Policiais civis humilham grávida em vídeo divulgado no Facebook

    Caso aconteceu no início de setembro em São José dos Campos (SP); SSP diz que o vídeo foi enviado à Corregedoria, que afirma desconhecer a situação; Ouvidoria diz que vai enviar, de fato, a situação à Corregedoria
    Vídeo foi divulgado no início de setembro | Foto: Reprodução/Facebook
    Vídeo foi divulgado no início de setembro | Foto: Reprodução/Facebook

    Um vídeo divulgado no YouTube e Facebook no início de setembro mostra dois policiais civis humilhando uma pessoa suspeita. Na gravação, feita por um dos próprios policiais, J.M., de 19 anos, grávida de dois meses, foi chamada por diversas vezes de “lixo“, “sem vergonha“, “bandidona“ e “filha da p…“. Procurada, a jovem pediu para não ser identificada.

    O caso aconteceu em São José dos Campos, a 94 km da capital paulista. Assim que abriram o porta-malas da Blazer preta identificada como P-23338, placa DJL-4211, onde a jovem estava, os policiais a obrigam a dizer seu primeiro nome. Depois, começam a perguntar sobre suas postagens no Facebook, que seriam contra a atuação da polícia e a favor da maconha. Na sequência, foram feitas perguntas sobre posts específicos da jovem:

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    No Facebook, quase todos os comentários foram de elogio aos policiais | Foto: Reprodução/Facebook
    No Facebook, quase todos os comentários foram de elogio aos policiais | Foto: Reprodução/Facebook

    Primeiro policial: Todo polícia é corrupto, então?

    J.M.: Não é não, senhor.

    Primeiro policial: Não? Fala alto.

    J.M.: Não é, não.

    Primeiro policial: Não é, não? E por que você falou na rede social que todos os policiais são filhos da p… e corruptos?

    Segundo policial: Que a hora deles vão chegar?! (sic)

    J.M.: Ué, todo mundo fica revoltado. Os dois meninos da vila morreu. Quem não vai ficar revoltado?! (sic)

    Segundo policial: Morreu por quê? Eles estavam na igreja?

    Primeiro policial: Eles tavam fazendo a coisa certa?

    J.M.: Eles estavam fazendo a coisa certa, mas todo mundo ficou revoltado.

    Primeiro policial: Revoltado com o quê? Revoltado com ladrão?

    Segundo policial: Troca tiro com a polícia e você quer o quê? Que dê medalha pra eles? Quem ficou revoltado é vocês, que compactuam com o crime, que são criminosos. Vocês ficaram revoltados, mas o cidadão de bem tá dando graças a Deus, viu? A população de bem está batendo palmas, pedindo pra morrer mais. (sic)

    Primeiro policial: É.

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    Lamentável

    A SSP (Secretaria da Segurança Pública) não soube informar o motivo da detenção, quem são os dois garotos mortos em São José dos Campos e como os policiais sabiam o que a suspeita postava em sua rede social. Questionada sobre a indicação que o policial fez sobre pedidos da população para “morrer mais“ suspeitos, a pasta também não se pronunciou.

    Em nota oficial, a SSP afirmou que “a Polícia Civil, ao tomar conhecimento do vídeo, enviou o conteúdo para a Corregedoria, que adotará as providências disciplinares cabíveis“. Por telefone, ninguém da Corregedoria da Polícia Civil soube informar nada sobre o caso. Um dos corregedores atendidos pela reportagem chegou a afirmar que o órgão sequer tinha ciência sobre o assunto.

    Para o ouvidor das polícias de São Paulo, Julio Neves, o caso pode não ter sido enviado à Corregedoria de fato. “Quando a gente se pauta por uma polícia digna, obviamente a gente pensa que o caso foi enviado ao corregedor, mas nem sempre isso acontece“, disse. O órgão que fiscaliza as polícias do Estado só ficou sabendo do caso na manhã desta sexta-feira (21). Com as provas em mãos, a Ouvidoria disse que levará o caso até a Corregedoria.

    Neves lamentou a atitude dos policiais gravada no vídeo. “É uma situação que mostra a realidade da polícia do Estado de São Paulo. É lamentável que os agentes policiais se manifestem desta maneira“, afirmou.

    José Vicente, coronel da reserva da PM (Polícia Militar) e ex-secretário Nacional de Segurança Pública na segunda gestão Fernando Henrique Cardoso, classificou o ato dos policiais como “um absurdo antiético e amador“. “O que se vê é um conjunto de absurdos inaceitáveis de um profissional“, disse.

    “Todo contato com o detido, no momento da apreensão, deve ser simplesmente para verificar o crime que a pessoa pode estar envolvida. Ficar fazendo gozação, destratando, humilhando, a respeito de qualquer coisa, é errado. É um problema de ética profissional. Amadorismo“, complementa o ex-secretário.

    Para José Vicente, os policiais devem ser identificados o mais rápido possível. “Eles precisam ser severamente punidos. Além de fazerem tudo errado, gravaram e depois divulgaram na internet. E ainda utilizando a farda da corporação. Nada certo“, afirmou.

    Desde a publicação do vídeo no YouTube e em páginas e perfis do Facebook, o conteúdo teve poucas críticas dos internautas e muitos elogios à atitude dos policiais. Os comentários foram desde “Não gosta da polícia, chama o Batman e fica suave“ até pedidos de morte a quem infringe a lei: “bandido bom é bandido morto“. O vídeo teve mais de 124 mil compartilhamentos.

    Segundo Caroline Teófilo, advogada especialista em direito digital, o que os policiais civis fizeram é ilícito e pode gerar indenização à J.M. “De acordo com a nossa Constituição Federal, Artigo 5°, V e X, a imagem é um direito protegido e sua violação pode ser, por exemplo, com a publicação de uma foto ou de um vídeo sem autorização. Assim, a violação dá àquele que teve sua imagem violada direito a indenização pelo danos sofridos, no âmbito civil“, disse.

    “Também, atribuir a alguém um fato que afete sua honra, no entanto não especificamente descrito como crime na lei, caracteriza difamação. Levar ao conhecimento de outros fatos que afetem a reputação de um indivíduo, como a publicação de um vídeo na internet com argumentos que afetam a honra daquela pessoa, caracteriza o crime de difamação, previsto no Artigo 139 do Código Penal: pena de detenção de três meses a um ano, e multa“, afirmou Caroline.

    No âmbito penal, a ação é de iniciativa privada exercida pelo ofendido ou seu advogado, mediante queixa-crime. “É importante que a prova seja armazenada, ou seja, podem ser feitos prints de tela ou uma ata notarial em cartório específico do conteúdo, para, caso ele seja retirado dos canais nas mídias sociais, seja possível comprovar a sua existência. A partir daí a vítima terá seis meses para entrar com a queixa-crime“, finaliza a advogada.

    Assista o vídeo:

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