No episódio 79, a fundadora da ONG TamoJuntas conta a importância de falar da Visibilidade Lésbica e da efetividade das leis contra violência doméstica, racismo e LGBTfobia
Advogada feminista, sem vírgula ou separação, é assim que Laina Crisóstomo se define. “Faço advocacia social, de combate ao racismo, à LGBTfobia, combate á intolerância religiosa”, conta. Laina, 34 anos, começou a atuar contra a violência doméstica com a intenção de atender um caso por mês, de maneira gratuita. A demanda foi tanta, que ela precisou criar uma ONG, foi quando a TamoJuntas surgiu.
“Essa foi uma escolha que eu trilhei na minha vida a partir da minha experiência de mulher negra, mulher lésbica, mulher de candomblé, mãe, antiproibicionista, mulher gorda, carrego todas essas vulnerabilidades e isso também me faz estar na luta contra essas opressões”.
Agosto, define Laina, é um mês muito potente. “É o mês lilás, da Lei Maria da Penha, mas também é o mês da Visibilidade Lésbica. É muito potente quando a gente fala da perspectiva da visibilidade, porque continuamos sendo invisíveis para a saúde, com a ausência da proteção. Eu sou uma mulher lésbica que saí do armário há dois anos”.
“Nunca é fácil sair do armário, mas para mim foi muito mais tranquilo porque eu já tinha uma profissão, um trampo, uma casa. Várias meninas sofrem agressões, sofrem cárcere privado, são obrigadas a ter relacionamentos com homens. Há sempre uma tentativa de padronizar. As mulheres lésbicas não são todas iguais, somos diversas. A nossa revolução é nos libertar e libertar todos os outros, as outras e os outres”, aponta.
Em 2016, teve a ideia de fundar a TamoJuntas quando viu um post de uma jornalista se disponibilizando para ajudar mulheres. Pensou, então, em ser advogada voluntária para atender mulheres vítimas de violência. Era uma sexta-feira e ela recebeu tantas mensagens que ficou o fim de semana todo respondendo as pessoas. Em maio de 2016, criou a página da ONG no Facebook, com intuito de atender mulheres apenas em Salvador.
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Com o caso da adolescente violentada sexualmente por 33 homens no Rio, em que a ONG se posicionou, ganharam visibilidade. De 5 mil curtidas passaram a ter 66 mil. Com isso, perceberam que deveriam atuar nacionalmente e para além das demandas judiciais. “A gente tem assistentes sociais e psicólogas. Em alguns estados temos dentistas e médicas”, detalha.
Sobre a Lei Maria da Penha, a advogada feminista lembra que a construção do projeto não foi gratuita. “Não foi um presente que o Estado brasileiro deu para as mulheres”, aponta. “Na verdade, a lei vem por uma denúncia, em que o Brasil foi condenado e obrigado a criar uma legislação específica em fazer o enfrentamento da violência contra a mulher”.
Para Laina, a lei é muito potente por ter sido feita de forma coletiva. “Muita gente acha que a lei tem sete artigos, mas tem mais de quarenta”, conta. “O restante da lei fala de educação e da importância de fazer o fortalecimento nas escolas para dialogar no combate ao machismo, no enfrentamento [dessas violências]”, aponta.
“Não dá para gente achar que vai criminalizar para dar conta. O racismo, o machismo e a LGBTfobia são estruturantes. Se são estruturais, a gente precisa mexer na estruturar. Não dá para gente achar que se mudarmos a lei e mudarmos a cabeça das pessoas”.
Laina compara a lei Maria da Penha com as leis contra racismo e LGBTfobia. Para a advogada, o espaço da delegacia não é feito para atender as populações LGBTs, negras e mulheres. “Todo mundo sabe que o racismo é crime, ela é muito antiga, então como ela não tem funcionado? Em 2002, surge a alteração que adiciona o crime de injúria racial, então ninguém é punido por racismo”.
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“Não é sobre encarceramento, o encarceramento em massa não funciona, não é sobre isso. Mas o que encarcera no Brasil? Não é a Maria da Penha, não é a lei do racismo ou da LGBTfobia. É a lei de drogas e os crimes contra a propriedade privada. O que encarcera é o racismo que é pratico pelo Estado contra negros e negras”, completa.
“A lei da LGBTfobia é uma conquista, assim com o casamento LGBT+, mas é assustador como todas as conquistas do movimento LGBT+ tem se dado no STF. Não tramitou nas casas legislativas. As nossas famílias nunca foram reconhecidas por conta da união Estado e Igreja”, continua.
A lei Maria da Penha dificulta o acesso aos dados e às leis para população LGBT+. “Quando uma mulher trans morre a gente não consegue enquadrar como transfeminicídio. O entendimento é que é um homicídio qualificado pela perspectiva do ódio. Quando a gente não coloca que é um transfeminicídio a gente tá invisibilizando essa situação e tira a possibilidade de haver dados”.
“O Estado brasileiro vai dizer que não existem casos de pessoas trans assassinadas, que não existem casos de mulheres lésbicas estupradas. Esse processo é violento porque nos invisibiliza”, aponta.
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