Cantora foi impedida de embarcar para Salvador (BA), onde fará palestras; segundo agente, bloqueio ocorreu porque cartão da compra não era o dela
Janice Ferreira da Silva, conhecida como Preta Ferreira, alega ter sido vítima de racismo no balcão de embarque da companhia Gol Linhas Aéreas Inteligentes do aeroporto de Congonhas, localizado na zona sul da cidade de São Paulo, na manhã desta quarta-feira (5/2), quando tentava embarcar para Salvador. A cantora e ativista só embarcou quando comprou uma nova passagem.
A cantora usou sua conta no Instagram para denunciar o ocorrido. Em um vídeo, Preta alega que sua empresária comprou a passagem no cartão, mas, foi impedida por funcionários da empresa de realizar o embarque. Eles a questionaram durante o check-in e informaram que não poderia viajar. Foi quando ela desabafou e fez a denúncia. Ela fará palestras e seis shows na cidade.
“A Gol vai ter que aceitar, os racistas vão ter que aceitar que mulher preta tem empresário, que mulher preta pode ter dinheiro, que mulher preta pode pagar com o seu dinheiro, que mulher preta pode ter passagem comprada com cartão internacional comprada pelo seu empresário, sim”, disse a cantora no vídeo.
Preta tem atuação nos movimentos por moradia da capital paulista. Ela é filha de Carmen Silva, liderança desta luta e integrante do MSTC (Movimento Sem Teto Do Centro), responsável pela Ocupação 9 de Julho. As duas foram denunciadas pelos crimes de extorsão e enriquecimento ilícito pelo Ministério Público de São Paulo no ano passado. Preta permaneceu presa por 109 dias.
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A Ponte conversou com Thabata da Fonseca, empresária de Preta e uma das diretoras da Amplifica Music, plataforma que faz produção musical e foi criada para dar visibilidade para artistas negros. Como não mora no Brasil, a empresária usou um cartão internacional para comprar a passagem.
Ela conta que, apesar das restrições judiciais que a cantora precisa cumprir, por responder em liberdade o processo de suspeita de extorsão no qual ficou presa, Preta pode viajar. “A Preta está autorizada a viajar contanto que o juiz seja informado das atividades que ela vai realizar. Os advogados dela solicitaram autorização para essas atividades em Salvador no início de janeiro, mas o juiz só autorizou ontem, por volta das 15h. Então foi quando começamos essa corrida para comprar a passagem”, explica.
Acusada ao lado do irmão Sidney e da mãe Carmen, a cantora deu nome à campanha para libertar as lideranças de movimentos de moradia, presas em junho. Com frase como “Liberdade Pretas” e “Preta Livre”, artistas e personalidades se mobilizaram nas redes sociais e em shows durante os 109 dias que Preta ficou presa.
A empresária conta que a compra foi feita de madrugada para compensar a produção da viagem e a confirmação online foi imediata. “A companhia ligou para o meu companheiro, que é o titular do cartão. A passagem foi emitida depois disso”, afirma Thabata.
Mas quando Preta chegou no balcão de embarque, por volta das 11h da manhã desta quarta-feira, a Gol ligou novamente para o responsável pelo cartão, que é um dos donos da Amplifica, e impediram o embarque.
“Quando eles entenderam que o emissor do cartão era o agente dela, eles alegaram que não poderiam desbloquear o check-in porque não era um telefone fixo esse que falaram com o dono do cartão. Então eles não liberaram o embarque mesmo já tendo debitado o valor da passagem no cartão da Amplifica Music”, conta Thabata.
A produtora afirma que Preta foi constrangida pelos funcionários, que pediram que ela saísse da fila e questionavam o motivo dela ter um agente e se realmente era cantora. Apesar disso, a mulher insistiu a ter uma alternativa para não perder o voo.
“Eles informaram que ela poderia comprar a passagem com o cartão ela, para provar que o dinheiro era dela. Aí ela foi e comprou. Falaram para ela aguardar 10 minutos antes do embarque sem saber se poderia embarcar, mesmo pagando a passagem”, conta Thabata, detalhando que Preta comprou duas passagens por achar que “ela não é a pessoa que tem o cartão, ela roubou o cartão de alguém e está indo viajar”.
Para Flávio Campos, advogado criminalista e integrante da Educafro, o caso indica que a suspeita de fraude recaiu sobre os aspectos físicos de Preta e há incidência de racismo no tratamento recebido pela cantora.
“Era uma mulher negra, que, na visão do funcionário que lhe atendeu, não tinha condições de estar pagando uma passagem de avião por meio de uma empresa que a represente. E ela fez questão de pagar com o seu cartão para demonstrar que ela não precisa de nenhuma fraude para tocar os seus negócios e sua vida”, afirma o jurista à Ponte.
“E as viagens comerciais dos executivos? E as viagens dos representantes do governo? Não são pagas pelo débito em conta das pessoas que estão viajando. Se fosse um homem branco, nas mesmas condições, temos a certeza de que ele viajaria com tranquilidade”, crava Campos.
O que diz a Gol
A companhia aérea foi procurada pela reportagem e, em nota enviada às 20h09 de quarta-feira (5/2), afirmou que Preta foi impedida de fazer check-in por “nenhum dos nomes envolvidos ser titular do cartão de crédito utilizado”. Por isso a empresa teria acionado a checagem de informações “descritos no contrato de transporte aéreo (leia clicando aqui), explicitados no artigo 1.3, item XIII “
“Reforçamos que a prática não tem qualquer ligação com atos de racismo, sendo uma política de segurança aplicada em casos em que a compra é efetuada com cartão de crédito de terceiros. Esse procedimento é normal no ambiente de e-commerce, visando a proteção do portador do cartão de crédito”, assegura a Gol, alegando que “não compactua com quaisquer atitudes discriminatórias e preza pelo respeito e pela valorização das pessoas”.
Atualização às 21h09 do dia 5/2 para incluir posicionamento da empresa Gol.