A professora Jocelma Cunha conta que o filho sempre sonhou em ser engenheiro mecânico por causa do pai; jovem foi morto após discussão por causa de uma taxa que ele não havia pagado em uma tabacaria de SP
Bondoso, generoso e com coração cheio de amor. É assim, com a voz embargada, que a professora Jocelma Gomes dos Santos Cunha, de 49 anos, lembra do único filho. “A sensação que eu tenho é de que mutilaram a minha família”, desabafa sem conseguir conter as lágrimas. O estudante Iago Gomes Cunha foi morto aos 23 anos por um policial militar de folga após uma discussão motivada por uma taxa de R$ 5 que ele não havia pagado numa tabacaria na região de Ermelino Matarazzo, na zona leste da capital paulista, em 31 de janeiro.
O soldado Guilherme Cardoso Garcia, de 25 anos, alegou na ocasião que Iago teria avançado contra ele para tentar desarmá-lo, mas tanto a Polícia Civil como o Ministério Público não acataram a versão com base nos depoimentos de testemunhas e de câmeras de segurança do estabelecimento. Ele foi preso e acusado de homicídio qualificado por motivo fútil e que dificultou a defesa da vítima. “Meu filho jamais seria capaz de ser violento com alguém e avançar para desarmar”, também contesta Jocelma.
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Ela conta que a família sempre viveu no bairro e que ele era muito bem quisto por todos. Desde pequeno Iago já sabia que profissão queria seguir. “O pai dele é mecânico e ele sempre ficava na oficina, estava até trabalhando com ele”, lembra. O estudante estava cursando engenharia mecânica em uma faculdade particular mas, por causa da pandemia, teve de trancar a graduação. “Agora que ele estava pensando em tentar voltar para a faculdade e aconteceu isso”, lamenta a professora.
De acordo com os depoimentos dados por dois amigos da vítima à Polícia Civil, eles e Iago foram à tabacaria, localizada na Rua Paranaguá, por volta das 22h, esperar um outro colega. Foi quando um homem, que imaginaram ser segurança do local, questionou: “Vocês vão ficar? A taxa é R$ 5!”. O homem era o PM Guilherme.
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Iago respondeu ao policial que estavam apenas procurando um amigo, que eram clientes antigos e não ficariam no estabelecimento. Quando estavam saindo do local, o soldado gritou “Você me chamou de cuzão?”, em direção a Iago, que teria negado. Começou uma discussão entre os dois e, segundo as testemunhas, Guilherme empurrou o estudante, sacou uma arma e deu três tiros contra ele, que caiu no chão. O próprio dono da tabacaria, Rérisson Braz, disse que o soldado não estava atuando como segurança no dia dos fatos, mas confirmou que já havia prestado esse tipo de serviço “quatro ou cinco vezes”. Porém, a prática de policiais atuarem como seguranças privados é ilegal.
Os amigos de Iago também disseram à polícia que tentaram socorrê-lo, mas Guilherme não deixou e apontou a arma em direção a eles. “Os meninos estão traumatizados. Ninguém está acreditando até agora”, afirma Jocelma. Em homenagem a Iago, amigos soltaram balões brancos com pedidos de paz após o velório.
“Policial é tão importante quanto um médico porque são profissões que devem salvar vidas, não tirar”, critica a professora. “Não pode dar uma arma para qualquer um”, prossegue. Agora, ela busca por justiça e que o caso não seja esquecido. “Eu vou transformar meu luto em luta porque eu não desejo que nenhuma mãe, nenhuma família passe por isso. O que a gente quer é justiça, não é vingança, é que ele [PM] pague pela vida que ele tirou”.