Casos como o de Márcio Izaías de Almeida — que morreu na Penitenciária 1 de Franco da Rocha, em São Paulo, e sua mãe foi avisada por e-mail — atentam contra a dignidade humana
Márcio Izaías de Almeida estava preso, tinha 35 anos, era cadeirante e diabético. Ele nunca mais fará aniversário, nem verá sua mãe. O detento que, como conta sua mãe, “entrou andando e saiu no caixão”, não pôde contar com a presença dela em seus últimos momentos. A dona de casa Maria Cristina de Almeida, 62, sequer foi informada do óbito do filho com dignidade: ela recebeu um e-mail com a notícia, no dia seguinte à sua morte.
Sim, leitor, um e-mail. A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) apresentou desculpas pelo erro e disse que orientou a servidora que o protocolo é telefonar nesses casos. Mas o governo estadual se calou sobre a própria decisão de restringir a comunicação entre pessoas presas e suas famílias, implementada pelo governo Tarcísio de Freitas.
Esta não é uma história normal, um erro ou um lapso. Márcio precisava de cuidados por conta de sua saúde e, tendo sido condenado, estava sob custódia do Estado que, por vezes, mal oferecia suas doses diárias de insulina. Com uma das pernas atrofiadas, teve três pedidos de prisão domiciliar negados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que em outras ocasiões concedeu o benefício e tem sua parcela de responsabilidade na tragédia. Afinal, qual é a necessidade de se manter uma pessoa cadeirante em regime fechado?
Prisões têm seu lado navio negreiro e a sociedade, em geral, torce para que quem entra lá nunca mais saia, independentemente se é culpado ou inocente. E, uma vez neste lugar, toda e qualquer dignidade e cuidado com o preso são negados. Da limpeza precária durante a pandemia, à comida estragada ou com pedras, passando pela falta de medicamentos e tratamento de saúde adequado, encarcerados são relegados à própria sorte. A máxima nos comentários das redes sociais é a lei: “Tem que morrer lá”.
Márcio não terá seu caso analisado e discutido na imprensa nacional, como o dos golpistas do 8/1, aqueles “pobres inocentes” que ainda recebem atenção pelos seus feitos. Sua mãe, assim como muitas outras mães do cárcere, não terá o apoio da opinião pública para entender o que aconteceu com seu filho e por quê não pôde se despedir dele.
Márcio morreu na condição de não-humano. Contar sua história, dizer seu nome, é registrar sua humanidade — seu direito à vida e ao acesso à saúde, mesmo preso. Trazer o relato de sua mãe sobre a doença e a morte de seu filho é um processo interno coletivamente dolorido para a equipe da Ponte. Ninguém escolhe fazer jornalismo sério para falar de mortes. Nós o fazemos para defender o direito à vida digna e precisamos de você para visibilizar as histórias que ninguém conta.
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