Para biomédico Jonathan Vicente, governos precisam criar políticas específicas para combater coronavírus nas periferias
Diante da pandemia do coronavírus, veio a recomendação da Organização Mundial da Saúde: isolamento. Além disso, campanhas de higienização das mãos com água e sabão, e o álcool gel. Essa regra é geral, tem sido propagada diariamente por governos, pela imprensa, por especialistas na área da saúde.
Em entrevista à Ponte, o biomédico Jonathan Vicente, 29 anos, concorda que são práticas eficazes, no entanto, chama a atenção para um cálculo não feito: a falta de acesso a essas medidas de profilaxia. “Infelizmente a população mais vulnerável são os pobres e, por isso, deveriam haver políticas de prevenção para essa população que considerassem essas desigualdades”, pontua.
Para trabalhadores informais, como camelôs e faxineiras, por exemplo, o home office é um privilégio. No Rio de Janeiro, por exemplo, uma morte que está em suspeita de ter sido provocada por coronavírus vitimou uma diarista, contaminada pela patroa que havia voltado da Europa.
Em favelas, onde a concentração de pessoas é maior, o isolamento é uma utopia. Comprar álcool gel, que vem sendo vendido a valores 4 vezes maior, é uma distante realidade. O mesmo acontece para populações vulneráveis, como os encarcerados — são cerca de 812 mil atrás das grades, segundo o Conselho Nacional de Justiça — ou quem vive nas ruas, uma população de mais de 24 mil pessoas, de acordo com o Censo dos Moradores em Situação de Rua.
Graduado em biomedicina pela Universidade Anhembi e pós-graduado em ciência política pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Jonathan Vicente, que estudou o processo de formação do SUS (Sistema Único de Saúde), afirma que “a rede pública está preparada [para receber doentes com coronavírus], mas precisa de um financiamento maior para atender a demanda”.
Confira a entrevista:
Ponte – O primeiro caso confirmado do coronavírus no Brasil foi de gente rica e branca. Mas as primeiras mortes, uma confirmada e uma ainda sob investigação, foram de um porteiro e de uma diarista. Podemos pensar que entre a população vulnerável o vírus será mais letal?
Jonathan Vicente – O vírus ataca todos, porém, infelizmente a população mais vulnerável são os pobres. Deveriam haver políticas de prevenção para essa população também, já que se há desigualdades, há desigualdades no quesito saúde e bem estar. O pobre não possui a mesma qualidade de saúde que o rico. A classe rica possui os melhores hospitais, convênios e até mesmo alguns tratamentos de qualidade mais avançada que o pobre, que representa uma grande parcela da população.
Ponte – Estamos preparados para combater a doença na população mais pobre e vulnerável?
Jonathan Vicente – Se as políticas públicas forem combater a doença de forma diferente para aqueles que moram na periferia ou alojamentos, acredito que sim. Porém, não estão criando políticas de combate para essa população específica. Temos grandes regiões que não possuem acesso à água potável e muito menos espaços na residência para quem precisa de quarentena, por exemplo.
Ponte – Quais condições encontradas em favelas ou ocupações que podem aumentar as possibilidades de proliferação da doença?
Jonathan Vicente – Locais onde não têm acesso à água potável, grandes aglomerações, residências com pouco acesso à ventilação e pequenos cômodos. A desigualdade estrutural é grande, infelizmente.
Ponte – E a questão dos trabalhadores informais, com destaque para as diaristas, como fica?
Jonathan Vicente – Esse é um dos grupos que podem sofrer mais, principalmente por precisar sair para trabalhar e colocar o ganha pão dentro de sua residência. A maioria são mulheres sozinhas e com filhos, e que, portanto, necessitam trabalhar. Muitos trabalhadores não terão a mesma oportunidade de se por em quarentena. A quarentena é um privilégio. Mas reforço que é um dos melhores métodos de não propagação da doença, de acordo com várias organizações de saúde internacional, inclusive a Organização Mundial da Saúde. Uma sugestão de como deveria ser é a mesma que a Itália fez para conseguir colocar um país inteiro em quarentena: ajuda econômica. E reforçarem os patrões a deixarem suas empregadas em casa, mas remuneradamente, algo que infelizmente não acredito que possa acontecer.
Ponte – E os moradores de rua? É maior a possibilidade de propagação da doença?
Jonathan Vicente – Os moradores de rua são bem vulneráveis a contrair o vírus, principalmente por possuírem contato direto com várias pessoas ao mesmo tempo, incluindo o contato com moedas e notas que a população entrega para eles. Não sei se vocês sabem, mas cerca de 10% a 15% dos moradores de rua estão acima de 60 anos, e isso faz deles um grupo de risco. A prefeitura de São Paulo decidiu disponibilizar um protocolo de atendimento para os moradores de rua, no caso aos profissionais que trabalham com essa população (Programa Redenção, que atua na região da Luz, onde há venda e uso de crack, por exemplo, os Caps, que são os centros de Atenção Psicossocial), eles foram orientados a acionar o SAMU em casos graves, e sempre utilizar EPI (Equipamento de Proteção Individual), oferecer máscara para o morador, questionar o local onde ele esteve, limpar e desinfetar o carro sempre que for transportar o morador de rua. Mas não informaram se irão disponibilizar medicamentos para eles. Ou seja, há uma grande lacuna. Somente casos muito graves serão atendidos.
Ponte – Quais as soluções possíveis? O governo federal, por exemplo, anunciou o “coronavoucher”, uma ajuda de R$ 200 para trabalhadores informais que não estejam no Bolsa Família. Esse é um caminho?
Jonathan Vicente – A solução é totalmente de responsabilidade política. A população tem a parcela de se proteger com o que possui, como água e sabão, e se possível disponibilizar para quem precisa também. Seria um apoio que o governo municipal, estadual ou federal deveria disponibilizar para essa população em específico. Cada estado está disponibilizando uma forma de assistência. No âmbito federal, o governo antecipou o abono do PIS, além de antecipar para maio a primeira parcela do 13º salário para aposentados, algo que pode fazer falta lá na frente de certa forma.