Professora denuncia abordagem violenta de PMs em São Paulo: ‘fui agredida’

Érica dos Santos Barbosa, 36 anos, teve ferimentos na cabeça e nos joelhos. Agressões teriam começado após pedido de policial feminina para revista

Érica teve ferimentos na cabeça e nos joelhos após abordagem policial | Foto: Arquivo pessoal

A professora Érica dos Santos Barbosa, 36 anos, denuncia ter sido agredida por policiais militares em abordagem no começo de janeiro na Rodovia José Simões Louro Júnior, em Itapecerica da Serra, município da Grande São Paulo. Segundo a educadora, as agressões começaram quando ela pediu que a revista pessoal fosse feita por uma policial mulher. Negra e vestindo trajes entendidos como masculinos no dia da abordagens, ela vê lesbofobia na ação dos PMs.

Érica conta que voltava para casa em um Uber no dia 5 de janeiro, quando foi dada ordem de parada pela polícia. Não havia blitz no local naquele momento, descreveu a professora à Ponte

Mesmo assim, o sargento Valmir Moraes e o soldado Wellington Souza de Oliveira teriam dado ordem para o motorista descer do veículo, momento em que, segundo Érica, ele informou que estava em corrida. Os PMs teriam ordenado que ela também descesse do veículo, ordem que a professora contou ter seguido. 

Ela diz que ofereceu aos agentes o RG, mas que a exigência foi para que ela fosse para trás do carro e levantasse as mãos para ser revistada. “Eu virei para eles e falei que aceitava ser a revista, mas com uma policial feminina”, afirma. 

A polícia pode abordar pessoas sem ordem judicial desde que o policial tenha a suspeita “de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis”, conforme prevê o artigo 244 do Código de Processo Penal.

Quem é abordado tem direito de saber o motivo e a identificação do policial, com nome visível na farda. No caso de mulher cisgênero ou pessoa trans que se identifica com o gênero feminino, é direito dela ser revistada por uma policial feminina (além de ter sua identidade respeitada). Apesar disso, o artigo 249 do CPP tem uma brecha que dão margem para que policiais homens possam fazer essa revista justificados no seguinte trecho: “A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência”.

O mesmo CPP dispõe que, durante o enquadro, o policial deve agir com respeito e educação, sem proferir xingamentos ou fazer humilhações.

O pedido de Érica aos policiais provocou uma reação violenta, diz ela. “Eles falaram que quem mandava eram eles. Foram bem truculentos, colocaram arma no meu rosto”. Na versão da professora, o soldado Souza a pegou pelo braço e em seguida a imobilizou no chão. Ela diz ter sentindo o peso do corpo de um dos agentes sobre o seu nos minutos em que ficou inerte. 

Ferida na cabeça e nos joelhos, Érica foi algemada e colocada no camburão da viatura, onde passou a sofrer violência psicológica, segundo relatou. “Falaram ‘hoje você está com sorte, se não a gente ia levar te mostrar como que as coisas funcionam”‘, conta a professora. 

Antes de ser levada até a delegacia de Itapecerica da Serra, município vizinho à capital, Érica foi conduzida ao Pronto-Socorro do Jardim Jacira, também na zona Sul de São Paulo. Mesmo durante o atendimento, ela conta que ficou algemada. 

Apenas na delegacia de Itapecerica é que ela foi libertada das algemas e informada do boletim de ocorrência registrado por desacato — que tem pena de detenção de seis meses a dois anos, ou multa.

No BO, os policiais afirmam que a professora se negou a botar as mãos atrás da cabeça e passou a desacatar os policiais, dizendo “eu não vou fazer isso, não sou bandida, vão prender ladrões, não obedeço nem minha mãe”.

Os PMs alegaram ainda que Érica resistiu a entrar na viatura, “sendo necessário o uso de força moderada para contê-la e ela caiu no chão”. 

A professora diz que não tem noção de quanto tempo passou na viatura e conta só conseguiu falar com familiares quando já estava na delegacia. Ela também só teve acesso aos seus pertences uma bolsa com objetos pessoais — quando o BO foi finalizado. O RG e uma case de fones de ouvido que estavam guardados na sacola desapareceram depois da abordagem.

Para Érica, o tratamento a ela dado foi motivado também por lesbofobia. “Pela minha cor de pele, por eu ser uma mulher lésbica, masculinizada, de trajes, da forma que a sociedade me vê. É um machismo contundente de um policial olhar e colocar a arma no seu rosto e falar para você que ele que manda”, afirma. 

Ela conta que tentou registrar as agressões sofridas na mesma delegacia, mas foi desmotivada a notificar. “A escrivã virou para mim e falou, mas você quer abrir um boletim de ocorrência contra o quê?”.

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Érica conseguiu registrar um BO três dias após os fatos. “Eu só exigi o meu direito contra essa situação. Mas, infelizmente, em momento algum fui ouvida, respeitada. Eu fui agredida”, diz. 

O caso foi levado por Érica até a Ouvidoria das Polícias. Por meio da assessoria, o órgão informou que abriu procedimento para apurar o caso e pediu providências à Corregedoria da PM. 

Outro lado 

A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) questionando o protocolo seguido pelos policiais, se as imagens das câmeras corporais foram pedidas pelo delegado responsável pelo inquérito e se a Polícia Militar de São Paulo tem passado por treinamentos para evitar abordagens violentas em especial com a população LGBT. Em nota, a SSP-SP informou que delegacia de Itapecerica da Serra fez diligências complementares (sem especificar quais foram elas) ao caso e que o inquérito ainda não foi concluído.

A SSP-SP também disse que as abordagens policiais seguem parâmetros técnicos e que a PM tem a Divisão de Cidadania e Dignidade Humana que revisa protocolos de abordagem.

Veja nota na íntegra:

A Polícia Militar esclarece que a abordagem policial obedece aos parâmetros técnicos disciplinados por Lei e são padronizados por meio dos chamados Procedimentos Operacionais Padrão. Ao longo dos anos, a Polícia Militar tem buscado evoluir e aprimorar sua atuação de maneira contínua. A PM criou a Divisão de Cidadania e Dignidade Humana e revisou os protocolos de abordagens. A instituição oferece cursos voltados aos direitos humanos para os policiais militares, com o objetivo de promover discussões e o aperfeiçoamento dos trabalhos, sempre garantindo a igualdade social, diversidade de gênero e o direito de manifestação. Qualquer conduta em desconformidade com esses princípios e protocolos são apuradas em suas esferas disciplinar e/ou penal, conforme o caso. A Instituição segue à disposição para registro e apuração de eventuais denúncias.

O caso citado pela reportagem é investigado pela Delegacia de Itapecerica da Serra, que realizou a oitiva das partes envolvidas e testemunhas. Outras diligências seguem em andamento para o total esclarecimento dos fatos. Detalhes serão preservados para garantir a autonomia ao trabalho policial.

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