“É importante enfrentar essa gente histérica, louca e ignorante”

    Após fazer denúncia que levou à suspensão de um lutador de MMA, acusado de homofobia, jornalista James Cimino defende que é importante “enfrentar os reacionários”

    James Cimino mora em Los Angeles e trabalha para Uol e Globonews | Foto: Facebook

    O repórter James Cimino já foi chamado de muita coisa. De “bandido”, pelo pastor Silas Malafaia, que não gostou de suas perguntas numa entrevista. Ou de “mais impressionante convidado” de uma cerimônia do prêmio Emmy, pela revista People. Em  1º de outubro, foi a vez de Leonardo Moraes, lutador da equipe de MMA do Corinthians, despejar adjetivos sobre o jornalista. Numa conversa pelas redes sociais, o atleta chamou James de “verme” e “bicha do caralho” e foi além, passando dos ataques homofóbicos à ameaça de morte. “QUE VENHA BOLSONARO! E que um verme como você morra”, escreveu Moraes.

    Os xingamentos aconteceram num debate entre o jornalista e o atleta a respeito de uma performance do MAM (Museu de Arte Moderna) que, após mobilização nas redes coordenada pelo MBL (Movimento Brasil Livre), passou a ser chamada de “pedófila” por setores conservadores. Cimino mandou prints da conversa para o Corinthians, que, dois dias após o ocorrido, divulgou uma nota pedindo desculpas pelo comportamento de Moraes e afirmando que o lutador ficaria “suspenso por tempo indeterminado”.

    Cimino, que atualmente mora em Los Angeles, EUA, onde cobre cultura e entretenimento para Uol e Globonews, conversou com a Ponte e defendeu que é importante enfrentar o tempo todo “essa gente histérica, louca e ignorante” para preservar a democracia. “Toda vez que a gente fica com preguiça, toda vez que a gente acha que não vale a pena e toda vez que a gente se intimida, eles crescem. Se a gente não enfrentar os reacionários, essa gente histérica, louca e ignorante, má e perversa, a gente vai virar uma sociedade em que fanáticos religiosos tomam o Congresso, criam um país fundamentalista religioso, onde há censura”, afirma.

    Procurado pela Ponte, Leonardo Moraes não respondeu.

    Ponte – Como um repórter de cultura e entretenimento de repente se viu discutindo estética no Facebook com um lutador de MMA?

    James Cimino – Eu acho isso meio natural, um repórter de cultura entender de cultura e estética. Durante a minha formação universitária, eu estudei arte. Eu já queria ser repórter de cultura e, obviamente, você tem que estudar história da arte, estética, poética, então eu estudei tudo isso. Inclusive para o meu trabalho de conclusão de curso, que foi uma análise semiótica de um show de música pop.

    Mas não é apenas uma questão estética meramente, é uma questão que envolve política, uma milícia que hoje existe no Brasil, que é o Movimento Brasil Livre (MBL). Que, na verdade, está querendo desmantelar qualquer existência de pensamento que não seja de direita neoliberal. Eles querem calar qualquer voz de esquerda. E muitos dos artistas têm esse tipo de pensamento. Eles usam a ignorância do brasileiro e o moralismo religioso do Brasil pra justificar as ações deles. Colam rótulos de pornográficos, de pedófilo em qualquer pessoa que discorde dessa avaliação que eles fazem sobre um objeto artístico. Aquilo foi um prato cheio, né? Tinha uma criança e um homem pelado. Pronto, pedofilia! Eles não analisam o contexto todo da situação. E como, no Brasil, 97,5% da população nunca foi a um museu, um povo que não é afeito à cultura que não seja futebol e novela, pronto, tá aí o prato cheio. Eles acham que cultura só são os museus estrangeiros e eles também contêm nudez.

    Ameaça feita pelo atleta | Foto: Reprodução

    Ponte – Como foi a conversa?

    Cimino – A conversa começou, na verdade, com ele atacando uma amiga minha no Instagram dela. Ela postou uma foto “Somos todos MAM” e me marcou. Nisso, respondeu e começou a atacar a gente. Chamou ela de porca e falou que gente como nós tinha que morrer porque apoiava pedofilia.

    Quando as pessoas me xingam, e em geral por conta da minha sexualidade, eu não ligo. Em primeiro lugar, porque eu não escondo minha sexualidade e não tenho vergonha dela. Em segundo lugar, eu não enveredo nessa seara. Eu não vou dizer que eu sou uma pessoa superequilibrada nas discussões, mas quando a pessoa é muito burra, eu chamo ela de burra mesmo porque me irrita até certo ponto que eu tenho que falar: “você é burro”. Foi aí que eu perguntei onde estava a pedofilia ali. Eu comecei perguntando: “mas o que fizeram às crianças? Você tá querendo dizer que aquele coreógrafo é pedófilo?”. Ele responde em seguida: “vocês têm desculpas para tudo, petistas, esquerdistas, petralhas filhos da puta”. Ele disse que a gente incitava a degradação da família brasileira, começou a falar um monte de barbaridade, até que começou a partir para as ofensas pessoais em relação a mim. Falou que eu merecia morrer e que venha o Bolsonaro pra que gente como eu seja morta.

    Ele começou a me atacar por eu ser jornalista, porque agora ser jornalista pra eles é ser mentiroso, que inventa notícia, canalha, de esquerda e petista. Ele começou a falar que o trabalho dele era mais arte. Eu tirei um sarro e perguntei: “o seu trabalho de ficar se esfregando com macho? Esfregando o rabo e o saco na sua cara?”. Eu questionei: “você já pensou se uma pessoa fala que o seu trabalho pega meninos para treinar, mas na verdade isso é um incitação à pedofilia porque você fica se esfregando come eles de uma maneira que muita gente pode ver como algo sexual, mesmo sendo apenas um esporte?”. Ele ficou puto. Ele mandou um vídeo dele com um amigo, aqueles vídeos que desaparecem e ele sabia que eu não conseguiria gravar e apareceu os dois fazendo sinal de que iam me dar porrada.

    Bom, eu tirei print de tudo e mandei para o Corinthians. Ele postou uma foto minha na história do Instagram dele, convocando para me acossar alegando que eu era pedófilo. Eu fiquei muito bravo, denunciei as duas publicações e o Instagram tirou do ar. Isso é o que ele está falando, não pedi para ele ser demitido, não pedi nada, até porque eu não estou com condições de pedir alguma coisa. Eu só falei o que aconteceu e mandei os prints. Ele falou que o Corinthians não tinha nada a ver com isso e que ele podia fazer o que quisesse nas redes sociais dele e que provavelmente o Corinthians concordava com que ele estava dizendo. No dia seguinte, foi suspenso.

    Então, começou uma campanha na página do Corinthians, o povo xingando o time e também me xingando, falando que eu era aproveitador. Para essas pessoas, se você não concorda com elas, imediatamente você se torna um criminoso. Eu não pedi para ele ser demitido, eu apenas pedi para que o que ele tinha dito fosse retratado nas redes sociais. Eu queria que ele falasse que não tinha provas do que me acusou e me pedisse desculpas. O clube achou que ele deveria ser suspenso, então, foi decisão do clube. Não sou dono do clube, não sou acionista, não sou corintiano e nem de futebol eu gosto.

    Ele começou a falar que eu estava me vitimizando e e usando do meu poder de jornalista para prejudicar uma pessoa humilde. Bom, eu cresci na periferia de Curitiba, filho de mãe solteira, estudei só em escola pública, fiz faculdade estudando de dia e trabalhando à noite, eu também sou de origem humilde. Eu nunca ganhei dinheiro caluniando as pessoas, eu tenho 13 anos de profissão e sou reconhecido pela qualidade do meu trabalho.

    Ponte – Você pretende tomar alguma ação legal contra essas acusações e xingamentos feitos pelo lutador?

    Cimino – Sim, pretendo. Já estou com advogado, nós vamos entrar com uma ação, sim. Eu não vou dar mais detalhes disso porque essas coisas têm que ser tratadas direto na Justiça.

    Cimino com a atriz Cristina Hendricks, no Emmy de 2014, em que roubou a cena | Foto: Instagram

    Ponte – Após a convocação do “bonde” dele, algum deles veio atacar você também?

    Cimino – Sim, algumas pessoas vieram me atacar. Inclusive, me chamando de pedófilo. Teve duas meninas que ficaram o dia inteiro. Elas ficavam comparando casos que não têm nada a ver. Porque as pessoas estão numa ignorância… E nisso eu entendo a revolta das pessoas com a impunidade, porque é algo que me revolta também, a revolta com a corrupção, que é algo que me revolta também. O que eu não entendo, e não compactuo, é o motivo das pessoas colocarem tudo na mesma vala, ou é isso ou é aquilo. Ou é A ou é B, quando o alfabeto vai até Z. Eles falaram pra mim: “então, você também é a favor daquele cara que se masturbou no ônibus”. Eu falei que na questão MAM não tinha ato sexual nenhum e o cara não tinha nenhum histórico sujo por conta disso.

    Eu queria deixar claro o porquê que eu quero processar esse cara, e o motivo de eu ter discutido. É importante que a gente enfrente essas pessoas. Toda vez que a gente fica com preguiça, toda vez que a gente acha que não vale a pena e toda vez que a gente se intimida, eles crescem. Se a gente não enfrentar os reacionários, essa gente histérica, louca e ignorante, má e perversa, a gente vai virar uma sociedade em que fanáticos religiosos tomam o Congresso, criam um país fundamentalista religioso, onde há censura. Isso já está acontecendo no Brasil e aqui nos Estados Unidos também.

    Ponte – Agora, só voltando novamente ao caso. Como você viu a punição dada pelo Corinthians?

    Cimino – Eu acho que a punição dada pelo Corinthians foi por conta do atleta ter associado o discurso de ódio dele ao clube e ter usado o nome do clube. Eu não queria que ele perdesse o emprego e nem que ficasse sem salário, mas a decisão do clube é soberana e não fui eu que pedi. E, sinceramente, se serve de exemplo, as outras pessoas vão pensar duas vezes antes de falar, porque quando dói no bolso dói de verdade. É só assim que as pessoas entendem.

    Ponte – Você já sofreu outros ataques de ódio na rede por ser gay ou por causa de suas opiniões políticas?

    Cimino – Já sofri, sim. Nas redes sociais hoje em dia, principalmente por causa da minha profissão, o que mais tem é gente xingando você por ser gay. Até no meu programa semanal que eu tenho no UOL, Quem deu o que falar em Hollywood?, faço comentários sobre os atores, falando que eles são gatos, e sempre tem alguém que ataca. Eu já recebi ataque de ódio do Silas Malafaia por causa de uma entrevista que eu fiz com ele para o UOL Eleições na campanha de 2014. Ele falou que era contra a corrupção, então eu mostrei um pastor que ele defendia que foi acusado de roubo e ele passava o pano. Falando que “não pode tocar num ungido de deus”, me chamou de jornalista bandido, ficou tentando me depreciar porque eu era gay.

    Ponte – Como é o cenário de ódio que vivencia hoje na América de Trump? E como se compara ao que se vive no Brasil?

    Cimino – A primeira coisa que eu tenho pra falar é que os Estados Unidos é um país racista por definição. Eles se referem no dia a dia às pessoas: “that black guy, that asian girl” (aquele cara preto, aquela garota asiática). Eles acham normal, pensam que estão se referindo às pessoas simplesmente pelo que elas são, mas é obviamente racista.

    A América não é do Trump, a América é dos americanos. Aqui existe um equilíbrio de forcas políticas. No começo, quando ele foi eleito, eu estava com mais medo, agora estou mais tranquilo. Por causa da liberdade de expressão, as pessoas falam os que elas querem, qualquer um pode te xingar, mas, se a pessoa fizer isso em público, ela certamente vai ser repreendida por alguém. No geral, é mal visto.

    Aqui eu não tenho medo de assalto, mas tenho medo das pessoas em geral. Porque aqui as pessoas podem ter armas e te matar por qualquer coisa. Como em todo lugar, existem pessoas boas e ruins. A diferença é que a democracia e seus mecanismo são respeitados, apesar de, assim como no Brasil, existir bastante embates políticos. Fala-se muito de impeachment de Donald Trump, as pessoas esclarecidas sentem muita vergonha de ter um presidente como ele.

    Foto: Instagram

    Ponte – Como você vê os ataques direcionados à exposição Queermuseu e à performance do MAM?

    Cimino – Os dois ataques são muito simples para mim: têm motivação meramente política e utilizam o ódio e a repulsa que uma grande parcela da sociedade brasileira tem pela população LGBT como catalizador da opinião pública contra artistas em geral. Isso é muito claro e também declarado pelo líder do MBL, o Kim Kataguiri. Eles utilizam das inúmeras falhas que os partidos de esquerda tiveram no Brasil, porque se venderam como alternativa à velha política que vinha se fazendo no Brasil, como é o caso do PT, que utilizou os mecanismos mais imundos da política, fazendo distribuição de cargos pra agradar a todas as quadrinhas que ali estão — porque os partidos brasileiros se comportam como quadrilhas, com exceção de pouquíssimos, como, por exemplo, o PSOL.

    Eles justificam os ataques às exposições por conter conteúdo pornográfico e incentivo à pedofilia, dizem que querem destruir os valores cristãos. Aí pegam as pessoas, porque a realidade brasileira é falha, então a população se apega à religião (no caso, te oferece uma qualidade de vida perfeita, só que no além). Isso faz parte de um grande esquema, a bancada evangélica não tá nem ai pra moral de ninguém, nem com os valores familiares, tampouco estão preocupados com questões sociais, com o bem-estar da sociedade. Eles estão preocupados em conseguir poder e com isso ter dinheiro.

    Ponte – Outro dia você comentou em seu Facebook sobre brasileiros que gostam de imitar os rednecks americanos. Como é isso?

    Cimino –Eu estava falando desse povo que fica adquirindo discurso nacionalista dos Estados Unidos, pagando pau pra Donald Trump, que é um cara que detesta qualquer tipo de imigrante, já fez comentários horrorosos sobre brasileiros. E essas pessoas vêm pra cá e começam a agir como se fossem americanos. Inclusive, cheguei a falar da Ana Paula do vôlei, que tem agora uma coluna no Estadão e é a maior amostra disso. Outro dia ela estava criticando os jogadores da National Football League por não cantarem o hino nacional e agiu como se ela tivesse sido ofendida pessoalmente por isso. É uma tentativa de ser aceito e começa a adquirir discurso opressor.

    Ponte – Do que você tem mais saudade do Brasil? 

    Cimino – Dos meus amigos, da minha família, das pessoas que eu amo, basicamente. Da noite e das baladas, porque especificamente aqui em Los Angeles é uma noite ridícula, porque tudo fecha às 2h, não vende mais bebida alcoólica a partir desse horário. No final de semana é horrível. E, claro, sinto muita falta da comida, de ir em um lugar e comer um PF, ir numa casa de suco e tomar um suco natural feito na hora, a variedade de comida nos supermercados. Tenho saudade de como o brasileiro é aberto a se conhecer e comunicar, de como o brasileiro é sexualmente livre.

    Ponte – E do que não tem saudade nenhuma?

    Cimino – Eu não tenho saudade da insistência do brasileiro na ignorância, no atraso. As pessoas têm pensamento elitizado mesmo sendo pobres, mesmo não tendo acesso a tudo aquilo que elas defendem. Eu tenho profundo horror do egoísmo, da maldade, da ignorância da elite brasileira. Tenho profundo asco da política brasileira. Não tenho saudade de como as coisas não funcionam e como o atendimento ao consumidor é horrível.

    Foto: Instagram

    Ponte – O que te fez e te move a ser jornalista? Trocaria de profissão?

    Cimino – O que me fez ser jornalista foi a necessidade de me expressar e de criticar as coisas que eu não concordo e também a minha vontade de querer mudar as coisas que eu acho que estão erradas no mundo. Obviamente que esse idealismo vai acabando com o tempo. As coisas não são como a gente espera quando é jovem. A realidade é muito implacável com os nossos sonhos sempre. E, sim, eu trocaria de profissão porque a gente não é respeitado, é explorado demais, ganha muito pouco. É uma profissão estressante em que poucos conseguem ter uma estabilidade.

    Ponte – Qual maior o orgulho de toda sua carreira? 

    Cimino – Eu sinto mais orgulhos das matérias que causaram mudanças, como é o caso da que eu fiz sobre o metrô de Higienópolis, da gente diferenciada, que impediu que a estação de metrô fosse movida para longe de onde as pessoas precisam. Também fiz uma sobre o colégio Liceu Coração de Jesus, em que eu falei que eles estavam fechando as turmas de ensino médio porque os pais não queriam levar as crianças lá por conta da falta de segurança. Eu fiz uma série de reportagens sobre a censura nas novelas, em que fui buscar informações no Arquivo Nacional em Brasília. Eu fiz também um infográfico sobre os 50 anos do Rolling Stones.

    Ponte – E do que menos se orgulha? 

    Cimino – Eu não tenho vergonha de nada que eu escrevi, porque se eu achasse que a matéria não era boa ou que aquilo ia contra os meus princípios, eu não fazia. Eu sei falar não pra chefe, porque ele não é seu dono. Sempre soube a hora de falar não e, se precisasse, pedir demissão.

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