Julgamento será quase cinco anos após o PM Alexandre Mendes expulsar rapaz de uma praça em São José do Rio Preto, interior de SP, o perseguir e matar com um tiro no rosto, segundo o MP
Os dois réus no processo que investiga o assassinato do jovem Bruno Alves de Campos, ocorrido durante a noite, em 25 fevereiro de 2014, serão julgados em 16 de maio de 2019. O policial militar Alexandre Mendes e o entregador de pizza Adriano da Rocha passarão por júri popular com data decidida em novembro de 2018 pela juíza Gláucia Vespóli dos Santos Ramos de Oliveira, titular da 5º Vara Criminal de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo.
A audiência acontece quase cinco anos depois que o rapaz foi morto com um tiro de pistola Taurus .40 na testa. Alexandre, que estava de férias, confirma ter realizado o disparo, alegando ter se tratado de legítima defesa após Bruno ter jogado pedras em sua direção e depois ter o ameaçado com uma faca. Moradores da região citam que o PM não aceitava a presença de andarilhos na Praça da Figueira, localizada no tradicional bairro da Vila Santa Cruz, área rica da cidade, distante 450 km da capital paulista. A Ponte acompanha e traz o desenrolar deste caso de violência policial.
A sessão que julgará o soldado Alexandre e o entregador de pizza Adriano vai começar às 09h30 e será realizada no salão do júri popular, previsão de durar o dia inteiro. No total, 14 testemunhas contam suas versões da violência, das quais cinco estão no rol da defesa de Alexandre, outras cinco foram escolhidas pelo MP (Ministério Público) e quatro foram arroladas pela defesa de Adriano.
Os dois são acusados pelos crimes de homicídio qualificado (por motivo fútil e que dificultou a defesa pela vítima), fraude processual (quando a pessoa modifica artificiosamente e inovadora a cena do crime para induzir a erro o juiz ou perito durante o processo), constrangimento ilegal, dano qualificado e abuso do poder de autoridade.
Em agosto de 2017, os advogados que fazem a defesa dos réus pediram ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), através de um recurso em sentido estrito, a revogação da decisão do juiz de primeira instância, Luis Guilherme Pião. A sentença levou o agente da polícia Alexandre Mendes e o entregador Rocha ao tribunal popular, após a fase de coleta de provas, chamada instrução da ação penal, que foi finalizada em junho do ano passado.
Apesar da tentativa, o pedido acabou negado por quatro desembargadores da 12º Câmara de Direito Público, que após cinco meses mantiveram o entendimento do magistrado de primeiro grau sobre a denúncia do MP-SP. No acórdão de 30 páginas, o relator Paulo Antônio Rossi argumenta que só poderia livrar os réus do ato banal se existir provas “estremes de dúvidas”. “Não há como saber, nesta quadra, se o recorrente agiu para repelir injusta e iminente agressão da vítima ou se, desde o início, objetivava a sua execução”, sustenta.
Limpeza urbana
Agindo na praça, o PM teria juntado algumas peças de roupas, cobertores, objetos pessoais de Bruno Alves e alguns pertences de outros três colegas dele: Rodrigo Pais Pedro, Laerte Lopes de Oliveira Junior e uma pessoa não identificada, conhecida apenas por “Barba”, que também vivia em situação de rua. os relatos apontam violência na ação do policial. A ideia dele seria fazer uma grande fogueira no centro da praça pública, apelidada de “liberdade”, durante a noite de terça-feira, às 23h.
Narra a queixa do promotor José Heitor dos Santos que, logo após Bruno ter sido expulsado do espaço público com seus colegas, ele ficou irritado, apanhou alguns pedaços de tijolos e teria jogado contra o policial, atingindo-o no joelho esquerdo e nas costas. Na sequência, empunhando sua arma, o policial militar, trajado de uma bermuda, camisa branca e de chinelo, correu atrás do grupo até a Rua Cândido Carneiro, esquina com a Silva Jardim.
Para fazê-los parar, efetuou um disparo para o alto, mas eles não obedeceram e continuaram a fuga. O morador em situação de rua Bruno ficou para trás na correria e não teve a mesma sorte de seus colegas por estar de chinelo. Ele se desequilibrou e caiu na calçada onde funciona uma prestadora de cursos profissionalizantes, foi quando o policial, lotado na 2º Cia subordinada ao 17º BPM/I (Batalhão de Policiamento do Interior), alcançou Bruno Alves e fez o segundo disparo certeiro no rosto.
Bruno teve morte instantânea, conforme conclui o laudo necroscópico do IML (Instituto Médico Legal). “Nenhum deles estavam cometendo qualquer ato ilícito no local, logo não estavam obrigados a deixar a praça pública, de onde foram literalmente expulsos”, afirma José Heitor.
Defesa critica socorristas
Adriano da Rocha é acusado no processo de fraude processual e dar apoio ao PM na tentativa de enganar a Justiça, forjando a cena criminosa. O policial teria plantado próximo ao corpo do rapaz uma faca velha, com cabo de madeira, “entre as mãos, debaixo da perna direita, em cima da coxa e as nádegas”, segundo o MP, para justificar o álibi da injusta provocação da vítima, legitimando com isso o suposto ato de defesa e não responder pelo assassinato.
O defensor do soldado, advogado Wagner Domingos Camilo, que não se manifesta depois que perdeu o recurso na Corte superior de Justiça, sustenta a tese da legítima defesa e quer a absolvição sumária do ato homicida supostamente praticado pelo cliente. Camilo ainda busca o afastamento das qualificadoras – esse era o recheio que dava corpo ao documento e poderia encerrar o processo sem análise das provas produzidas durante as investigações da Polícia Civil, comandadas pelo delegado Laércio Ceneviva Filho, do 1º DP (Distrito Policial) de São José do Rio Preto.
Há um tempo atrás, Camilo fez críticas ao trabalho dos socorristas quando fizeram buscas pelo documento de identificação no corpo do rapaz. Segundo o criminalista, não houve “a preservação íntegra” do local. “Na minha opinião, deveria voltar para o mesmo local. Eles colocam a faca de lado. A perícia, quando chega, pega o cílio dos fatos do jeito que estava. Realmente prejudicou todo ocorrido, a investigação”, argumenta.
Antes de abrir o inquérito, o delegado Laércio viu com estranheza várias questões e encontrou contradições na apuração preliminar feita pelo colega, o também delegado Hélio Fernandes dos Reis, que no dia do entrevero estava de plantão e decidiu afrouxar o flagrante por não reconhecer o dolo na conduta do PM. Alexandre estava de férias e assinou o boletim de ocorrência número 2853/2014, registrado na Central de Flagrantes, quase duas horas depois do ocorrido.
“Ele poderia ter atirado para o alto, para o chão, mas nunca do jeito que ele fez na direção da cabeça da vítima”, comenta o delegado numa declaração dada para o Domingo Espetacular da RecordTV.
Discurso do B.O
A narrativa simplista do papel recria a figura de Bruno Alves, que completaria 25 anos em dezembro agora: um jovem negro, magro, medindo 1,90m, que vivia pelas ruas da maior cidade do Noroeste Paulista, suspeito de diversos assaltos em um bairro comercial. Ele só conseguiu frequentar, além dos bancos de concreto da praça onde tinha o hábito de dormir, o primeiro grau do ensino médio. O documento ainda diz que o policial militar agiu para não morrer no entreveiro com o “suposto inimigo”, e se justifica alegando que não tinha a intenção de executar Bruno.
No B.O., o policial que apresenta o fato ao plantão policial salienta que também não viu nas atitudes de Mendes a intenção de matar o rapaz, já que o conhece há 11 anos e que ele é “calmo, dedicado e de bom comportamento”. O colega de farda recomenda, ainda na ocasião do registro da história na delegacia, que Alexandre fosse apenas ouvido em declarações, sem culpabiliza-lo ou indiciamento pela morte do morador de rua; segundo o PM, as circunstâncias demonstraram a ‘excludente de ilicitude’, previsto no Código Penal (artigo 23) e diz que não há crime quando alguém mata para se defender ou no exercício regular do direito.
Segundo relatos de testemunhas, um dia antes do episódio o soldado se reuniu com representantes do bairro com a intenção de “limpar área” e resolver o problema da criminalidade, hipoteticamente gerada por “mendigos”, que estavam atrapalhando a movimentação de alguns comércios instalados nas redondezas do Santa Cruz. A participação de Mendes estava ligada a posição dele como policial e que poderia “dar um jeito” nos indigentes que ficavam na Figueira, pela agressão física e a certeza de garantir a tranquilidade do bairro.
Era ele quem os vizinhos procuravam quando aparecia gente indesejada na praça. Testemunhas relataram ainda naquele dia que o PM não chegou a ser atingido por cacos de tijolos e pedras naquele dia. Adriano da Rocha, quando prestou seu depoimento, disse ter visto a confusão, inclusive ouvido os disparos, mas o delegado Ceneviva discorda. “Pela distância da pizzaria onde trabalhava até o local do crime, e pela versão dele de que se encontrava dentro da pizzaria, no período noturno, não seria crível que ele conseguisse visualizar e descrever com as minúcias com que os narrou os fatos”, aponta.
O argumento de Adriano foi confrontado com os outros andarilhos em situação de rua que acompanhavam Bruno, morto à queima roupa. Eles foram ouvidos na Central de Flagrantes e também apresentaram versões conflituosas com a do PM e do entregador. Ao longo das investigações, a Polícia Civil anulou os primeiros depoimentos e refez as oitivas dos incriminados, tanto do policial Alexandre quanto a do motoboy Adriano. Foi tempo o suficiente para que eles também refizessem suas narrativas.
O militar teria dito primeiro que havia dado um só tiro. Na segunda vez, no entanto, voltou atrás nas próprias declarações e diz ter dado dois tiros. Cápsulas foram encontradas na cena do homicídio, mas somente um dos disparos atingiu o rapaz. O delegado não acredita na história dada como real de que a vítima, que já estava fugindo do PM que o havia abordado, se identificado como tal com arma de fogo, iria interromper sua “fuga”, se voltar contra o soldado e ainda atirar-lhe pedras ou mesmo tentar esfaqueá-lo.
“Fiquei muito contrariado ao saber que os peritos não haviam lido o inquérito antes da reconstituição. Como eles vão reconhecer as contradições sem tomar conhecimento do que já foi dito sobre o caso? questiona o promotor do caso. “Vi coisas muito esquisitas na reconstituição”, continua José Heitor dos Santos.
Uma testemunha chave da história trabalhava na época como repórter de um jornal local. Ela conta no processo que estava em uma lanchonete esperando a entrega de um lanche, viu três homens correndo descendo a rua, olhando para trás . Pela fisionomia deles e a forma como se vestiam, não duvidou que fosse moradores de rua.
Em determinado momento, um deles correu em direção à lanchonete e disse para o dono do estabelecimento que um PM tinha atirado no amigo dele. Ela foi até a praça, onde havia várias pessoas, depois seguiu para o local onde o corpo de Bruno estava estendido, fotografou o cenário sem nada ao lado do corpo, mas depois numa outra imagem feita paralelamente à dos peritos, há uma faca encostada à vítima.
A auxiliar de enfermagem do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) que atendeu ao pedido de socorro, relata ter visto a lâmina próxima ao corpo de Bruno, que estava deitado de barriga para cima. Esta é a mesma versão confirmada por outro PM que atendeu ao chamado do Copom, além de outros profissionais que tentaram socorrer à vítima.
Através das câmeras de segurança, o delegado Laércio viu claramente quando Adriano chega ao local dos fatos com sua moto, lá encontrando o soldado. Os dois conversam. Na sequência, o entregador retorna à pizzaria.
Para a polícia, Adriano mentiu, pois disse que estava trabalhando na hora do crime, que logo após foi entregar uma pizza para um cliente. Ele ainda conta que o policial chegou e pediu o celular dele emprestado para comunicar a ocorrência ao Comando. Adriano teria voltado à pizzaria para buscar a faca que adulterou a cena do crime. O dono do estabelecimento, ouvido em audiências sobre o caso, afirmou que o motoboy tinha acesso a cozinha para tomar café, porém não viu se Rocha teria entrado no local no horário perto da confusão.
Os arquivos de vídeos das câmeras de monitoramento do local onde Bruno foi baleado entregues a polícia tinha cortes, segundo o responsável que forneceu as imagens. Ele falou que as câmeras funcionam através de sensor de movimento e este poderia ser um dos motivos para as cenas estarem tão “picotadas”.
Alexandre Mendes explica na sentença de pronúncia que mora no bairro há aproximadamente 30 anos e que no dia estava na rua, fumando com um vizinho, quando resolveram ir até a “Figueira”, que também serve como abrigo para o uso de algumas drogas e cachaça por pessoas em situação de rua. Foi para lá assim que terminou o encontro que discutiu a segurança do bairro com moradores e comerciantes.
Fim da bagunça
O policial já tinha tido contato com os três homens naquele mesmo dia, na parte da tarde, quando foi até a praça e visualizou uma “bagunça”. Disse ainda que no dia da confusão tentou chamar apoio de outros colegas da polícia pelo 190, mas que a operadora do celular que usava na ocasião não dava sinal de rede.
Argumenta que, ao se aproximar dos supostos “arruaceiros”, eles começaram a lhe xingar, então decidiu aborda-los. Reafirmou que “não foi agressivo com os andarilhos, mas que sua arma estava muito às vistas e se identificou como policial, chegou a simular uma conversa com os atendentes da central telefônica da polícia, com a intenção de inibi-los, para que fossem embora, dizendo que a viatura estava ocupada numa outra ocorrência e que então os três estariam liberados”.
Quando estava há aproximadamente cinco metros de distância de Alves, a vítima se virou e veio em sua direção, começou a atirar pedras e tentou esfaqueá-lo. Neste momento, afirmando entender que correria risco caso Bruno se aproximasse mais, então sacou a arma e desferiu o disparo. Em seguida, disse que foi a pizzaria onde o corréu Adriano trabalhava e pediu o telefone dele para comunicar o assassinato à polícia e ainda nega outras acusações.
Favorável à sociedade
O juiz Guilherme Pião entendeu que neste caso vigora a figura jurídica do in dubio pro societate, que no Latim significa: “Na dúvida, a favor da sociedade”. Este entendimento permite ao juiz togado em casos excepcionais, por meio da lei, decidir contra ao réu e como consequência disso ele é trazido para julgamento por pessoas comuns da sociedade (o chamado júri popular), mesmo quando ainda houver dúvida a respeito da participação desta pessoa no crime.
“Sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, as teses defensivas não restaram cristalinamente comprovadas, ilesas de qualquer dúvida. Ressalto que, ainda que haja indícios de que o acusado tenha sofrido injusta agressão, ao menos por ora, não restaram cabalmente comprovadas para que se possa reconhecer, nesta fase processual, a legítima defesa, com a consequente absolvição sumária do réu Alexandre Mendes”, decidiu Pião, marcando o julgamento.
Rapaz buscava mãe
Bruno estava há pelo menos um mês na terra de São José do Rio Preto. Tinha acabado de chegar de Álvares Machado, cidade distante 290 km de onde estava. Lá, deixou o emprego na Secretaria de Cultura da Prefeitura para buscar o paradeiro de sua mãe biológica, de nome Célia, de quem foi separado aos quatros anos de idade.
“Todo mundo sabia que Bruno tinha um vazio no peito. Nunca precisou de uma informação precisa sobre o paradeiro dela, qualquer pista era uma esperança e ele não pensava. Ainda criança, deixava tudo, calça, chinelo, e corria”, disse o pai, Onofre de Campos, de 69 anos. O ferroviário aposentado conversou com a Ponte quatro meses depois da morte do filho.
Onofre, junto da esposa Paulínia, adotaram Bruno e sua irmã, Bruna, no fim dos anos dos anos 90. A mãe de sangue bebia muito e vivia em situação de rua, foi o que levou o Conselho Tutelar do município a dar os dois a um novo lar, com possibilidade de estudo e um novo sobrenome.
Outro lado
A reportagem buscou contato com o defensor de Adriano da Rocha, mas o número do escritório dele encontra-se desatualizado na base de dados do Cadastro Nacional dos Advogados da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
A SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), diz em nota através da Polícia Militar que o policial está afastado do serviço operacional. A Corregedoria da PM acompanha a tramitação judicial e, caso seja condenado, ele responderá a procedimento administrativo, que pode resultar na demissão ou expulsão do policial.
O TJM-SP (Tribunal de Justiça Militar de São Paulo) afirma que não há na corte nenhum processo disciplinar em andamento contra o soldado Alexandre, mas reconhece que há uma ação criminal em andamento na Justiça Comum, conforme revelou a Ponte em agosto de 2015.
Dois homicídios na carreira
Quem pensa que este é um fato isolado e a primeira morte relacionada a conduta do agente de segurança Alexandre, não sabe que há 16 anos, em 27 de janeiro de 2002, o mesmo PM acompanhou outros dois policiais em uma ação que acabou na morte do catador de lixo Antônio Cesar de Oliveira, de 52 anos.
O homem teria esparramado lixo que estava na lixeira de um casal de idosos. Ao ser repreendido pela atitude, sacou uma arma e disparou contra os donos da residência, que por sorte não morreram. O atirador fugiu, porém, mais tarde, ele foi encontrado pelos três militares na sala de casa vendo TV com esposa. Os PMs ordenaram a saída deles para fora da moradia com as mãos para cima.
A narrativa contada pelos PMs atesta que Oliveira saiu de casa atirando e que só tiveram de revidar para não morrer. A vítima caiu alvejada com cinco tiros e morreu no local. A mulher, que também foi abordada, sobreviveu com um tiro na nádega. Os três policiais confirmaram os disparos e, numa segunda justificativa, disseram que não sabiam identificar quem havia sido atingido no confronto.
Sete meses depois, a investigação foi arquivada depois que a Justiça entendeu que houve legitima defesa na conduta dos três soldados.
Expectativa de punição exemplar
A repercussão na mídia não garante expectativas de familiares de que se faça Justiça nesse e em muitos outros casos que lotam a mesa do Judiciário. No entanto, gera a sensação de que possa ser traduzida de maneira simbólica numa punição exemplar para o princípio básico dos direitos humanos que não estão sendo respeitados: o direito à vida e de ir e vir, ambos garantidos constitucionalmente.
Os parentes, amigos e testemunhas temem que a impunidade reforce a ideia de que o policial que mata uma pessoa em situação de rua deve ficar impune e seja condecorado, permaneça trabalhando na corporação e recebendo salário como se nada tivesse acontecido. Eles tratam esta resposta como uma questão de honra que precisa ser repensada até para melhorar a imagem da corporação e reafirme sua credibilidade, confiança, além dos princípios de eficiência na garantia de sobrevivência da própria PM.
De volta a praça centenária que foi palco da morte, localizadas apenas algumas centenas de metros do centro da cidade, alguns moradores de rua estão deitados nos bancos. Eles dividem o mesmo espaço com um casal de idosos que jogam uma partida de cartas. É fim de tarde e logo chega alguns voluntários que oferecem o tradicional sopão, um copo de leite e pão. Do outro lado, alguns colchões são entregues. Ninguém fala sobre o que aconteceu. O medo usa farda: temem a polícia. Outros já nem ser recordam da morte de Bruno, seja por esquecimento natural ou forçado para não sofrerem represálias.
Banco dos réus
Colocar os dois réus na frente dos jurados leva um pouco de esperança aos familiares de Bruno. Eles não ficaram só com as lembranças do rapaz, mas a certeza que ele não entrou nas estatísticas de outros casos iguais e que não são julgados, salvo em raras exceções os acusados acabam sendo absolvidos, seja por falta de provas ou pura convicção do magistrado.
O criminalista Hugo Leonardo, vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), afirma que a lentidão do caso na Justiça é justificável. Argumenta ser preciso ter cautela quando tomamos a realidade do fluxo de processos distribuídos todos os dias nas cinco varas criminais da Comarca. “É melhor um processo com um tempo maior, e justo, do que um apressado com risco de cometer alguma injustiça”, justifica Leonardo.
Manter um policial afastado do serviço de rua quando ele mata um civil e continuar recebendo normalmente seu salário até a decisão do juiz é apontado como algo que “não tem razão e representa um certo comodismo das autoridades em não querer tomar uma posição mais firme”, segundo o professor Rafael Alcadipani da FGV (Fundação Getúlio Vargas) especialista em segurança pública, e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). “Não é o ideal, sem dúvida, mas isso é feito por conta de não culpabilizar uma pessoa que tem que ser julgada e a partir daí cumprir os ritos da burocracia e seguir a norma, fica empurrando com a barriga a situação, onerando o estado”, explica.