Preso de 22 anos morre após três meses de agonia e desinformação, denuncia família

Marcelo Gabriel Freire da Silva morreu em 3 de julho após ser internado pela terceira vez se queixando de dor no tórax e falta de ar enquanto estava na Penitenciária de Marabá Paulista, no interior de SP; mãe acredita que houve negligência

Marcelo Gabriel Freire da Silva tinha 22 anos e nunca teve problemas no pulmão antes de ser transferido à Penitenciária de Marabá Paulista, segundo a mãe | Foto: arquivo pessoal

“Meu filho nunca teve problema respiratório”, diz, indignada, a esteticista Renata Freire da Silva, 39. O filho dela, Marcelo Gabriel Freire da Silva morreu aos 22 anos, em 3 de julho, após se queixar de dor no tórax e falta de ar, mas a mãe não sabe ao certo o que aconteceu, já que a certidão de óbito crava “morte indeterminada”.

Ela denuncia que Marcelo ficou ao menos três meses solicitando atendimento médico até ser internado no Hospital Regional de Presidente Prudente, no interior do estado de São Paulo. “Ele ficou internado em abril e maio, drenando o pulmão, mas depois mandaram ele de volta para Marabá Paulista”, afirma. O rapaz cumpria pena por roubo na Penitenciária João Augustinho Panucci, a cerca de 80 quilômetros do hospital, e onde estava custodiado desde outubro de 2021. Foi nessa unidade, segundo a mãe, que as queixas do filho começaram.

Renata mandou fotos tiradas de Marcelo quando pôde vê-lo em videoconferência, já que, por morar na capital paulista, não conseguia visitá-lo como gostaria. A distância entre as duas cidades é, em linha reta, de 568 quilômetros. Nas imagens, que ela pediu para não expor por não querer ter um registro debilitado do filho circulando, Marcelo aparece com o rosto inchado e mostra por debaixo da camiseta branca uma bolsa para drenagem acoplada ao peito. “Foi a última vez que eu vi ele”, lamenta.

A esteticista aponta que enviava alimentação e itens de higiene ao filho por meio de uma outra familiar de preso que fazia visitas à unidade. Por ela, também pedia informações sobre o jovem. “Ele não era levado para a enfermaria e, com isso, começou a inchar”, conta. “Se ele tivesse sido levado desde o início para o hospital, ele não teria chegado a esse estado.”

De acordo com um ofício da unidade prisional, assinado pelo diretor técnico Giulliano Wolf Ribeiro, Marcelo deu entrada no Santa Casa de Misericórdia, no município de Presidente Epitácio, em 24 de junho. Em outro, informa que ele foi transferido para o Hospital Regional de Presidente Prudente em 27 de junho. Esses documentos estão em um processo de pedido de providência de assistência médica à juíza Renata Biagioni, mas não há detalhes sobre o estado de saúde do detento nem o que motivou a internação.

A magistrada determinou o arquivamento do pedido de providências diante da informação do diretor de que o rapaz havia sido internado. “Disseram que o Gabriel passou mal, que ele seria levado para o médico, mas que seriam só alguns exames. Ela [atendente social da penitenciária] não disse que meu filho estava numa situação deplorável, à beira da morte”, critica Renata. “Depois me disse que meu filho ficou intubado e depois de dois dias meu filho entrou em óbito. Foi uma negligência o que eles fizeram”.

A reportagem entrou em contato com as assessorias responsáveis pelas unidades médicas. A Prefeitura de Presidente Epitácio disse, com base na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que só um responsável legal poderia solicitar as informações. Já a assessoria da Secretaria Estadual de Saúde, que responde pelo hospital de Presidente Prudente, confirmou, por telefone, que Marcelo foi internado em abril e maio deste ano por queixa de dor no tórax, além de febre. A última internação também ocorreu por conta desses sintomas, tendo sido identificada uma pneumonia. Porém, declarou que o jovem teve uma piora a partir do dia 2 de julho, sendo que, no dia seguinte, sofreu quatro paradas cardiorrespiratórias e não resistiu.

A assessoria também não soube confirmar a causa da morte, descartou diagnóstico de Covid-19, e sugeriu procurar o Instituto Médico Legal (IML). A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública a respeito do caso, tendo em vista que o médico legista que assinou a certidão de óbito é vinculado à pasta. No entanto, até a publicação, não houve resposta.

A Defensoria Pública, que aparece como representante de Marcelo no processo de cumprimento da pena, disse, ao ser procurada pela Ponte, que “não recebeu qualquer informação acerca da situação de saúde” do detento e que “está à disposição de familiares para análise do caso e de eventuais medidas cabíveis”. Após o contato da reportagem, o defensor público e coordenador regional da Execução Penal de Presidente Prudente, Gustavo Picchi, solicitou informações, nesta segunda-feira (11/7), sobre a internação e circunstâncias da morte do jovem.

Renata denunciou que ainda teve de pagar o transporte do corpo do filho até São Paulo. “Não deixaram eu abrir o caixão para ver meu filho porque alegaram suspeita de Covid. Falaram para mim que se eu quisesse o corpo dele, eu tinha que pagar o translado ou deixar eles enterrarem lá [em Marabá Paulista]”, afirma. “Eu falei ‘como assim? Meu filho estava [custodiado] pelo Estado, vocês têm que me trazer, vocês prenderam ele aqui em São Paulo’. Ele não é daí [Marabá Paulista], ele não mora aí. Eu não tenho um centavo, eu trabalho por conta. Tive que correr atrás [do dinheiro] e pedir ajuda para um monte de gente para conseguir o translado”.

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A mãe afirma que vai processar o Estado. “A minha única paz é que meu filho aceitou Cristo e que ele está com Jesus, mas a minha tristeza é o sofrimento que ele sofreu. Ele morreu de uma negligência porque ele não teve assistência nenhuma”, denunciou, com a voz embargada. “Meu filho estava magro, debilitado, em estado de caveira.”

O que diz a Secretaria de Administração Penitenciária

Há quatro dias, a reportagem questiona a assessoria da SAP sobre o caso. Após a publicação, a pasta encaminhou a seguinte nota:

A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informa que as denúncias da mãe do sentenciado são inverídicas. Marcelo Gabriel Freire Alves recebeu todo acompanhamento de saúde mediante seu quadro clínico, passando desde consultas médicas no presídio até atendimentos em hospitais. Ele deu entrada na Penitenciária de Marabá Paulista em outubro do ano passado quando informou ter sofrido acidente de moto cinco meses antes, com fratura exposta na perna e cirurgia para colocação de placa e pino, sem solicitar atendimento da equipe de saúde, que é composta por médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem. Em abril deste ano, foi atendido pelo médico da unidade e na emergência da Santa Casa de Presidente Epitácio, onde ficou internado até o dia 11/04, quando foi transferido para o Hospital Regional (HR) de Presidente Prudente, sendo submetido à cirurgia para colocação de dreno torácico.

Ele retornou à unidade em 10/05, com uso do dreno. A partir disso, passou a ter acompanhamento constante. Nos dias 02 e 07 de junho esteve em consulta no HR e aguardava agendamento de cirurgia torácica. Em 24/06, após relato de dor no local, foi encaminhado novamente para atendimento emergencial na Santa Casa, de onde foi transferido, em 27/06, para o HR, vindo a óbito em 03/07.  A Unidade instaurou Apuração Preliminar para averiguar as circunstâncias da morte e aguarda os Prontuários de Internação da Santa Casa de Presidente Epitácio e do Hospital Regional de Presidente, assim como do laudo do IML, que esclarecerá a causa do falecimento, uma vez que na Certidão de Óbito consta causa indeterminada.

Reportagem atualizada às 16h28, de 13/7/2022, para incluir resposta da SAP.

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