Para Kleber Rosa, a agressão racista de um PM branco a policial civil, em São Paulo, não surpreende: ‘racismo é maior do que corporativismo’
A agressão e injúria racial de um PM branco a um policial civil negro em serviço, ocorrida em São Paulo, faz parte de uma “criminalização dos negros”. Essa é a análise de Kleber Rosa, que a atua há quase 20 anos na Polícia Civil da Bahia e integra o coletivo Policiais Antifascismo.
O crime ocorreu no dia 8 de junho, quando um policial civil levava três suspeitos à uma delegacia e um PM o agrediu. “Vai, negão, deita no chão”, gritou, recusando-se a acreditar que o homem negro era um um policial: “que polícia, que nada”.
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Kleber explica à Ponte que não é uma surpresa um caso como esse acontecer. Segundo ele, a questão racial está acima da relação entre os próprios policiais.
“O racismo é mais forte que o corporativismo”, define. “Além disso, ele está condicionado a tratar negros como bandido até que se prove o contrário e, às vezes, nem mesmo provando”, continua.
Para o policial civil da Bahia, isso decorre da política eugenista colocada no Brasil no início do século passado, em que havia a tentativa de embranquecimento da população.
“Na verdade há uma cultura policial de criminalização dos negros para além de qualquer conduta criminosa. Isso se explica pela persistência de concepções eugenistas na política de segurança pública”, prossegue.
Mais do que analisar outras situações, Kleber conta uma história vivida por ele. O episódio aconteceu quando havia prendido um suspeito de praticar homicídio e estava na sala com o delegado para colher o depoimento.
“Uma delegada entrou na sala e, em tom de espanto, perguntou ao delegado se agora ele ‘ouvia de dois’. Numa referência ao fato de ele estar ouvindo o depoimento de dois homicidas ao mesmo tempo”, relembra o policial.
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Ele diz que o delegado agiu na hora, se retirando da sala e conversando com a mulher. “Ela nunca se desculpou, mesmo passando um bom tempo trabalhando no mesmo local”, diz, citando que a ação evidencia “um olhar condicionado e ação seletiva” da polícia.
Kleber cita que Capitão Alden (PSL), hoje deputado estadual na Bahia, produziu uma cartilha explicando que tatuagens eram “marcas de crimes”. “Ensinando aos demais como identificar criminosos pelas tatuagens”, diz.
A Ponte conversou com um PM negro de São Paulo sob condição de anonimato para evitar represálias. Segundo ele, há mesmo um tratamento diferente por conta da cor da pele.
“Não tem racismo escrachado, é uma coisa no olhar e vem de alguns policiais e no atendimento também”, diz, sobre os cidadãos com que ele trabalha. “Elas preferem alguém de cor branca por muitos motivos”, afirma.
O policial afirma que é o único negro do batalhão em que trabalha. “São 30 policiais”, revela. “No começo é mais difícil, acabei ganhando confiança porque viram meu trabalho. Até mostrar quem realmente você é. Hoje, está tranquilo”, afirma.