Promotor relaciona pobreza com aumento de mortes pela PM

    Secretário de Políticas Criminais do MP, Arthur Lemos considera letalidade preocupante: “Polícia está mais presente, de outro lado, as pessoas estão com menos dinheiro”

    As mortes cometidas por policiais em São Paulo cresceu durante o isolamento social provocado pela pandemia de coronavírus. Uma pessoa morreu a cada 6 horas ao longo de abril, conforme noticiado pela Ponte em 30 de maio. Segundo o MPE (Ministério Público Estadual), órgão responsável pelo controle externo das polícias, o crescimento gera preocupação.

    À Ponte, o promotor Arthur Lemos, secretário de Politicas Criminais do procurador-geral Mário Sarrubbo, no cargo desde abril de 2020 como substituto de Gianpaolo Smanio, considera haver alguns fatores responsáveis por este aumento.

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    “Talvez em alguns setores, regiões da cidade, não haja isolamento como há em outras áreas. Talvez mais em comunidades, não haja esse isolamento. A polícia está mais presente nos locais, de outro lado, as pessoas estão com menos dinheiro. Acho que há um conjunto de fatores”, afirma.

    O G1 divulgou, nesta terça-feira (23/6), que de janeiro a abril deste ano 98 pessoas foram mortas por batalhões da capital paulista e 80 na região metropolitana de São Paulo, o que dá um aumento de 44% e 60%, respectivamente, na comparação com o mesmo período do ano passado.

    Lemos defende a atuação do MP e avalia que ela tem sido pró-ativa, já que tem estado atenta ao aumento geral de mortes provocadas por policiais, bem como acompanhado casos específicos, como o sequestro e morte de Guilherme Guedes, 15 anos, na zona sul de São Paulo. O PM Adriano Fernandes de Campos está preso e é apontado pela Polícia Civil como principal suspeito do crime.

    “Não há nenhum caso concreto que se possa dizer que o MP deixou de atuar. Não tem escapado nada”, define o secretário de Políticas Criminais.

    Ponte – Como está a criação do grupo de segurança pública no MP?

    Arthur Lemos – Ainda não foi criado, falta pouco. Está em um órgão especial do MP, já tem relator e ele está apreciando a proposta. Logo mais devemos estar criando.

    Ponte – De que forma vocês receberam o caso de sequestro e morte do Guilherme, cujo suspeito principal é um PM?

    Arthur Lemos – É um caso muito grave, realmente preocupante e designamos promotores do júri para acompanhar a investigação. Logo que aconteceu deliberamos pela designação [do promotor]. É como temos feito em todos os casos concretos que aparecem. Designamos, entramos em contato com a autoridade, DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa) neste caso, e o profissional anda com as próprias pernas acompanhando a investigação. Estamos à disposição para prestar auxílio à pessoa se necessário.

    Ponte – Chama a atenção a participação de um PM?

    Arthur Lemos – A situação, logo após a ocorrência do fato, de um procurador designar alguém para acompanhar é sinal claro de que a gente considera grave, preocupante e que precisa ter acompanhamento para desde o começo a apuração ser bem feita. Tudo para que o promotor não seja surpreendido ao final da investigação.

    Ponte – O PM Adriano, preso como suspeito pelo crime, é dono de uma empresa que fazia irregularmente a segurança de um terreno. Como o MP avalia esta situação?

    Arthur Lemos – Se é contra a lei ou não, não posso te dizer. Era o horário dele de folga, isso precisa ser apurado para ver se realmente estava a serviço de alguém, não posso fazer comentário antes de toda a investigação. Não dá para me precipitar. Se há alguém contratado para matar as pessoas que supostamente estariam causando transtorno, com isso o MP está preocupado. Não posso afirmar que a situação ocorre na região [zona sul de SP]. Não é a primeira vez que suspeitamos que isso possa acontecer, já tivemos situações como essas vivenciadas. Neste caso, não podemos afirmar, será objeto da investigação. Temos acompanhamento muito próximo de mortes por intervenção policial, há um funcionário que só faz isso, gráficos com vários critérios de cortes para estabelecer os batalhões, o perfil de vítima, e fazemos um acompanhamento muito próximo.

    Ponte – As mortes provocadas pela polícia aumentaram na quarentena, mesmo com menos pessoas nas ruas com o isolamento social. Por que isso ocorre?

    Arthur Lemos – Talvez em alguns setores, regiões da cidade, não haja isolamento como há em outras áreas. Talvez mais em comunidades, não haja esse isolamento. A polícia está mais presente nos locais, de outro lado, as pessoas estão com menos dinheiro. Acho que há um conjunto de fatores. Uma coisa eu sei: não houve ordem institucional da corporação para que houvesse maior violência, por parte da secretaria (da Segurança Pública, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos), com certeza não houve. Outros fatores contribuem para isso. Fato, mesmo, é que há um aumento do confronto da polícia e as notícias de abuso aumentaram.

    Ponte – De que forma o MP atua para reduzir estas mortes e violações?

    Arthur Lemos – Estamos dialogando com a Polícia Militar, com o Comando, e cada caso que aparece o MP acompanha. É o que temos feito. Esse não é o dia a dia da polícia. Aumentou mesmo, é fato, mas a polícia não se resume nisso.

    Ponte – Nesta semana tivemos um caso em que um homem negro perdeu três dentes ao ser atingido na boca por um tiro de bala de borracha dado por um policial. O MP acompanha?

    Arthur Lemos – Irei designar promotor também para apurar esse caso e saber corretamente o que aconteceu. Estive em contato com os familiares, com seu advogado, já conversamos no gabinete do procurador-geral [Mário Sarrubbo] sobre isso e amanhã teremos alguém acompanhando de perto. Qualquer confronto com vítima é importante. Temos que ouvir os dois lados, não tenho a outra versão [da polícia]. Ficamos sempre preocupados.

    Ponte – Há movimentos sociais que criticam o controle externo da polícia feito pelo órgão, de que é pouco atuante. Considera a crítica válida?

    Arthur Lemos – A crítica está muito genérica, precisa explicar melhor o que eles querem dizer com isso. O MP acompanha de perto, não apenas casos concretos, mas também de uma forma mais global, abrangente, toda atuação tanto da Polícia Judiciária, quanto a Militar. Fazemos visitas periódicas, reuniões. Soltaremos nota técnica relacionada com o controle externo da atividade policial, por exemplo, sobre várias atividades que acontecem em todo esse assunto. Tratamos de casos concretos e orientações aos colegas, de como a investigação se dá.

    Ponte – E com as corporações e a Secretaria da Segurança?

    Arthur Lemos – Temos conversa com a cúpula da Polícia Civil e da Militar. A da Militar esteve no gabinete do procurador, conversamos sobre o aumento do índice de violência. Há preocupação e acompanhamento muito próximo. De outro lado, a criminalidade durante a pandemia se diversificou um pouco. Houve aumento nos roubos a veículos em semáforo, nos roubos a banco, uma série de alterações. A presença da polícia nas ruas possibilita abordagem nas pessoas que ali estão, e com isolamento há menor número. Aumenta o confronto, a reação, e a violência também. Acho que uma coisa contribui com a outra, um conjunto de fatores, não um único. O MP acompanha muito próximo todas essas situações. Não temos uma hierarquia administrativa. A polícia não integra organicamente o MP, o controle é um controle ao mesmo tempo difuso e concentrado. Não há nenhum caso concreto que se possa dizer que o MP deixou de atuar. Todos os casos que reputamos sérios dentro do MP, estamos acompanhando, não tem escapado nada.

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