Letalidade policial aumentou 20% de 2016 para o ano passado, segundo Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública; três mulheres são vítimas de feminicídio por dia e número de estupros cresceu 8,4%
Nunca se matou tanto no Brasil, seja um assassinato por um criminoso comum ou por um policial. Dados do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) apontam que 63.880 pessoas morreram de forma violenta no país em 2017. São sete mortes por hora.
O número é recorde da série histórica de 12 anos que o FBSP divulga o Anuário – baseado em registros das Polícias Civil e Militar -, mas não o único a ultrapassar registros anteriores. Outros registros com maior marca são de mortos pela polícia, feminicídios, estupros e violência doméstica.
Este é o segundo ano em que o Brasil segue acima dos 60 mil assassinatos ao longo de 12 meses, uma taxa de 30,8 mortos por 100 mil habitantes.
Doze estados apresentaram crescimento no número de homicídios, sendo os líderes Ceará (48,6%), Acre (41,8%) e Pernambuco (20,3%). O primeiro e o último têm caminho aberto pelo mar em direção à Europa, enquanto o Acre faz fronteira direta com países produtores de drogas.
Segundo os especialistas, há ligação direta com a maior presença de facções do crime organizado. Elas duelam pelo domínio do tráfico nessas regiões, consideradas chaves pela rota de ligar a produção na América Latina com o escoamento e exportação rumo à Europa.
Segundo o diretor presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima, são duas as explicações para os números recordes de homicídio: mudança na atuação do crime organizado e a lógica adotada pelo Estado na segurança pública.
“Primeiro, temos uma nova dinâmica do crime organizado. Existe uma guerra aberta pelo comando do tráfico de drogas e armas no país entre o PCC, de São Paulo, e o CV, do Rio de Janeiro. Segundo, a insistência em políticas de mais do mesmo, de não investigar e confrontar sem resultados, continuar na ação repressiva com vitima dos dois lados”, argumenta.
Um ponto destacado é o fato de o país não controlar as armas, mesmo as que apreende. O levantamento aponta para 119.484 armas retiradas das ruas, mas apenas 5,1% registradas no sistema da Polícia Federal. Cerca de 13.782 armas legais foram extraviadas ou roubadas em 2017.
“O Brasil segue entre os 10 países mais violentos do mundo, sendo que 11% de todas as mortes ocorrem aqui”, sustenta Samira Bueno, diretora do FBSP. “Os governos optaram por políticas ostensivas de repressão, não em investigar. E um uso da força cada vez mais violento”, continua.
Por outro lado, 17 estados diminuíram as mortes, com destaque para Distrito Federal (17,7%), Rondônia (14,2%) e Paraná (13,7%).
Polícia mata 14 pessoas todo dia
Na prática, os especialistas apontam que a sensação de guerra faz com que os policiais se sintam pressionados no dia a dia. Isto explica o total de mortos pela polícia acima de 5 mil pessoas, com 5.144 mortos, 20% acima das 4.222 vítimas em 2016.
“Faz mal uma letalidade tão alta como esta, que mostra como é formado o pensamento de quem comanda a segurança pública. Nunca se resolverá matando e estamos vendo isso”, avalia Rafael Alcadipani, professor da FGV e integrante do FBSP.
Segundo os números do Anuário, 14 pessoas morrem diariamente vítimas de ações policiais. “É uma política da mercantilização da barbárie em um país primitivo. Usamos brutalmente a polícia para matar, como se a população legitimasse, em prol de crescimento político”, conclui.
Em contrapartida, o total de policiais mortos apresentou queda entre o mesmo período de 2016: foi de 453 para 367, redução de 5%. Ainda assim, o país registra uma morte de oficiais ou praças todos os dias.
Cresce violência contra mulher
O assassinato de mulheres cresceu 6,1% no anuário de 2018: foram 4.606 assassinatos em 2016 frente a 4.539 no ano passado. Desse total, 1.133 foram vítimas de feminicídio – quando uma mulher morre pelo fato de ser mulher. A tipificação desse tipo de crime também apresentou aumento, já que em 2016 foram apenas 621 registros, ou seja, um aumento de 82%. Segundo os Samira Bueno, isso se dá pelo fato de a tipificação feminicídio ter virado lei em 2015 e passar a ser implementada no ano seguinte, o que mostra uma mudança de conduta e mentalidade da Polícia Civil, que é quem faz o registro da ocorrência. Com relação à violência doméstica, de acordo com o estudo, há 606 casos todos os dias no Brasil.
Os estupros atingiram marca recorde, ultrapassando os 60 mil em 2017 contra 49.497 em 2016. Porém, este número é maior. “Registramos cerca de 7,5% dos casos, apenas. Este número está acima dos 500 mil. O estupro é subnotificado em todo o mundo”, explica Samira.
Outro número que superou os anteriores trata do total de pessoas presas. Pela primeira vez, o número de detentos (729.463) equivale ao dobro das vagas disponíveis (367.217) no sistema penitenciário brasileiro.
“O teto orçamentário e a crise fiscal tornam mais desafiador o quadro de integração do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública). O Brasil dificilmente sairá deste patamar de crise sem investimento”, sustenta Samira Bueno.