Pré Conferência sobre Racismo Ambiental pauta ancestralidade e ativismo periférico

Durante evento no centro do Rio, entidades e setor público assinaram manifesto que lista 10 compromissos públicos de combate ao racismo ambiental e às injustiças climáticas

Cena da Pré Conferência sobre Racismo Ambiental, Eventos Climáticos Extremos e Justiça Climática | Foto: Matheus de Moura/Ponte

Com apenas três meses de vida, o Instituto DuClima mobilizou entidades locais, nacionais e internacionais, com o apoio da Secretaria de Meio Ambiente e Clima da cidade do Rio de Janeiro, para debater racismo ambiental na Acão da Cidadania, no Gamboa, bairro do centro do Rio de Janeiro, em uma pré conferência sobre racismo ambiental, realizada neste sábado (19/8), que antecede o evento que ocorrerá em Petrópolis (RJ) no final deste ano.

Moradora de Petrópolis afetada pelas enchentes e deslizamentos de 2022, Naira Santa Rita Wayand, 25 anos, diretora executiva do Instituto DuClima, explica que o objetivo da entidade é conquistar acordos de comprometimento junto ao Estado e estimular a formulação de políticas públicas que avancem na questão do meio ambiente levando em conta as intersecções com raça e gênero.

Naira Santa Rita Wayand, do Instituto DuClima, fala na Pré Conferência | Foto: Matheus de Moura/Ponte

Um dos temas mais abordado nas mesas da Pré Conferência sobre Racismo Ambiental, Eventos Climáticos Extremos e Justiça Climática foi a ancestralidade, seja pelo candomblé, seja pelas religiões indígenas e até mesmo pelo evangelismo neopentecostal, representado pelo pastor ativista Wesley Teixeira.

Em meio às discussões sobre as soluções por entidades públicas, a vereadora Tânia de Paula, o secretário de Proteção e Defesa Civil de Petrópolis, Gil Kempers, e o presidente do Comitê Municipal de Organização do G20 Rio, Lucas Padilha, assinaram, em comprometimento com a causa do racismo ambiental, o Manifesto da Pré Conferência. O documento lista dez compromissos públicos de combate ao racismo ambiental e às injustiças climáticas. O institutos DuClima coordenou a elaboração do texto junto às entidades citadas no documento.

Na mesa de abertura, a secretária de Meio e Ambiente e Clima da cidade do Rio, Tainá de Paula, evocou a memória da líder quilombola Mãe Maria Bernadete Pacífico Moreira, 72, assassinada no dia último dia 17 em Simões Filho, região metropolitana de Salvador (BA).

“Bernardete, presente!”, evocou a vereadora, que emendou o grito de ordem com a afirmação: “O povo de terreiro e o povo de axe é um povo essencialmente livre.”

Secretário de Meio Ambiente e Clima, Tainá de Paula lembrou de Mãe Bernardete | Foto: Matheus de Moura/Ponte

A memória da mãe de santo foi retomada em inúmeros momentos, inclusive na mesa de fechamento, com temática de ancestralidade, após o canto iorubá da Mãe Iyá Katiuscia de Iemanjá, que reforçou que o Brasil é um país que não tem vergonha de matar seu povo negro: “Falar de racismo ambiental é falar de morte de uma Bernadete.” Trajada com roupas típicas do candomblé, a Iyá explicitou: “Não estou fantasiada para vocês, essa é uma roupa cotidiana que eu deveria poder utilizar no nosso território”.

O papel dos terreiros voltou de outras formas, com Ekedji Angorense, da Rede Afroambiental, explicando que seu terreiro discutia a agroecologia para melhora de vida de seu bairro, Pedra de Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro. “Tudo que dizem que é novo não é novo, a gente já faz há muito tempo… A gente está voltando para algo que foi roubado e a gente precisa resgatar isso porque são os corpos negros que dão respeito à natureza, então a gente merece respeito”, declarou.

Mãe Iya Katiuscia de Yemanjá, Adilson Almeida e Raquel Tupinambá | Foto: Matheus de Moura/Ponte

Ponto similar foi trazido por Pamela Carvalho, moradora do Parque União, uma das 16 favelas a formar o Complexo da Maré, e membro da Redes da Maré, que, baseada num discurso calcado na ancestralidade afro, defendeu que o ser humano não é superior às outras formas de existência, apesar do que defende a perspectiva ocidentalizada. “O homem não pode mudar o curso do rio sem que a natureza permita.”

Juventude periférica ativa

Outros pontos que marcaram o evento foram a movimentação política por jovens periféricos e a importância de democratizar o acesso à informação. Mariana Galdino, cofundadora do LabJaca, explica que o laboratório surgiu na pandemia tentando mitigar a situação da Covid-19 na periferia ao desenhar o que chama de geração cidadã de dados, pois o acesso à informação, segundo Galdino, é essencial para construir soluções políticas.

Marina Galdino, Luan Cazati e Ekedji Angorense | Foto: Matheus de Moura/Ponte

Ela explica que “se a gente não está na mesa discutindo soluções, a gente tem que chamar de genocídio, de um projeto”.

Com apenas 19 anos de idade, o ativista Luan Cazati questionou a centralização dos debates ecológicos na zona sul do Rio, enquanto o jovem periférico muitas vezes fica de fora do debate. Ele ainda defende que temos de ultrapassar o básico de pedir que o Estado nos ouça e passar para a etapa da pressão. “Temos que pressionar e pressionar” afirmou.

Do mesmo modo, Pamela Carvalho defende que o rosto do jovem periférico é também o rosto do ativismo ambiental: “As pessoas pensam em juventude ativista e pensam na Greta, que é uma jovem branca de outro contexto social”.

O evento contou com apoio do Instituto Ethos através da Conferência Brasileira de Mudança Climática, Hivos, WWF, VAC – Vozes pela Ação Climática, Agenda Realengo, O clima é de mudança, Lab Jaca,, Instituto Alana, Resama, Ambiafro, Instituto Marielle Franco, Ministério Público RJ, Global Shapers RJ, MegaFone Ativismo, Climate Reality Project Brasil.

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