Dezoito pessoas, entre elas uma grávida, foram expulsas de área onde viviam pela Guarda Civil de Cotia (SP) e dividem um espaço minúsculo com ratos e muito lixo
Em plena pandemia de coronavírus, um grupo de 18 pessoas em situação de rua foi expulso de um viaduto na cidade de Cotia, na Grande São Paulo, e hoje sobrevive às margens de um córrego poluído.
Em um espaço minúsculo, insalubre e sem condições mínimas de viver, o distanciamento social e a higienização, medidas para evitar o contágio do vírus, ficam impossíveis de serem adotadas.
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“Tinham mais de 30 pessoas lá [debaixo do viaduto]. Muita gente sumiu, nem sabemos se estão vivos ou se estão mortos”, disse Rafael* que, assim como a maioria, ganha o sustento do dia a dia fazendo coleta de materiais recicláveis nas ruas.
A retirada do grupo do viaduto não foi pacífica. Segundo Rafael, agentes da Guarda Civil Municipal (GCM) agiram de forma truculenta. “Eles chegaram batendo na gente, gritando, falaram para a gente sair, levaram a gente para a frente, revistaram, aí veio uma assistente social e disse que estava acompanhando, sendo que antes ela nunca tinha aparecido lá. Foi uma vez, pegou o nosso nome e nunca mais voltou. Ela disse que estava acompanhando toda semana, é mentira, nunca foram lá”, relata.
Ainda de acordo com ele, muitos documentos e outros pertences ficaram perdidos, pois não deu tempo de recolher tudo em meio à pressão. “Deram cinco minutos para a gente tirar todas as nossas coisas. A gente perdeu documento, porque não tinha como a gente achar tudo de uma vez. A gente morava debaixo da ponte, não tinha como organizar tudo. Depois de cinco minutos, foram lá com um pedaço de pau, bateram nas paredes. Não deram nem espaço para a gente falar. Nos ameaçaram”, conta.
Questionado sobre um possível auxílio da Prefeitura de Cotia, por meio do serviço social, o grupo foi unânime em dizer que funcionários nunca estiveram lá. “Ninguém da prefeitura veio. Quem traz café da manhã pra gente é o pessoal das igrejas. Colocaram o ônibus lá só para dar uma limpeza”, argumenta Rafael.
O ônibus a que ele se refere é a base móvel da GCM que, desde então, faz plantão 24 horas no local para evitar novas aglomerações. Questionados, os guardas civis não souberam explicar o motivo da operação.
Jovens, idosos e uma grávida
O grupo de Rafael é heterogêneo. A maioria é homem e jovem, mas há idosos e mulheres, entre elas uma gestante que está prestes a dar à luz.
Mariana* disse à reportagem que precisava fazer ultrassom, pois está no final da gestação. Mas como no dia da remoção teve seus documentos perdidos, ela não consegue dar continuidade ao pré-natal.
“Eu precisava dos meus documentos e do papel do ultrassom que eu já tinha feito para poder fazer os outros. O hospital de Cotia só vai poder fazer meu parto com os documentos do pré-natal. Vou ter que pagar R$ 80 para poder fazer no particular, porque no hospital de Cotia não está fazendo por causa do coronavírus. Não tenho dinheiro e nem documento”, explica.
Companheiro de Mariana, Roberto*, que também é catador de materiais recicláveis, sofreu um acidente, recentemente, e realizou uma cirurgia no braço. Sua luta agora é fazer uma outra cirurgia da clavícula, mas não consegue porque também está sem seus documentos.
“Me acidentei fazendo uma reciclagem, caí em um barranco. Eu não consigo dormir de dor. Estou sem remédio. Não consigo pegar remédio sem receita. Meu braço está inflamado. Não é brincadeira”, disse, mostrando o braço inchado e inflamado.
Questionada, a Secretaria de Desenvolvimento Social de Cotia não retornou o nosso contato até o momento.
Os questionamentos também foram feitos para a Secretaria de Segurança Pública do município, por meio da assessoria de imprensa, mas também não houve retorno com uma explicação diante dos relatos de abuso e violência.
*Os nomes dos entrevistados foram trocados por temerem represália