Destinados principalmente a presos que ainda não foram julgados, CDPs são unidades mais lotadas do sistema prisional de SP; ‘será uma devastação’, prevê médico
Os superlotados Centros de Detenção Provisória reúnem todas as condições – desfavoráveis – para se tornarem a porta de entrada do novo coronavírus no sistema prisional do estado de São Paulo.
Os CDPs são presídios destinados a presos que ainda aguardam julgamento. Muitos deles abrigam detentos já condenados, primários ou reincidentes. Cada cela tem capacidade para 12 presidiários, mas geralmente abriga seis vezes mais. São administrados pela SAP (Secretaria Estadual da Administração Penitenciária), sob responsabilidade do governador João Dória (PSDB).
Leia também:
Sem itens de higiene fornecidos pelas visitas, presos veem risco de coronavírus aumentar
Ao proibir visitas, Estado de SP priva presos de alimento, higiene e até de remédios
‘Sistema prisional é barril de pólvora. Coronavírus foi só a gota d’água’
Dos 48 CDPs existentes no estado, 38 estão superlotados. Oito deles aprisionam o dobro de seres humanos em relação à capacidade de vagas: Pinheiros 3 e 1, ambos na capital, São Vicente e Praia Grande, no litoral, Santo André, na Grande SP, Limeira e Capela do Alto, no interior, e Pinheiros 2, também na capital.
No total, as unidades reúnem 52.977 detentos, 142% acima da capacidade do sistema. No CDP mais cheio, Pinheiros 3, a lotação supera a capacidade em 259%.
Os Centros de Detenção Provisória abrigam aproximadamente um quarto do total de detentos das unidades do estado de São Paulo – que, por sua vez, representa um terço da população prisional brasileira.
Esses presídios para presos provisórios começaram a ser construídos no final dos anos 1990 para receber milhares de presos que antes eram confinados em carceragens das delegacias da Polícia Civil e também os da Casa de Detenção de São Paulo, no Carandiru, zona norte, desativada em 2002.
“A porta de entrada do coronavírus”
Nos CDPs, muitos detentos são obrigados a dormir no chão do banheiro (chamado de boi), onde não há privada e sim um buraco. Outros deitam nas chamadas catacumbas, um espaço apertado entre o chão e a primeira das seis camas de concreto localizadas em dois cantos das paredes de cada xadrez.
Dezenas de presos dormem todos os dias no chão (chamado de praia). Alguns dividem o escasso espaço armando redes. As celas não têm ventilação adequada. Boa parte dos detentos é fumante. A maioria tem problemas respiratórios. A ressocialização no ambiente hostil fica difícil.
O infectologista Jean Gorinchteyn, do Hospital Emílio Ribas, afirma que a população carcerária confinada nos CDPs paulistas corre sério risco de contrair o coronavírus.
Ele explica que todos os lugares com aglomeração de pessoas facilitam a transmissão da doença. Acrescenta, ainda, que a situação é bem pior em locais com grande concentração de pessoas com problemas respiratórios, como ocorre nos CDPs.
Para piorar, segundo Gorinchteyn, centenas de detentos dos CDPs têm comprometimentos de saúde, com condições clínicas desfavoráveis, e isso tudo oferece riscos graves.
O psiquiatra Paulo César Sampaio, ex-coordenador de Saúde da Secretaria da Administração Penitenciária (2008-2012) e presidente do grupo Tortura Nunca Mais, tem a mesma opinião de Gorinchteyn.
“Os CDPS são depósitos de presos. Foram a entrada da tuberculose e de outras doenças infecto-contagiosas no sistema prisional. E, fatalmente, vão ser também a porta principal do Coronavírus entre a população carcerária de São Paulo”, afirma.
Para Sampaio, os CDPs vão sofrer uma “devastação” no caso de uma possível proliferação do novo coronavírus. Ele observou que os presos já têm a imunidade baixa e ressaltou que o ambiente superlotado possibilita a proliferação da doença.
A superlotação nos CDPs também ameaça os agentes penitenciários. No de Praia Grande, um funcionário contraiu o vírus, segundo declarações do secretário da Administração Penitenciária, coronel Nivaldo Restivo ao G1.
Outro lado
Em resposta, a Secretaria de Administração Penitenciária enviou a seguinte nota.
“A Secretaria da Administração Penitenciária informa que segue as determinações do Centro de Contingência do coronavírus. Salientamos que o cenário está em permanente avaliação para o direcionamento de ações visando o enfrentamento do problema. Todas as medidas amplamente divulgadas pelo Governo do Estado de São Paulo, como lavar as mãos com frequência, já foram adotadas nos presídios do estado.
Para prevenção foram afixados cartazes e fornecida orientação direta aos servidores e funcionários para também mantê-los a par dos sintomas e das melhores formas de prevenção. Além disso, outras medidas foram tomadas: suspensão de atividades coletivas, busca ativa para casos similares ao COVID-19, intensificação na limpeza das áreas, restrição de entrada de qualquer pessoa alheia ao corpo funcional, quarentena para os presos que entram no sistema prisional, monitoramento dos grupos de risco, aquisição de termômetros infra vermelho, aquisição de oxímetro digital portátil, ampliação na distribuição de produtos de higiene, álcool em gel e sabonete, distribuição de EPIs como máscaras, horários alternados no refeitório, filas com distância de 1,5 m. Em unidades com inclusão automática de estrangeiros o procedimento é entrar em contato com a Polícia Federal, para verificar se as providências preventivas foram tomadas, e observar se o preso apresenta qualquer sintoma por 14 dias. Os servidores idosos e do grupo de risco estão sendo realocados. As portas de salas administrativas estão sendo mantidas abertas.
A Pasta esclarece ainda que foi elaborado, pela Coordenadoria de Saúde do Sistema Penitenciária, um Plano de Contingência para caso haja suspeita de contaminação com o coronavírus em alguma unidade prisional do Estado. Todo servidor com suspeita de diagnóstico do COVID-19 está devidamente afastado sob medidas de isolamento em sua residência, conforme orientações do Comitê de Contingência do coronavírus e a Secretaria acompanha seu quadro clínico, fornecendo todo o suporte necessário para sua recuperação.”