Agentes de segurança criticam reajuste salarial de 5% dado pelo governo paulista após 5 anos sem aumento: ‘a polícia em geral não suporta o PSDB’, diz tenente
Inimigos da segurança pública. Assim as forças policiais chamaram os últimos três governadores do estado de São Paulo: José Serra, Geraldo Alckmin e o atual governador João Doria, todos políticos do PSDB em ato na tarde desta segunda-feira (4/11), na rua Brigadeiro Tobias, centro da cidade de São Paulo.
Policiais civis, militares, peritos criminais e agentes penitenciários se uniram para caminhar pelas ruas do centro de São Paulo contra o reajuste salarial de 5%, anunciado por Doria na última quarta-feira (30/10). Um ato pelo resgate da dignidade dos policiais e a favor da sociedade, como descreviam os policiais que subiam no carro de som.
A queixa envolve promessas do governado enquanto ainda era candidato. Na campanha eleitoral, Doria garantiu que as policias de São Paulo teriam o “melhor salário do Brasil”. Para os manifestantes, algo longe de ser realidade. O ato começou às 14h em frente ao DHPP (Departamento De Homicídios e Proteção à Pessoa) e terminou na SSP (Secretaria de Segurança Pública), também no centro da capital, trajeto em torno de 1,5 quilômetro. A organização contabilizou a presença cerca de 10 mil pessoas no ato.
Durante a manifestação, os policiais chamavam Doria de “pinóquio”, “mentiroso”, “marqueteiro”, “vagabundo” e “covarde”. Frases como “uma polícia nota dez merece respeito”, “uma polícia nota dez merece salários dignos”, “uma polícia nota dez quer fazer com que o serviço prestado seja nota dez para a população de SP” e “não aturaremos ser massa de marketing, não aturaremos ser massa de manobra” eram ditas no microfone. A referência era ao programa Policial Nota 10 instituído por Doria, no qual ele premia policiais nos dias 10 de cada mês por terem se destacado em atuações no mês anterior.
“Esse reajuste representa uma afronta para a Polícia Civil, Militar e os agentes penitenciários. Ele nos vendo pode ser que comece a entender a verdadeira intenção da polícia. Agora temos todas as carreiras, não estamos separados ou divididos, temos a segurança pública do nosso lado e a população também ficará”, disse à Ponte uma escrivã da Polícia Civil que não quis se identificar com medo de represálias.
O também escrivão da polícia Heber Souza, 45 anos, desabafa sobre a desmotivação que agentes de segurança lidam diariamente. “A Polícia Civil não vem sido reconhecida há muito tempo, tanto na questão salarial quanto na questão humana. Há uma defasagem crítica no quadro de policiais e no salário, por isso estamos unidos nas ruas. O que o governo faz atrapalha o desempenho da polícia e consequentemente a segurança pública. Um policial insatisfeito trabalha mal. Nós dependemos do salário, que são baixos, é impossível manter a família nessas condições”, diz o homem, que foi ao ato com o filho pequeno no colo.
Em entrevista à Ponte, o coronel da PM Elias Miler da Silva, presidente da Associação Defenda PM, integrante da corporação há 34 anos, também critica os salários. “É um absurdo você ver um delegado de São Paulo ganhar menos do que um investigador do Mato Grosso. Um coronel daqui ganha menos do que um capitão do Mato Grosso. Ninguém tá falando em super salários, só que ele cumpra a promessa dele. O melhor salário não começa com 5%. Ele [João Doria] está com gracinha, está com piada, está fazendo a população e os policiais de bobos”, aponta o PM.
“Ele está passando dos limites, abusando, fazendo uma polícia que é ordeira e que sempre foi trabalhadora se voltar contra ele. Isso aqui é o início de uma onda de movimentação contra aquele que fica mentindo e enganando. Você não engana a população e muito menos policiais acostumados a lidar com estelionatários, isso que ele tá fazendo é um estelionato em cima da polícia”, conclui o coronel.
O tenente PM da reserva Antonio Mangaba, que atuou na polícia por 30 anos, recorda o alto índice de suicídio entre policiais. “A polícia em geral não suporta o PSDB. Estamos sofrendo mais de 20 anos com o PSDB governando São Paulo, não só os policiais como toda a população, pois um ato nosso reflete na população. Se aquele que vai dar segurança para a população não está bem financeiramente e psicologicamente, não está bom. O número de suicídio está muito alto, é só procurar, os números estão muito altos. Isso é um problema grave, não só na polícia como na sociedade”, critica o PM que aponta problemas no salário, no treinamento, no número de policiais ativos e na qualidade dos materiais disponibilizados.
Para Gustavo Mesquita Galvão Bueno, presidente da ADPESP (Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), o ato mostra, além da união das polícias, que as forças não são valorizadas pelo governador. “É uma luta não dos policiais, é uma luta de toda a sociedade. A nossa mensagem é para a população, porque uma polícia valorizada e motivada vai poder prestar um serviço ainda melhor. Isso é uma medida de esclarecimento para que a população não seja enganada pelas sucessivas campanhas de marketing do governador João Doria, que usa essas forças policiais, que ele não valoriza, para apresentar uma segurança pública de excelência”, aponta.
Segundo o delegado, São Paulo “está longe de ter uma segurança pública de excelência”. Ele argumenta que os indicadores positivos se devem ao trabalho e da boa vontade vinda dos policiais. “Por que se fosse depender de alguma valorização do governo, nada seria possível. Não vamos mais admitir, não vamos mais tolerar que o governador João Doria use as forças policiais como elementos de sua bandeira de segurança pública para fins eleitorais. Tentamos diálogo por muito tempo, mas ele não nos recebeu. Pelo contrário: continuou apenas criando expectativas e fazendo promessas”, completa.
Para Raquel Gallinati, presidente do SINDPESP (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), a união das forças de segurança pública é um ato inédito. “Hoje, a polícia, civil e militar, técnicos científicos, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária), os integrantes da segurança pública, estavam juntos por um propósito: exigir respeito. Precisamos de uma estrutura não só de salário, mas para a contratação de policiais, em armamento e equipamentos. Se estamos todos juntos nas ruas hoje, isso significa a incompetência de todos que integram esse governo”, disse a delegada à Ponte.
“O governador do estado de São Paulo anunciou durante toda a sua campanha política e ao longo desses dez meses de mandato que iria implementar um pacote de melhorias e, semana passada, ele anunciou um pagamento de 5% de aumento. Seria obrigação dele ter pago em março. Isso significa o menosprezo, o descaso e a irresponsabilidade com a população de São Paulo a partir do momento em que ele não valoriza os integrantes de segurança pública”, conclui Raquel.
Eduardo Becker Taglirarini, presidente do SINPCRESP (Sindicato dos Peritos Criminais de São Paulo), critica a falta de reconhecimento dos agentes policiais. “O governador está equivocado ao ofertar apenas 5% de reposição salarial após cinco anos sem termos uma reposição salarial digna. Nós estamos buscando o reconhecimento do servidor policial, perito da segurança pública e dos agentes penitenciários”, critica Becker, que atua há 17 anos na polícia paulista.
“Esse ato de hoje é uma valorização da segurança pública, seja na questão salarial, em prédios, em equipamentos, em armamentos e em viaturas, para ofertar o melhor serviço à população. Antes de tudo o policial é um ser humano”, critica Becker.
O agente penitenciário Alberto Pimenta, 44 anos, fala sobre a necessidade dos agentes de segurança pública fazerem bicos para conseguir sobreviver. “Estamos reivindicando nossos direitos devido à situação que o estado se encontra. O governo promete e nunca cumpre. Estamos sem ajuste salarial desde 2014, tanto os agentes quanto os policiais civis e militares. Isso vai desmotivando. Nós temos família, temos as nossas obrigações e o que estamos ganhando não dá para sustentar as nossas famílias. Muita vezes temos que fazer um bico ali e um bico aqui para ajudar no nosso salário. O governo não nos valoriza”, lamenta Pimenta.