No curso de direito da USP, uma aula de racismo e homofobia

    Eduardo Lobo Botelho Gualazzi ensina em documento enviado para alunos que população LGBT+ é ‘aberração’, defende ditadura militar e fala que casais devem ser formados por pessoas da mesma cor

    Em 2014, Eduardo Lobo Botelho Gualazzi apoiou a ditadura militar durante a aula | Foto: Reprodução/YouTube

    Em uma “carta de boas vindas”, o professor Eduardo Lobo Botelho Gualazzi apresenta suas ideias aos alunos que cursarão com ele a matéria Direito Administrativo Interdisciplinar na Faculdade de Direito da (USP) Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, no centro da cidade de São Paulo. No texto distribuído aos estudantes como linha de raciocínio para o semestre à frente estão presentes afirmações homofóbicas e racistas em pleno primeiro dia de aula.

    Gualazzi expõe suas convicções em 12 páginas escritas em uma máquina de escrever, com folhas preenchidas pelo um logo e o nome da universidade em fonte que remete ao século passado. Já no início da argumentação enviada aos estudantes, o professor cita um texto denominado “Continência a 1964”, utilizando o golpe de estado ocorrido naquele ano, protagonizado pelos militares, e a ideologia impostas pela Ditadura Militar como a diretriz de seu plano de ensino. Em 2014, a aula em que o texto foi lido gerou repercussão fora da USP e revolta entre os estudantes, mas nada foi feito.

    Trecho do documento enviado pelo professor aos alunos | Foto: Reprodução

    Entre os vários temas que a disciplina abordará segundo explicado pela ementa (forma como o documento é denominado na universidade), é no assunto “Família” em que o preconceito fica mais evidente. A partir do livro “Revolução Mundial e Padrões de Família”, de William J. Goode, ele chega à conclusão de que é uma “aberração” qualquer união discrepante do padrão entre homem e mulher. O professor Eduardo Lobo também afirma, ainda na relação da “família tradicional”, o casal deve ser da mesma etnia – no caso, da mesma cor. As declarações atingem também os pobres, chamados por ele de “minoria do submundo”.

    Assumidamente de direita, o professor justifica na carta sua escolha política atribuindo essa ideologia à “edificação da civilização” e abre seus votos na última eleição. Seus candidatos majoritariamente são do PSL: Major Olympio para o Senado Federal, Philippe de Orléans e Bragança para deputado federal – ambos candidatos por São Paulo – e Jair Bolsonaro para a presidência.

    Gualazzi trata a esquerda como inimiga e cita que seus movimentos correspondentes criaram o “pensador da ‘retratação histórica’ e da ‘desigualdade social'”, a fim de “tomar o que é dos outros à força”. O documento do professor termina com a recomendação de toda a obra de Olavo de Carvalho, espécie de guru de Bolsonaro, e com trechos de discursos do presidente do Brasil e de Ernesto Araújo, atual chanceler e outro perseguidos de ideias ditos de esquerda.

    Docente presta “continência” a 1964, em referência ao golpe militar | Foto: Reprodução

    O Centro Acadêmico XI de Agosto divulgou uma nota de repúdio às afirmações de Eduardo Lobo Botelho Gualazzi. O grupo diz que o professor “ignora completamente que o golpe de 1964 representa uma mancha na história da democracia brasileira” e que ele “criminaliza as minorias”, assim como o Presidente da República”.

    Em nota para a Ponte, o diretor em exercício da Faculdade de Direito da USP, Celso Campilongo, garante que “professores são livres e responsáveis pelo conteúdo de seus cursos, opções metodológicas, temáticas, ideológicas e bibliográficas”, mas que é dever dos docentes “enfrentar estereótipos de gênero, raça, cor, etnia, religião, origem, idade, situação econômica e cultural, orientação sexual e identidade de gênero (LGBT), dentre outras”, explica.

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