Produtora cultural diz ter sofrido injúria racial durante viagem de Uber: “pessoas de cor sempre dão problema”

O motorista do aplicativo foi preso em flagrante neste sábado (29/04), por injúria racial, após registro de ocorrência da passageira

Marina foi alvo de injúria racial durante viagem feita no aplicativo Uber. | Foto: Arquivo Pessoal

A produtora cultural Marina Ribeiro Oliveira de Araújo, 21 anos, afirma ter sido alvo de discriminação racial por parte de um motorista, durante uma viagem feita por meio do aplicativo Uber, na manhã deste sábado (29/4).

O caso ocorreu enquanto ela fazia o percurso do bairro Belém, região central de São Paulo, até a Cidade Tiradentes, na zona leste. No meio do caminho, o motorista de aplicativo Alexandre Fiorelli Torrecilhas Passos Motta Silveira disse, segundo Marina, que “pessoas de cor sempre dão problemas”. A fala aconteceu após o motorista questionar se a produtora havia mudado a rota da corrida, pois a quilometragem da viagem teria sido alterada sem a solicitação da passageira, que garante não ter feito a mudança. 

O motorista também falou que “uma pessoa de cor” havia o fotografado e que não entendia porque “pessoas de cor” tinham problemas com ele e porque não gostavam dele. Segundo Marina, o homem fez o seguinte relato: “eu não sei porque as pessoas de cor sempre arrumam problema comigo, porque elas não gostam de mim. A escravidão já acabou há tanto tempo, eu não consigo entender porque que elas ainda tem problemas comigo”, relatou Marina à Ponte.

Diante da fala do motorista, Marina se sentiu ofendida e o questionou sobre qual problema ele tinha com pessoas pretas. Depois disso, o homem começou a dirigir o veículo em alta velocidade, amedrontando a passageira, que passou a gravar a conversa. “Falei para ele parar em qualquer lugar. Ele continuou andando e fiquei com muito medo dele não parar, foi muito assustador”.

Além do medo, Marina narra que sentiu revolta. “Liguei pra minha mãe e falei que estava com muita raiva, com ódio. Senti muito medo de essa sensação de impunidade, de me sentir sozinha. É a palavra de um cara branco e de uma menina preta, que é mais nova. Qual vai valer mais? Mas a polícia fez seu papel.”

Ao passar em frente à escola de Sargentos da Polícia Militar, no Tatuapé, na zona leste de SP, Mariana pediu novamente para Alexandre parar o carro e pediu ajuda para policiais militares. “Ele sacou que eu ia denunciar e ele desceu e aí fomos os dois para delegacia.” A jovem registrou um boletim de ocorrência no 30º DP (Distrito Policial) do Tatuapé. 

O condutor da Uber permaneceu em silêncio e foi preso em flagrante e indiciado por injúria racial consumada: “após ofender a dignidade e o decoro da vítima Marina Ribeiro Oliveira de Araujo, em razão de ter supostamente afirmado que pessoas de cor sempre arrumam problema para ele, mesmo após a escravidão ter acabado”, consta no documento da Polícia Civil, assinado pela delegada Renata Tolussi. 

“Ele foi muito racista!”, pontua Marina. Na visão da produtora, a pena de prisão de dois a cinco anos por injúria racial dificilmente será aplicada no caso do motorista, uma vez que para ela, a injúria racial ainda não é devidamente punida no país devido ao racismo estrutural. “A gente sabe como é ser preto no Brasil, provavelmente ele não vai ficar preso. Pelo menos vai rolar o processo, estou tomando as medidas cabíveis”. 

Marina entrou em contato com a Uber e foi orientada a escrever um e-mail para relatar o crime que sofreu. “A minha esperança é que eles tirem esse cara da plataforma para que ninguém passe por isso. Eles fazem toda essa campanha antirracista, o mínimo do mínimo é tirar ele da plataforma.”

Com a intenção de chamar a atenção da plataforma Uber sobre o ocorrido, Marina tornou o caso público no Twitter. “Hoje eu sofri racismo dentro do uber. Uma das coisas mais desesperadoras que sofri. O uber perguntou se eu havia mudado a rota, eu disse que não. E ele começou a reclamar, dizendo que sempre tem problemas com pessoas pretas. Que a escravidão já acabou a muito tempo”, diz um trecho da publicação.

A Ponte procurou a Uber e questionou se o motorista ainda segue cadastrado na plataforma e quais medidas serão tomadas pela empresa. A Uber se limitou a dizer que “a prioridade é a privacidade e segurança de nossos usuários”.

Depois, a assessoria da Uber entrou em contato novamente na segunda-feira (1/5) afirmando que a empresa “não tolera qualquer forma de discriminação e a conta do motorista foi desativada da plataforma assim que recebemos a denúncia”. “Em casos dessa natureza, a empresa encoraja a denúncia tanto pelo próprio aplicativo quanto às autoridades competentes e se coloca à disposição para colaborar com as investigações, na forma da lei”, disse.

A reportagem também solicitou o contato da defesa do indiciado, mas a plataforma não respondeu. A Ponte entrou em contato com o motorista por e-mail e telefone, mas não obteve respostas até a publicação desta reportagem.

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Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo afirmou que o motorista foi encaminhado para a audiência de custódia, após ser detido em flagrante.

Questionado sobre o resultado da audiência de custódia do motorista, o Tribunal de Justiça de SP disse que foi concedida a liberdade provisória ao indiciado mediante as medidas cautelares neste domingo (30). Alexandre está proibido de ausentar-se da cidade de São Paulo por mais de oito dias, sem prévia autorização judicial, ele deve comparecer mensalmente no Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) para justificar suas atividades, além de manter o endereço atualizado nos autos. 

Reportagem atualizada às 15h48, de 1/5/2023, para complementar resposta da Uber.

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