Quase 30 armas de clube de tiro de SP agora estão nas ruas

    Furto aconteceu na Lapa, zona oeste da capital paulista, na madrugada de segunda-feira (25/2); para especialista, caso é apenas mais uma prova de que arma do crime vem, na maioria das vezes, do mercado legal

    Imagem do stand de tiro do Clube de Tiro Calibre, localizado na Lapa, alvo de furto na madrugada de segunda-feira | Foto: divulgação

    O presidente do Clube de Tiro Calibre, localizado na Rua Tonelero, na Lapa, zona oeste da cidade de São Paulo, levou um susto na manhã desta segunda-feira (25/2), quando chegou para trabalhar e viu o estabelecimento arrombado: de 26 a 28 armas foram furtadas. O arsenal do clube de tiro é de 58 unidades de diversos calibres. “Levaram uma maior quantidade de revólver, pistola, algumas carabinas e espingardas”, explica Mauro Silva dos Reis, de 43 anos, à Ponte. Ele ainda não conseguiu qualificar quais os modelos de todas as armas furtadas, mas já se sabe que a maior parte é de pequeno porte.

    Mário explica que o grupo provocou um curto-circuito no transformador da rua, deixando o quarteirão sem energia, e conseguiu entrar no local, que funciona há 20 anos e nunca havia registrado furto similar. Os assaltantes agiram por “algumas horas” e fugiram. A ação aconteceu próximo ao 7º DP (Distrito Policial), que fica localizado 1,5 km distante do clube, trajeto que poderia ser feito em cinco minutos de viatura. A segurança do clube no período noturno e durante a madrugada é feita exclusivamente através de tecnologia – por exemplo, monitoramento por câmeras -, não há pessoas com essa função. Mário conta que a decisão é para a segurança própria dos funcionários. Colocados diante de ações como a de segunda-feira, eles pouco poderiam fazer caso estivessem no local.

    “Não temos pessoas na segurança durante a noite, aí seria colocar outras pessoas em risco. Preferimos durante a noite fazer a segurança com tecnologia. Em um caso desses, uma ou duas pessoas ali trabalhando seriam pegas como reféns. Se deixar duas pessoas, elas ficam vulneráveis até se reagirem. Durante o dia não tem essa possibilidade. A grande maioria dos atiradores é de policiais de todas as categorias. De dia, os assaltantes têm medo”, afirma Mário, explicando que toda a estratégia de segurança do Clube de Tiro Calibre será reformulada por conta do furto, como criar uma sala antes de cada cofre. “Ainda não é possível calcular o prejuízo pois muitas armas eram antigas, colecionáveis, e não tem valor sem seus respectivos documentos. A maior parte são armas comuns, algumas de calibre restrito, como .40 [arma de uso das forças de segurança]”, diz.

    Para Bruno Langeani, gerente de sistemas de justiça e segurança pública do Instituto Sou da Paz, o que aconteceu é a maior prova de que as armas usadas por criminosos vêm do mercado legal, informação que contraria o senso comum. “A maior parte das armas apreendidas no crime são armas curtas, em especial o revólver, a pistola. O revólver é a arma mais apreendida no Brasil há décadas e em geral existe essa preferência porque é mais fácil você esconder essa arma, você pode facilmente ocultar no carro, na rua, é mais fácil de manusear. Além disso, por ser uma arma presente tanto no mercado legal quanto ilegal, facilita por exemplo o abastecimento da munição desse tipo. Porque são armas de calibre permitido”, explica.

    pesquisa “De onde vem as armas do nordeste” realizada pela ONG no ano passado mapeou as apreensões de armas e munições em alguns estados da região, que mostra essa tendência: as armas do crime são de fabricação nacional e calibre permitido. Na Paraíba, por exemplo, os calibres mais encontrados em apreensões são 22, 38, 380, e a espingarda 12.

    O estudo mostrou o trabalho da polícia na apreensão desse armamento que é desviado do mercado legal. Langeani estabelece um comparativo com o caso do clube de tiro em SP. “A polícia da Paraíba apreendeu, em um ano, 3.887 armas. Só desse episódio do roubo de arma do clube de tiro, a gente está falando de três dias de trabalho da polícia que foram jogados fora. Eles teriam que trabalhar três dias para tirar essa quantidade de armas de circulação”, analisa o especialista.

    Para ele, o episódio do roubo no clube de tiro oferece risco real à população. “As pessoas não estão tendo muita clareza do quanto a ampliação da compra de armas, o decreto do Bolsonaro, impacta na vida real mesmo para quem não quer ter arma. Quando essa arma é desviada, seja da polícia, seja de segurança privada, seja de um clube de tiro, o destino imediato dela é o crime. A arma saiu do mercado legal, no dia seguinte ela vai estar sendo usada para um homicídio, roubo, latrocínio, roubo de carro. Quando a gente tem um aumento de mais gente usando arma, a gente vai ter mais clube de tiro, mais empresa de segurança privada. Toda vez que cresce essa base de armas, cresce esse desvio para o mercado ilegal”, explica Bruno Langeani. “Esses episódios só reforçam o que a gente tem falado de como ter arma não afasta criminosos, pelo contrário: a gente vê que os criminosos foram no clube de tiro porque sabiam que lá tinha arma. Foram com essa finalidade”.

    A Ponte procurou tanto a PM paulista quanto a SSP (Secretaria da Segurança Pública), por meio de sua assessoria de imprensa terceirizada, a InPress, para saber detalhes da investigação, mas não obteve posicionamento da corporação e da pasta até o momento.

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