‘Fora Bolsonaro Racista’: movimentos marcham no Dia da Consciência Negra

Protesto marca 18ª passeata dos movimentos negros em São Paulo; pedido de impeachment do presidente pela condução da pandemia que deixou mais de 610 mil mortos e assassinato de João Alberto Freitas, morto há um ano por segurança do Carrefour, também foram motes do percurso

Protesto do Dia da Consciência Negra, 20/11/2021, na Avenida Paulista
Protesto do Dia da Consciência Negra, 20/11/2021, na Avenida Paulista | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

O dia 20 de novembro de 2021 marca os 50 anos do Dia da Consciência Negra no Brasil, quando ativistas do Grupo Palmares, em 1971, escolheram a data como resistência e luta em memória a Zumbi dos Palmares. Mas só após 40 anos, em 2011, se tornou feriado nacional reconhecido em lei. Como acontece há 18 anos, a marcha de movimentos negros na capital paulista ocupou as ruas do centro da cidade. A concentração começou por volta das 12h em frente ao MASP (Museu de Arte de São Paulo), na Avenida Paulista, e terminou em frente ao Theatro Municipal, neste sábado (20/11), contando com projeções da Feira Preta.

O protesto foi organizado pela Coalização Negra por Direitos e Convergência Negra, com apoio da Anatorg (Associação das Torcidas Organizadas), Central de Mídia das Frentes Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo. O mote foi “Fora Bolsonaro Racista” e “não há mediação com quem nos mata”, articulando-se em ao menos 118 atos confirmados nas cidades brasileiras e outros quatro países, segundo a organização.

Babalorixá David Dias | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Um dos primeiros que passaram a ocupar a faixa da Avenida Paulista foram os integrantes do Templo Umbandista Pai João de Angola, que fez uma saudação ao orixá Exu com cantos. “Clamamos para ele vir conosco nessa luta na rua”, conta o babalorixá David Dias, 39. “Exu é um orixá que se manifesta tanto no terreiro quanto na rua, então por ser um orixá da rua, ele é cultuado no meio da rua”.

Todos de branco e com uma faixa “terreiro resiste”, ele conta que o principal motivo que o levou a estar presente é exigir respeito pelas religiões de matriz africana e cobrar responsabilização em casos de racismo religioso. “Hoje estamos numa sociedade preenchida pelo fundamentalismo religioso que é comandado de alto para baixo, então o poder executivo, o governo federal, todos que estão acima dos terreiros estão massacrando os terreiros e destituindo nossas identidades”, critica. “Infelizmente, estamos vindo para rua para clamar por sobrevivência pois os nossos povos, nossas casas, nossas identidades estão sendo apagadas, o poder público precisa ver que a gente precisa de ações eficazes e que o terreiro de umbanda carece de proteção”.

Ele aponta que a polícia e as delegacias especializadas não dão a devida atenção às denúncias. “As polícias, o DECRADI (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), o Ministério Público e os governos precisam investigar e punir essas ações. Existe um mecanismo, inclusive no STF, que é formado por ministros declaradamente evangélicos, que julga o que é certo e errado para a comunidade deles”, prosseguiu.

Ao contrário dos integrantes do templo umbandista, que costumam estar presentes na marcha, a merendeira escolar Rose Elói, 59, participava pela primeira vez do protesto. Ela toca e canta no bloco afro É Di Santo há 15 anos, mas nunca tinha participado de uma passeata pelo Dia da Consciência Negra. “Eu vim ocupar o meu espaço, exigir respeito, porque nós matamos um leão por dia para sobreviver”, disse. Durante a pandemia, sofreu dificuldades, perdeu o emprego e teve de se virar fazendo alguns serviços, como faxina, para cuidar dos filhos e dos sete netos. Além de reivindicar por direitos básicos, como acesso de saúde e educação de qualidade, ela aponta a importância de poder expressar sua cultura sem medo. “É no bloco que o mundo para mim parece que fica de fora, é uma troca de energia com as pessoas que é indescritível, é a melhor sensação, é o meu momento”, sorri.

Próximo do bloco, havia uma intervenção com cruzes, algemas, correntes e uma foto de um homem com a frase “vítima do negacionismo do presidente Jair Bolsonaro: Marcio Dias presente”. O registro é do sobrinho da aposentada e diretora da Central de Movimentos Populares Uranide Sacramento Cruz, 63, que foi mais uma das 610 mil pessoas que perderam a vida para a Covid-19. Ele só tinha 43 anos. “Essas pessoas não tiveram a oportunidade de viver, ficaram presas pela doença, as correntes representam isso, porque nem a primeira dose essas vítimas tomaram, foram vidas dizimadas pela covid e por esse presidente genocida”, afirmou à Ponte.

Placa contra o governo Bolsonaro mencionando a pandemia no Protesto do Dia da Consciência Negra, na Avenida Paulista, 20/11/2021
Placa mencionando as mortes da pandemia, ao fundo a foto de Marcio Dias, sobrinho de Uranide | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

Também houve repúdio à rede de medicina privada Prevent Sênior, que passou a ter atenção nacional após a CPI da Pandemia no Senado e denúncias sobre o uso de medicamentos cientificamente comprovados como ineficazes contra o coronavírus para tratar pacientes, testes sem autorização contra os doentes e métodos para acelerar a liberação de leitos sem o devido tratamento humanizado. “Mais uma coisa muito suja ligada ao governo Bolsonaro é a atuação da Prevent Sênior, que deveria cuidar da saúde de milhares de idosos, mas na verdade estava utilizando uma política genocida do governo para lucrar, muitas pessoas vieram à óbito, não podemos tolerar, elas também têm sangue nas mãos”, diz Renato Rocha, 29, um dos três jovens vestidos de jalecos com tintas vermelhas simbolizando sangue e notas de dinheiro no bolso.

Protesto do Dia da Consciência Negra, 20/11/2021, na Avenida Paulista
Moção contra a Prevent Senior | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

O poeta Sergio Vaz, conhecido como Dom Quixote de la Perifa, também destacou que ocupar as ruas é uma forma de resistência. “O povo preto, pobre e da periferia está mais uma vez na rua mostrando que não se conforma com esse o que acontece nesse país, que se fosse escrito por eles, nós não teríamos que estar aqui”.

Poeta Sérgio Vaz | Foto: Jeniffer Mendonça / Ponte Jornalismo

Por volta das 17h30, o protesto passou a caminhar por uma faixa da Avenida Paulista. Quando os manifestantes se aproximavam da altura do número 2300, uma unidade da rede de supermercados Carrefour, que se encontra no local, baixou as portas. O carro de som parou em frente e, ao microfone, manifestantes lembraram do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40, que foi espancado e morto por um segurança e um PM na porta de uma loja da marca, no bairro Passo D’Areia, na zona norte de Porto Alegre (RS), em 19 de novembro do ano passado, véspera do Dia da Consciência Negra, e que gerou uma série de protestos. O mote “não há mediação com quem nos mata” é referente ao caso e exige que a empresa seja responsabilizada. O processo em relação aos agressores está em segredo de justiça, sendo que, segundo o G1, dois seguranças estão presos, enquanto quatro funcionários do supermercado aguardam o julgamento em liberdade.

Pelo menos um cordão de policiais militares acompanhava o protesto pelo lado esquerdo da faixa ocupada pelos manifestantes. Na Rua da Consolação, integrantes da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, movimento que denuncia violações de direitos humanos nas periferias, gritaram em repúdio à violência policial que atinge principalmente jovens negros: “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar”. Também havia coro de “Marielle perguntou, eu também vou perguntar: quantos mais têm que morrer para essa guerra acabar?”.

Manifestantes da Rede na Consolação | Imagem: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

Às 19h40, a manifestação chegou ao Theatro Muncipal, relembrando que nas escadarias, há 43 anos, nasceu o Movimento Negro Unificado. A Feira Preta fez projeções em frente à fachada, algumas homenageando orixás, além de uma com a frase “existe um futuro preto que não se constrói sozinho”

Projeções na fachada do Theatro Municipal na manifestação do Dia da Consciência Negra, 20/11/2021
Projeções na fachada do Theatro Municipal | Imagem: Jeniffer Mendonça / Ponte Jornalismo
Encerramento da marcha em frente ao Theatro Municipal | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas