempre deixei claro que um risco de golpe democrático viria das polícias, deixando de fazer algo que elas deveriam fazer”. Essa radicalização entre as forças de segurança já vinha sendo apontada em outras pesquisas do FBSP, como um estudo de 2020 em redes sociais que mostrava um perfil bolsonarista e LGBTfóbico.

Porém, nas respostas aos questionamentos do estudo, os agentes de segurança se dizem favoráveis à democracia e aos direitos humanos. Para 56,6% não seria justificável que os militares apoiassem ou tomassem o poder através de um golpe de Estado. 

94,3% concordam que apesar de ter alguns problemas, a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo e 94,1% afirmaram que respeitar os direitos humanos é fundamental para a democracia.

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O tenente-coronel da reserva ressalta que a percepção de democracias dos agentes de segurança tende a ser diferente do restante da população e usa os eventos de 8 de janeiro para exemplificar. “É típico da doutrina de segurança pública que não se questione os meios para conseguir os fins. No caso das invasões de Brasília, o fim era reestabelecer a ‘normalidade democrática’, impedindo Lula de tomar posse e e refundar a República democrática de acordo com os valores que eles professam”, explica Adilson.

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