Ex-prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, que assumiu a Secretaria de Segurança Urbana de SP, apareceu em reportagens da Ponte — e foi oficiado pelo Gaesp por declaração contrária ao uso de câmeras corporais

O novo secretário municipal de Segurança Urbana de São Paulo, Orlando Morando (PSDB), chamou atenção no noticiário de terça-feira (21/1) ao defender, durante discurso na formatura de agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM), que eles “não se sintam intimidados” em matar durante confrontos com criminosos.
Ex-prefeito de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, por dois mandatos consecutivos, Orlando já havia se envolvido em outras polêmicas na imprensa — por acusações de racismo de sua gestão e por processos que ajuizou contra críticos.
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O episódio mais recente envolvendo Morando, já à frente da pasta que coordena os trabalhos da GMC na gestão Ricardo Nunes (MDB), foi divulgado por ele próprio em vídeo em suas redes sociais. Na ocasião, ele discursava junto ao prefeito de São Paulo, a 500 agentes recém-formados e seus familiares.
“Tenham a clareza que, se num confronto com um criminoso, que chore a mãe do criminoso e nenhum parente de vocês. Não fiquem acima da lei, mas não se sintam intimidados e abaixo dela”, disse o novo secretário. A fala foi recebida com gritos e aplausos do público presente.
Nesta quarta-feira (22/1), Morando fez uma nova postagem sobre o ocorrido, comentando uma notícia publicada pela CNN Brasil sobre seu discurso.
“Pessoal, quando eu falei ‘que chore a mãe do criminoso e nenhum parente de vocês’, repercutida pela CNN Brasil, eu fui bem claro: quem deve ser protegido em um confronto é o GCM e o cidadão de bem, e não o bandido. E, por isso, estamos dando todo o apoio necessário à nossa GCM: com armamento de ponta, viaturas modernas e a tecnologia do Smart Sampa, que traz grande inteligência para nossas operações. Estamos equipando nossa força policial para enfrentar a criminalidade com força”, escreveu.

O guarda virou caveira
No vídeo divulgado por Morando, o prefeito Ricardo Nunes fez discurso em tom semelhante sobre o papel da GCM na cidade: “São Paulo hoje se alegra por estar com o melhor índice para poder combater a criminalidade. Mais 500 GCMs para poder combater bandidos”.
Em seu capitulo dedicado à segurança pública, a Constituição Federal prevê, no entanto, que os municípios podem constituir guardas municipais destinadas “à proteção de seus bens, serviços e instalações”.
Apesar disso, nos últimos anos, a interpretação constitucional sobre o papel dessas instituições tem sido alargada, a fim de conferir atribuições típicas de polícia às guardas. Entidades de classe das GCMs já defendem, inclusive, que elas devam ser consideradas “polícias municipais”.
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A Ponte mostrou, em reportagem especial, o processo de militarização das GCMs no Brasil, no qual a demanda social por segurança nas cidades tem transformado em capital político-eleitoral dos prefeitos o uso da guarda “contra o crime”.
Uma outra reportagem da Ponte revelou, em setembro do ano passado, quem era parte das 197 pessoas mortas por guardas civis no estado de São Paulo em um intervalo de sete anos.
MP criticou declaração sobre câmeras
No último dia 15, Morando havia declarado, em entrevista ao jornal Estado de S.Paulo, ser contrário ao uso de câmeras corporais por guardas civis metropolitanos. Em reação, o promotor Daniel Magalhães, do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), expediu ofício para que o secretário esclareça o teor da declaração, conforme divulgou o Ministério Público de São Paulo nesta terça.
Sob gestão de Morando, a guarda civil de São Bernardo do Campo chegou a expor crianças a gás lacrimogêneo em uma tentativa irregular de desocupação e demolição de casas. Na ocasião, alunos da Escola Municipal de Educação Básica Professora Maria Therezinha Besana, vizinha da área reivindicada pela GCM, foram filmados tossindo e passando mal na porta do local, conforme também noticiou a Ponte. À época, a prefeitura defendeu que o uso do gás foi necessário.

Denúncias falsas e racismo
Em 2017, a Ponte já havia noticiado um outro caso envolvendo a gestão Morando. A pedido dela, a Justiça havia proibido a realização de um show de rap em São Bernardo do Campo. A partir disso, os rappers Afro-X e Bad, organizadores do evento, passaram a ser perseguidos pela polícia com base em denúncias falsas de que estariam planejando um sequestro do então prefeito.
Já em 2020, a Ponte mostrou que Orlando Morando processou um ilustrador por conta de uma charge alusiva à informação de que o então prefeito estaria envolvido na compra e venda de terrenos com preços abaixo do avaliado no mercado. O político entendeu que a ilustração era jocosa.
Morando também ganhou projeção por, desde o primeiro mandato, ter se mobilizado para realizar o despejo do projeto Meninos e Meninas de Rua, sediado desde 1989 em um prédio cedido pela prefeitura. A Ponte narrou em uma outra reportagem o imbróglio judicial envolvendo as partes.
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O projeto é conhecido por, entre outras coisas, promover ações antirracistas junto a crianças e adolescentes. Em função disso, a gestão de Morando passou a ser acusada de racismo institucional. Ainda em razão das críticas, o ex-prefeito chegou a ajuizar uma queixa-crime contra dois ativistas, que acabou rejeitada pela Justiça de São Paulo, conforme publicou o site Consultor Jurídico.
Morando tentava imputar a eles os crimes de calúnia e difamação. Em acórdão de novembro do ano passado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) entendeu que os críticos gozaram do amplo exercício do direito de expressão, não se verificando exagero na crítica ou na narrativa, ao terem atribuído a prática de racismo institucional à gestão do agora secretário.
O político deixou a prefeitura de São Bernardo do Campo no fim de 2024, sendo substituído pelo então vice-prefeito, Marcelo Lima (Podemos) — a quem Morando prestou apoio no segundo turno. No primeiro, ele apostou na candidatura de uma sobrinha, Flávia Morando (União Brasil), que não avançou na disputa.