Ex-jogadora de vôlei Ana Paula e influenciadora Luísa Nunes ligaram raça à criminalidade: “É incorreto e dados mostram isso”, diz especialista
“Racismo vai existir enquanto a maior quantidade de crimes for causada pela população negra. É natural”. A fala da influenciadora digital Luísa Nunes Brasil, em vídeo divulgado nas redes sociais, levantou alguns questionamentos: é correto dizer que os negros cometem mais crimes do que os brancos? A fala retrata uma realidade ou é racismo?
Ao mesmo tempo de Luísa Nunes Brasil, a ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel, que mora nos Estados Unidos, usou dados para ligar a população negra americana aos índices de criminalidade. Para ela, a estatística embasa a fala: se os negros representam 12% da população e cometem 62% dos roubos e 56% dos assassinatos, logo “faça sua escolha” entre ser fato e ser racismo.
Os dados apontados pela ex-atleta estão no livro “A guerra contra a polícia”, da autora americana Heather Mac Donald. Nele, a autora, mulher branca, considera normal os negros serem 26% dos mortos pelas polícias, mesmo representando 12,69% da população do país, conforme números oficiais.
Estudos realizados apontam que as prisões em estados americanos têm, em média, cinco homens negros para cada branco preso. Ao todo, os Estados Unidos tem 2.121.600 presos, conforme dados do Prison Studies de 31 de dezembro de 2016, número mais atual disponível.
Estatísticas no site do Federal Bureau Of Prisons, responsável pelas prisões nos Estados Unidos, apontam que 38% dos 164 mil presos em unidades federais do país são negros, contra 58,2% brancos, 2,3% nativos americanos e 1,5 asiáticos. Os dados são do dia 30 de maio de 2020.
Puxando para a realidade brasileira, o total de negros aprisionados representa 64% do total, segundo estatísticas do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) de 2016, que é o levantamento mais atualizado com informação sobre raça.
Há 758.767 pessoas encarceradas no país, conforme relatório do Depen divulgado em 2019. Destes, 35% são brancos e 1% divididos em amarelos, indígenas e outros. Para a socióloga Thandara Santos, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a ligação entre raça e criminalidade é incorreta.
“A sobrerrepresentação não necessariamente é a maior ocorrência de crimes nessa população. Está ligado a um sistema de supervigilância dessa população negra”, sustenta Thandara, explicando que o fato de haver a sobreposição não indica que são “os maiores cometedores de crimes”.
Estudos corroboram com a fala. Em 2006, uma tese de mestrado em Ciência Política apontou que 59,5% dos réus por furto em São Paulo eram brancos, enquanto 40,1%, negros. Quanto aos roubos, 51,4% tinham réus brancos frente a 48,3% de negros.
No entanto, na Justiça a situação é diferente. Em 2003, o professor de sociologia na USP (Universidade de São Paulo) Sérgio Adorno identificou que 59,4% dos brancos recebiam condenação, enquanto o mesmo ocorria com 68,8% dos negros julgados em São Paulo.
Justiça seletiva e argumento “raso e racista”
Segundo Thandara, as condenações têm por trás um ponto de vista do sistema judicial e não necessariamente uma correlação direta om pessoas que cometem crimes. “A abordagem a negros é muito maior do que a pessoas brancas. Não dá para perder de vista esse caminho”, afirma.
Thayná Yaredy, advogada criminalista e coordenadora-chefe do setor de bolsas e desenvolvimento do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) vai além. Pontua que há racismo em dizer que negros cometem mais crimes do que brancos.
“A premissa é racista e rasa. Temos um histórico de construção criminal contra pessoas negras da abolição. Ali, temos um direcionamento de como lidar com negros de forma judicial”, justifica, citando crimes como vadiagem e contra a capoeira como ações voltadas ao povo negro.
“Há um boom do encarceramento em massa que vem da falsa abolição. E apesar de ter no imaginário que é construído a partir do racismo, que negros cometem mais crimes do que os brancos, os dados não falam isso”, diz, citando os estudos de furto e roubo e de condenações que compara estatísticas raciais.
Thayná cita um levantamento da Agência Pública, que analisou 4 mil sentenças de tráfico de drogas e mostrou que 71% dos negros condenados possuíam, em média, 145 gramas de maconha. Com 64% dos brancos condenados, a apreensão média era de 1,14 quilo.
“É preciso pensar o quão racista é o sistema de Justiça, o quanto uma frase dessa reverbera na possibilidade de uma pessoa negra ser assaltada e a polícia, em vez de ajudar, balear no peito”, afirma. “É o imaginário de o negro ser o criminoso”.
No mesmo dia da publicação, Luísa apagou o vídeo e disse ter sido mal interpretada. “Eu os deletei porque fui muito infeliz no jeito que falei. Eu não sou racista e não defendi movimentos racistas”, sustentou. O perfil da influencer no Instagram segue desativado.
Após a publicação, Ana Paula defendeu a sua posição. “Mais uma vez, que a demonização da polícia como esses movimentos vêm pregando afeta primeiramente os bairros negros no EUA e aumenta a criminalidade”, disse, em resposta a um seguidor, no Twitter.
No dia 8 de junho, ela agradeceu o apoio de seus seguidores “diante do orquestrado ataque ao meu nome e minha índole”. “E é exatamente nessas horas que entendemos o termo ‘maioria silenciosa’, soldados que aparecem contra a injustiça e a covardia. Mto obrigada”, publicou.
A Ponte pediu posicionamento para Ana Paula Henkel pelo Facebook, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
[…] a raça de Mia em meio a uma denúncia à polícia do que ela julga ser uma atividade suspeita, a mulher faz uma associação racista entre negros e criminalidade. Essa é apenas uma dentre as várias microagressões que Elena comete contra Mia e outros […]
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