Vídeo mostra docente com vestes brancas de grupo supremacista transitando pelo pátio da Escola Estadual Amaral Wagner, em 8 de dezembro; secretaria de Educação disse que o afastou e vai apurar o caso
Um professor do ensino médio da Escola Estadual Amaral Wagner, em Santo André, na Grande São Paulo, percorreu o pátio fantasiado de Ku Klux Klan, grupo supremacista branco e racista criado no século 19 nos Estados Unidos que perseguiu e matou negros. O vídeo, gravado por uma estudante que fala indignada da vestimenta, viralizou nesta segunda-feira (20/12).
De acordo com uma docente da escola, o caso aconteceu em 8 de dezembro. “É tradicional, há nove anos, os alunos fazem suas Olimpíadas [esportivas] interclasses e os alunos do 3º ano [do ensino médio] fazem seu dia temático e estavam fantasiados, não todos”, explicou. “E, totalmente fora de contexto, o professor se veste de supremacista branco, [fantasia] que não foi feita de TNT [tecido], não é uma roupa improvisada, é uma roupa elaborada, e transita no meio dos alunos”.
O professor fantasiado é Luiz Bortolo e leciona História na escola. Segundo essa colega, “a cada vez que ele é questionado, ele muda a narrativa” sobre a motivação da fantasia. “Agora ele está dizendo que ia encenar uma peça de teatro, mas a gente não sabe o conteúdo desse texto, esse texto não foi apresentado”, afirma. “O que a gente quer é um reparação, para a comunidade escolar, para que fatos como esse não voltem a acontecer, porque os nossos continuam morrendo por grupos de extermínio”.
A Atlética da escola publicou uma nota afirmando que o desfile das fantasias dos estudantes era feito na quadra e o professor adentrou o local, “foi vaiado e retirado da quadra pelos estudantes e membros do Grêmio e da Atlética que estavam presentes na hora do ocorrido, tirando a fantasia” e o encaminhando para a direção. Também informaram que a unidade escolar se retratou com os representantes de sala “afirmando que a escola não compactua com nenhuma atitude, pensamento ou ideias racistas ou preconceituosas e solicitou que os mesmos repassassem esse esclarecimento as suas respectivas salas”.
A comunidade escolar marcou um protesto em frente à escola nesta quarta-feira (22/12), às 15h. “A gente vem pedindo para que o professor, a direção da escola façam uma retratação pública porque, de lá para cá, o que vem acontecendo é uma tentativa de proteger o professor, a postura da direção é de abafar o caso”, declara a docente que preferiu não se identificar. Ela afirma que nunca presenciou o professor proferindo declarações racistas ou extremistas.
Em um site, o diretor da escola Wagner Luiz Bonifácio dos Santos publicou uma nota em nome da comunidade escolar na qual aponta que o professor “reconheceu que sua ação foi infeliz ao usar a vestimenta” e fez uma carta “pedindo desculpa a toda comunidade por seu ato impensado” e aos demais colegas durante reunião do Conselho de Escola. Também informou que, por conta do episódio, o Conselho de Classe refletiu sobre o tema e que a escola “irá introduzir temas de “Ações antirracistas”, o qual será inserido de forma gradual e contínua em nossos projetos permanentes no próximo ano, envolvendo todos os atores em formação em nosso projeto pedagógico escolar, levando assim professores, alunos, funcionários e a comunidade em geral a refletir e criar ações que visem a construção de uma sociedade inclutora (sic) e alicerçada na ética humana planetária”.
O que diz o governo
A Ponte questionou a Secretaria Estadual de Educação, que encaminhou a seguinte nota:
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) informa que, assim que soube do caso, abriu apuração preliminar e afastou imediatamente o professor envolvido, que é efetivo, até o término da apuração. A Diretoria de Ensino de Santo André formou uma comissão interracial para averiguar os fatos. A Pasta não admite qualquer forma de discriminação e injúria racial. Com o compromisso de combater casos de racismo, a Seduc-SP trabalha veemente na formação de toda a rede com a Trilha Antirracista, bem como atua na promoção de um ambiente solidário, colaborativo, acolhedor e seguro nas escolas. A gestão da unidade e a Diretoria de Ensino de Santo André estão à disposição de pais e/ou responsáveis para esclarecimentos.
Em uma carta divulgada em redes sociais, o professor Luiz Bortolo se diz “profundamente antirracista” e que o episódio foi um “grande mal entendido”. Na carta, sua versão dos fatos é a seguinte:
Desde 2017, ainda na Escola Oscavo de Paula, monto uma peça teatral de denuncia do racismo, no mês da consciência negra, em que existem personagens vestidos de Klan. Nesse ano, na Escola Amaral Wagner, pretendia fazer o mesmo, com o conhecimento e autorização verbal da direção escolar. Mas não foi possível por conta da pandemia, razão pela qual a peça deveria ser filmada. No dia 8 de dezembro, na festa de final de ano da escola, professores e alunos foram convidados a vir fantasiados. Nesse momento, no desejo de me alinhar aos alunos, já fantasiados, peguei a veste da KK Klan que estava em meu armário e a vesti, para divulgar a nossa peça teatral, que seria agora encenada e apenas filmada, e distribuída a todas as classes, por causa da pandemia, mas depois, seria apresentada na semana do 13 de maio, por ocasião da libertação formal dos escravos. Muitos dos meus alunos entenderam perfeitamente o que aconteceu. Neste momento, fui filmado por celular e essa filmagem gerou a denúncia contra mim, por pessoas que desconheciam o contexto. Fiquei pouquíssimo tempo vestido com tais vestes, porque de fato não faria sentido permanecer com elas mais tempo. Peço aqui desculpas sinceras pelo choque causado, mas reitero que a intenção era a divulgação da nossa peça teatral. Porque de fato a simples visão da indumentária desses racistas facínoras, a quem eu repudio, é digna de asco.
Reportagem atualizada às 15h38, de 21/12/2021, para incluir posição da direção da escola.
Reportagem atualizada às 14h40 de 26/12/2021 para incluir a posição do professor.