Por que um traficante brasileiro matou uma jovem em sua cela no Paraguai

    Marcelo Piloto, do Comando Vermelho, teria matado jovem para adiar extradição, mas foi expulso e está em presídio federal no Brasil; além dele, governo paraguaio extraditou integrante do PCC

    Marcelo Piloto quando chegou ao presídio de Catanduvas e Lidia Meza Burgos, morta pelo traficante com uma faca de sobremesa | Foto: divulgação/reprodução

    No intervalo de três dias, o governo do Paraguai mandou de volta para o Brasil dois criminosos ligados a facções rivais. Marcelo Pinheiro da Veiga, o Marcelo Piloto, é apontado como um dos principais traficantes do CV (Comando Vermelho) no país vizinho, e Rovilho Alekis Barboza, o Bilão, ligado ao PCC (Primeiro Comando da Capital). No último sábado (17/11), Marcelo Piloto tentou evitar a extradição e matou a facadas a paraguaia Lidia Meza Brugos, 18 anos, durante visita no presídio onde cumpria pena por uma série de crimes, em Assunção, capital paraguaia.

    Segundo o Ministério Público do Paraguai, Piloto teria assassinado a jovem em território paraguaio para retardar a extradição, processo que estava em curso há pelo menos seis meses. Mas a estratégia não funcionou. O presidente paraguaio Mario Abdo Benitez usou a conta dele no twitter para anunciar a expulsão: “Ficou decidido expulsar Marcelo Pinheiro, o ‘Piloto’, do Paraguai. Que nosso país não seja uma terra de impunidade para nada”, escreveu. O MP paraguaio agora quer saber se a visita a sós entre Marcelo e Lidia cumpriu os requisitos de segurança.

    Nesta quinta-feira (22/11), o ministro da Suprema Corte de Justiça do Paraguai, Raúl Torres Kirmser, em entrevista ao ABC Color, rebateu as críticas do Ministério Público sobre a demora na avaliação da extradição, que acabou permitindo que o integrante do CV cometesse o homicídio. “A cobrança de urgência de tramitação do caso nunca chegou à Corte”, declarou Kirmser.

    Marcelo Piloto foi detido em dezembro do ano passado, no distrito de Cambyretá, Itapúa, com documento falso, duas armas 9mm, com 100 cartuchos e 4 carregadores, e diversos aparelhos celulares. Em território brasileiro, o narcotraficante foi mandado para o presídio federal de Catanduvas, no Paraná, que é RDD (Regime Disciplinar Diferenciado).

    Na quinta-feira (22/11), foi a vez de Bilão, integrante da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), também ser expulso do país. Ele estava preso de Penitenciária de Tacumbú e o governo paraguaio concedeu a extradição atendendo a um pedido da 2ª Vara Criminal de Maringá, no Paraná. Bilão é apontado como um dos principais traficantes de cocaína da região, mas, segundo apurou a Ponte, é “peixe pequeno” com relação às sintonias [hierarquias] da facção e era, simplesmente, um distribuidor que cuidava dos negócios na tríplice fronteira – Brasil (Mato Grosso), Paraguai e Bolívia.

    Ou seja, a expulsão de Bilão atendia a um processo já em curso de pedido de extradição. Já Piloto, embora estivesse na mira da extradição, foi mandado embora em represália ao crime bárbaro cometido dentro de uma cela que deveria ser de segurança máxima. Há uma divergência sobre quem é a jovem assassinada com uma faca de sobremesa pelo narcotraficante. Segundo o jornal paraguaio La Nación,  o pai da vítima, Francisco Meza, afirmou que Lidia trabalhava há um mês no “Mercado 4”, um mercado popular de Assunção. Já de acordo com apuração do ABC Color, Lidia trabalharia como prostituta e, no mesmo dia em que foi morta, pela manhã uma outra garota de programa teria sido acionada, mas dispensada pelo traficante que alegou “não ter dinheiro para o pagamento”. Contudo, horas mais tarde, Lidia teria recebido a chamada e ido ao encontro do seu assassino.

    A relação estremecida entre PCC e CV no Brasil, ao que tudo indica, era mais amistosa no Paraguai, que, nos últimos anos, se tornou território importante para os negócios do tráfico de armas e drogas. Segundo apuração do jornal Extra, em abril do ano passado, Marcelo Piloto teria dado apoio logístico a criminosos ligados ao PCC para um assalto milionário a uma transportadora de valores em Ciudad del Este.

    Para a socióloga Camila Nunes Dias, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) e uma das principais estudiosas do crime organizado no Brasil, a resistência de Marcelo Piloto em vir para o Brasil em nada tem a ver com a briga entre as facções. “Eu acho que é de fato porque hoje o Paraguai é um lugar estratégico para quem lida com o tráfico de drogas, tanto da maconha, por ser um país produtor, quanto da cocaína por ser uma rota, um entreposto quase que obrigatório, especialmente quando a droga vem para o Rio de Janeiro, São Paulo. A cocaína que sai da Bolívia, por exemplo, passa pelo país, ou seja, é um lugar estratégico. Além disso, não é difícil imaginar que no Paraguai as condições das prisões são ainda mais favoráveis do que no Brasil para a continuação da gestão desses negócios ilícitos”, explica.

    Além disso, Camila explica que a dinâmica da criminalidade das duas facções é distinta. Tanto que, para a especialista, a saída de Marcelo Piloto do território paraguaio somado à transferência para um presídio federal, sob um regime rigoroso, deverá gerar impacto para os negócios. “Principalmente para alguém, como me parece que é o caso desse Marcelo Piloto, que tem uma importância pessoal, é uma quadrilha ligada a ele como pessoa que trata desse comercio. É diferente do PCC, por exemplo, que trabalha na lógica de rede, que está inserido nessa economia ilícita do tráfico que muitas vezes transcende os indivíduos“, explica.

    Nesse sentido, a pesquisadora destaca que a permanência em um presídio federal pode impactar os negócios. “O sistema federal é totalmente diferente dos estaduais. As celas são individuais, é um sistema muito caro, de segurança máxima. Ou seja, não é um sistema onde ele corra riscos com relação a integridade física. Mas é um sistema que, de fato, não da pra dizer que impede a continuidade das atividades, mas ele é bastante limitador. Tem escutas, todo o contato com visitas e mesmo com advogados é monitorado, controlado. E, nesse sentido, a manutenção dele no presidio federal certamente terá um impacto maior para a continuidade dos negócios. E também nesse sentido há que se compreender a intenção de continuar no Paraguai por toda essa conveniência, onde tem sua rede toda, onde o sistema penitenciário é menos vigiado”, analisa.

    O Ministério Publico Federal informou nesta quarta-feira (21/11), que, em cooperação internacional, entrará na investigação do homicídio de Lidia Meza Burgos cometido por Marcelo Piloto que poderá responder e cumprir eventual pena pelo crime em território nacional.

    Nesta quinta-feira (22/11), o chefe da secretaria Nacional Antidrogas (Senad), Arnaldo Giuzzio, informou em coletiva de imprensa que a segurança nas fronteiras do Paraguai com o Brasil serão reforçadas em caráter de urgência pelas evidências de avanço do Comando Vermelho no norte do país vizinho. Ao ABC Color, Guizzio confirmou operações nas cidades fronteiriças de Pedro Juan Caballero e Capitán Bado.

    Transferência interna

    Nesta quarta-feira (21/11), a Justiça de SP determinou a transferência de pelo menos 6 integrantes do PCC presos em Presidente Venceslau, no interior do estado: Cláudio Barbará da Silva, o Barbará, Almir Rodrigues Ferreira, o Nenê do Simione, José de Arimatéia Pereira Faria de Carvalho, o Pequeno, Reginaldo do Nascimento, o Jatobá, Célio Marcelo da Silva, o Bin Laden, e Cristiano Dias Gangi, o Crisão. Eles serão mandados para um dos 5 presídios federais que existem no país.

    Os seis são envolvidos na Operação Echelon, investigação feita a partir de bilhetes recolhidos na rede de esgoto da P2 da penitenciária que mostrava como a facção agia e se expandia em outros estados do Brasil e planos de tentativas de resgate de seus membros.

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