Quebrada de MC Neguinho JM tem dia de homenagens ao artista morto pela PM

Autor do funk “Um piloto e um garupa” foi morto em julho do ano passado; para advogado da Rede contra o Genocídio, laudo desmente versão de confronto divulgada pela polícia

Evento ocorreu na rua onde o músico vivia, no bairro do Campo Limpo | Foto: Divulgação

Pouco mais de um ano após a morte do cantor de funk MC Neguinho JM, a quebrado do artista, na região do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, segue nas ruas em busca por justiça pelo jovem artista morto a tiros pela Polícia Militar paulista.

O cantor de funk David Meireles Miranda foi morto no dia 2 de julho do ano passado, enquanto pilotava uma moto com um amigo na garupa. Imagens de câmera de segurança mostram os amigos sendo perseguidos por policiais. O jovem que estava na garupa, Jefferson Fernando da Silva Souza, também foi baleado, mas sobreviveu. Na versão da PM, o MC e Jefferson teriam trocado tiros com os policiais.

Neste sábado (29/7), na quebrada onde Neguinho JM viveu e morreu foi um dia de homenagens ao artista, com shows em um palco montado na rua Cantanhede, onde ele morava, além de atividades sociais para criança e adultos, como massoterapia e assessoria jurídica, entre outras. As atividades foram organizadas pela ONG Pacto Social e Carcerário, e contou com a presença de artistas como Ndee Naldinho, Jairo Cooperifa, MC Phe Cachorrera, Coração Black, Pena Seixas, além dos grupos Kebradeira, Um Toque a Mais e o Trio Virgulino.

“Até hoje não dá para acreditar no que aconteceu. O David não fazia coisas erradas, e era muito medroso com tudo, tinha medo de fazer coisa errada. Então até hoje não dá para acreditar que mataram ele”, conta a cabeleireira Kátia Ferreira Meireles, 42 anos, sobre seu filho.

Depois da morte do filho, Kátia recebeu o apoio da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, que a colocou em contato com outras mães de vítimas da violência policial e, assim, conseguiu reunir forças para seguir lutando por justiça.

A manhã em que David foi morto, em 2 de julho do ano passado, também era um sábado. Segundo amigos, o final de semana era de felicidade para o MC, pois ele estava em processo de gravação de um novo videoclipe. A expectativa era que a nova produção estourasse e atingesse números semelhantes (ou até superiores) ao de seu som de maior sucesso, que é “Um piloto e o garupa“, gravado com MC Luuky, publicada no canal da Love Funk em maio de 2022, e que já ultrapassou 5,5 milhões de visualizações.

MC Neguinho JM foi morto pela PM em julho de 2022, quando tinha apenas 19 anos | Foto: Arquivo pessoal

Um dia antes de ser morto, Neguinho JM esteve na zona leste para as filmagens do novo clipe. À noite, os amigos contam que voltou para o Campo Limpo e ficou em uma adega bebendo com amigos, para comemorar a nova música que estava prestes a ser lançada. Já pela manhã, o MC viu que um amigo do grupo estava bêbado e provocando confussão, então ofereceu carona para levá-lo embora.

Foi com o MC no piloto e seu parceiro na garupa, como cantada em sua música mais conhecida, que a vida do artista foi interrompida. “Ele estava muito feliz porque a música ‘Um piloto e um garupa’ estava sendo muito ouvida, e ele chegou a ser reconhecido por pessoas que nunca tínhamos visto antes, em um festival que fomos”, diz a mãe.

De acordo com o advogado Emerson Ramayana, da Rede de Resistência e Proteção contra o Genocídio, que presta assistência jurídica à família de David, a Polícia Civil segue investigando o caso e pediu novo prazo, que vai até o final de setembro, para concluir o inquérito.

Rua onde MC Neguinho JM morava, no Campo Limpo, zona sul de SP, foi fechada para dia de eventos | Foto: Kaique Dalapola/Ponte

A expectativa da família é que os policiais sejam indiciados. Segundo Ramayana, na última semana os laudos periciais foram incluídos no inquérito e, na visão dele, reforçam a tese de que as vítimas não resistiram à abordagem policial nem atiraram contra os policiais.

“Os laudos vieram apontando justamente aquilo que estávemos cogitando: o David foi atingido pelas costas. Foram dois tiros na parte de trás do tórax e um na coxa, do lado de trás, do lado esquerdo. O laudo vem corroborar o que a gente viu nas imagens, que não houve troca de tiros”, afirma o advogado.

Ramayana também esteve no evento que aconteceu neste sábado. As atividades no local começaram por volta das 11h e seguiram com apresentações musicais até o final da noite. “Esse evento questiona os motivos de continuar tendo mortes do nosso povo, e trazemos o que deveria ser fornecido pelo poder público, que é cultura, lazer, entretenimento”, conta Luciene Neves Ferreira, 44, presidente da ONG Pacto Social e Carcerário.

O que diz a polícia

Procurada pela Ponte, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública do governo Tarcídio Freitas (Republicanos) não respondeu sobre o andamento das investigações a respeito da morte de MC Neguinho JM.

Na época das mortes, os policiais militares que mataram MC Neguinho disseram que passaram a perseguir o músico e seu amigo depois que os dois jovens passaram de moto, sem capacete, em frente a uma base policial. Durante a perseguição, segundo essa versão, ambos teriam sido baleados após atirar contra os PMs.

Correções

Uma versão anterior deste texto dizia que a Rede de Resistência e Proteção contra o Genocídio participou da organização do evento, o que não é verdada. O texto foi corrigido às 13h do dia 31/7/2023

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