“No meu ver, é profissão de perigo. Já enterrei quantos jornalistas?!”, afirma coveiro em cemitério de Ponta-Porã
(*) Publicado no Programa Tim Lopes
Esta é uma história de superlativos. A começar pelo cenário, a conurbação com 205 mil habitantes formada pela brasileira Ponta Porã e seus 88 mil habitantes e os 117 mil da paraguaia Pedro Juan Caballero.
Superlativos, no plural, não pela quantidade de habitantes, mas pelo que ali se passa e pelo que e como por aquela fronteira passa. Ou fica para sempre.
O Paraguai planta e é um dos cinco maiores produtores de maconha no mundo.
A cocaína vem da Bolívia e da Colômbia. Pelo charco do Paraguai e, quase sempre, por aeronaves. E tem o contrabando de armas.
Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, ponto nevrálgico de uma fronteira seca com 1.290 quilômetros entre Brasil e Paraguai.
“Fronteira seca” quer dizer que no espaço de tempo entre essa linha e a próxima se pode passar de um país para o outro. Sem qualquer espécie de controle.
Sim, há assassinatos no universo do jornalismo nessa fronteira do Mato Grosso do Sul distante 315 quilômetros da capital, Campo Grande.
Não faltam execuções, e espetaculares, mas não apenas de jornalistas.
Jornalismo que em 2012, numa avenida chamada Brasil, coração de Ponta Porã, perdeu dois integrantes desse universo.
Na região da fronteira de Ponta Porã/Pedro Juan Caballero, um jornalismo de regras elásticas, de personagens ainda mais multifacetados.
Paulo Roberto Cardoso Rodrigues, o Paulo Rocaro, 51 anos, Editor – Chefe do Jornal da Praça, foi assassinado na noite de 12 de fevereiro daquele ano.
Luiz Henrique Rodrigues Georges, o “Tulu”, dirigia o mesmo Jornal da Praça. Tulu, assassinado em 4 de outubro do mesmo 2012, a três dias de completar 45 anos.
As execuções e suas motivações podem ser narradas assim…
Onze e meia da noite. Paulo Rocaro acaba de deixar uma tensa reunião política e, sozinho, dirige seu Fiat Idea na Avenida Brasil, já quase à altura do Hotel Frontier.
A esposa, Hilda Henchl, dirige outro carro e está uns 70 metros adiante. Próxima ao hotel, Hilda ouve tiros.
Doze tiros, de pistola 9 milímetros. Dois homens se aproximam do Fiat numa moto, e o que está na garupa dispara.
Nove tiros atingem Paulo Rocaro, na cabeça e tórax. Três projéteis perfuram o carro, que termina parando quase em frente ao Hotel Frontier.
Hilda tentar ajudar o marido. Bombeiros socorrem Paulo Rocaro, que morre na madrugada, no Hospital Regional.
Já acusado por outros crimes, Claudio Rodrigues de Souza, o “Claudinho Meia Água”, seria apontado como mandante.
Inicialmente acusados de serem os executores, Luciano Rodrigues de Souza, sobrinho de Claudinho “Meia Água”, e Hugo Stancatti Ferreira da Silva, ficariam livres.
As suspeitas recaíram sobre o pistoleiro Lorenzo Spínola, 52. Que seria fuzilado no centro de Pedro Juan Caballero quase quatro meses depois, em 7 de maio.
Quatro da tarde, esquina das Nações Unidas com Antonio López. Lorenzo dirige sua caminhonete quando, da garupa de uma moto, um pistoleiro atira e o acerta no pescoço.
Lorenzo desce do carro e, antes de conseguir esconder-se num tabelionato próximo, morre cravejado por mais tiros.
Oito meses depois do 12 de fevereiro, e a 50 metros de onde Rocaro do Jornal da Praça foi executado, Luiz Henrique Rodrigues Georges, o “Tulu” do mesmo Jornal da Praça é, literalmente, fuzilado.
Tulu está na mesma Avenida Brasil, numa Pajero Dakar. Com ele os seguranças Felipe Neri Viera, 57, e Ananias Duarte, 58.
Tulu segue em direção à saída para Dourados. Encosta o carro para falar com alguém. Foi o seu fim.
Ainda vigora a lei do silêncio, significativo, mas se sabe que mais de 20 tiros de fuzil foram disparados.
Tulu recebeu três tiros. Um na cabeça e dois no tórax. Felipe Vera e Ananias Duarte também foram atingidos.
Felipe, 57 anos, segurança de Tulu, morreu com dois disparos, um na cabeça e outro no tórax.
Ananias, 58 anos, foi internado. A família, que certamente sabe das coisas, retirou-o do Hospital Regional, atravessou a rua e foi para o Paraguai.
Do Paraguai, Felipe embrenhou-se pela América do Sul e há pouco morreu. De morte morrida. Coração.
Na morte de Tulu, tal fuzilaria se deu às quatro e vinte da tarde de uma quinta-feira. Na avenida chamada Brasil.
Os motivos supostos, mesmo recheados de lacunas, desautorizam vinculação direta entre os dois crimes, apesar dos executados serem do mesmo Jornal da Praça.
Vinculação, só as desenhadas pelo destino, como se perceberá ao longo dessa história.
Editor-chefe do Jornal da Praça, Paulo Rocaro assinava a coluna “Gaivota pantaneira”, dirigia o site Mercosul News e publicou livro de ficção sobre a fronteira: “A tempestade -Quando o crime assume a lei para manter a ordem”.
No local do assassinato, o Clube da Imprensa de Ponta Porã homenageou Rocaro com uma placa. Intitulada “Um grito contra a impunidade” e encimada, a placa, com o símbolo de Rocaro, uma gaivota pantaneira.
A sustentação do monumento, em concreto, segue no lugar. Já a gaivota foi decepada semanas depois da solenidade. E meses antes de Tulu ser assassinado quase ao lado, na mesma Avenida chamada Brasil.
Delegado-chefe do Setor de Investigações Gerais da Polícia Civil, Rodolfo Daltro, 40, chegou há pouco na cidade, cinco anos depois do crime. Ele opina, de maneira genérica:
— Aqui, garanto que em 90% dos crimes de homicídio, ou um percentual maior, trata-se de acerto de contas ou queima de arquivo. Nos dois casos, o modo de execução e os calibres são característicos dos crimes cometidos por pistoleiros do narcotráfico…
Delegado Regional para 10 municípios, Clemir Viera Júnior, 43, diz:
-Paulo Rocaro escrevia muito bem, era ousado, formador de opinião, uma liderança entre jornalistas e politicamente. Eu lia a coluna, ele não entrava muito na área criminal, era mais no social, e na política.
O que se sabe de motivo para o assassinato de Paulo Rocaro?
Que na noite do assassinato ele saia de tensa reunião na casa do ex-prefeito Vagner Piantoni, do PT. Rocaro era ligado ao PT e discutia-se candidatura à prefeitura.
Rocaro apoiava Piantoni e ameaçou a candidata Sudalene Machado com um dossiê. Sudalene, casada com o empresário Cláudio Rodrigues de Souza, o “Claudinho Meia Água”.
Ex-presidente do PC do B em Ponta Porã, “Claudinho Meia Água”, acusado pela polícia de ser “mandante da morte de Rocaro”, seria assassinado sete meses depois.
Em Jandira, São Paulo. Pela manhã, na Avenida Carmine Gragnano, próximo ao hotel “Talismã”, foram disparados 18 tiros de 9 milímetros. Quatro acertaram Claudinho “Meia Água”.
“Meia Água” estava em liberdade provisória depois de condenado a 17 anos e meio. Por homicídio. Em meio ao noticiário de sua morte, uma sigla: PCC.
Para o assassinato de Luiz Henrique Rodrigues Georges, o Tulu, só há versões.
Quem discorre sobre é Lourenço Veras, 48, conhecido como Léo Veras. Jornalista brasileiro que atua em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero.
Veras desenrola o novelo:
— A versão mais forte é que seria briga de família e que o Tulu teria participado (um ano antes) da execução de Daniel Georges, “Danielito”, seu primo, que foi sequestrado…
Pouco antes de desaparecer em 2011, aos 42 anos, “Danielito” esteve preso no interior de São Paulo, acusado de comandar narcotráfico.
Para que se perceba algum vínculo entre as mortes de Rocaro e Tulu, na história de “Danielito” reaparece o personagem Claudinho “Meia Água”, o principal acusado na morte de Rocaro.
“Meia Água” chegou a ser preso por 24 dias entre abril e maio de 2012, como suspeito de envolvimento também na morte, presumida, de Daniel, o “Danielito”.
O pai de “Danielito”, e tio de Tulu, é Fahd Jamil Georges, o poderoso “Fuad Jamil”, 65 anos.
O foco dessa série de reportagens, vídeos e documentário é o assassinato de jornalistas brasileiros, mas, como se vê, para se contar essa história não há como evitar a História.
Menos ainda numa fronteira que, pelo conjunto de fatos nessa seara do crime, pode ser vista como símbolo do país que a cada ano convive com assassinato de quase 60 mil dos seus habitantes.
Para tratar da fronteira e seus superlativos é preciso recordar ao menos alguns dos que disputaram, ou agora disputam, o controle desse território do narcotráfico. E da narcopolítica.
Estabelecendo os anos 70/80 como marco. Porque com mais de meio século em atividade, se bala ainda não matou o fator biológico já deve estar providenciando a aposentadoria.
Pai de Daniel, o “Danielzinho”, Fahd Jamil Georges vive numa mansão-fortaleza de 2 mil metros quadrados em Ponta Porã.
Mansão que Fahd retomou depois de perdê-la em 2005, quando o juiz Odilon de Oliveira o condenou a 20 anos de prisão. Por contrabando, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.
Foragido no Paraguai, Fahd, o “Fuad Jamil”, seria absolvido em 2009 pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
De início com contrabando de cigarros, Fahd, “El Padrino”, começou sua fortuna nos anos 70, quando Stroessner era o ditador no Paraguai.
Na página do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone (IBGF), Walter Maierovitch informa:
— O controle territorial mantido pelo grupo comandado por Fahd interessou à Operação Condor, ou seja, àquela task-force de caça aos opositores dos regimes de exceção no Chile, Argentina, Bolívia, Paraguai, Argentina e Brasil.
Nos anos 80, Fahd, o “Fuad Jamil”, se aproximaria de Lino Oviedo, general subitamente milionário que tentaria presidir o país com a queda do ditador Stroessner.
Para citar apenas os mais célebres, de lá para cá um dos que buscou controlar o narcotráfico nessa região foi Fernandinho Beira-Mar.
Antes de ser preso na Colômbia em 21 de abril de 2001, Beira-Mar chegou a operar com “Danielito”, o filho de Fuad Jamil.
O jornal ABC Color noticiava que Danielito – assim como Beira-Mar-, negociava com “altos Chefes das Farc”.
No mesmo 2001, Beira- Mar mandou matar o sexagenário paraguaio João Morel, até então conhecido como o “Lider” do trafico na região.
Morel foi morto a golpes de “chucho” (estilete) dentro do Estabelecimento Penal de Segurança Máxima (EPSM), em Campo Grande, no dia 13 de janeiro.
Esse assassinato deu início a uma matança que se estenderia por 8 dias e entraria para história da fronteira como “O massacre de Capitan Bado”.
Por ordem de Beira-Mar foram mortos Ramon e Mauro, filhos de João Morel, e assim exterminada a família que guerreava pelo controle do tráfico na região de Capitan Bado, Paraguai, e Coronel Sapucaia, Brasil.
O Comando Vermelho está na fronteira desde os anos 90. O PCC, cada vez mais, se porta como candidato ao comando.
Comando que Jorge Rafaat Toumani, o “Rei da Fronteira”, disputava. Até ser metralhado no meio da rua em Pedro Juan Caballero, ação que marca o avanço do PCC na fronteira.
Condenado pela Justiça brasileira, por lavagem de dinheiro e narcotráfico, Rafaat esteve preso por três anos.
Em 2014 o mesmo juiz, Odilon de Oliveira, impôs nova sentença a Rafaat: 47 anos de prisão, por tráfico de cocaína, lavagem de dinheiro etc.
Entre as conexões de Rafaat, a calabresa ´Ndrangheta e, inevitável, às Farc, por décadas frequentadas por chefões narcos dessa fronteira.
Amparado por um habeas corpus do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Rafaat desfrutava de liberdade e do status que suas diversas empresas lhe rendiam.
Até o assassinato cinematográfico em 15 de junho de 2016.
Quinze para as sete da noite, rua Teniente Herrero. Em três carros, seguranças armados com pistolas e fuzis Ak-47 escoltam Rafaat. O comboio passa em frente à escola Jose Luis Maria Argaña…
…E começa o ataque. Num Hummer blindado, Rafaat toma a frente do comboio e deixa a escolta para trás.
Uma caminhonete estanca metros diante do Hummer. É uma Hilux prata, com bancos traseiros e o vidro de uma das janelas removido. Na Hilux está o brasileiro Sergio Lima dos Santos, 34 anos, do Comando Vermelho, ex-policial.
Sergio aciona a metralhadora antiaérea .50 Browning M2. Dos mais de 100 tiros, 16 destroçam a blindagem do vidro do Hummer, tórax e crânio de Rafaat.
Boa parte do cérebro de Raffat foi encontrado no banco de trás do Hummer.
O tiroteio, que teria envolvido cerca de 30 pistoleiros, prosseguiu por mais dez minutos. Nos dias e semanas seguintes, no acerto de contas na fronteira não faltaram mortos a tiros. Muitos tiros.
Ferido durante o ataque, segundo a polícia paraguaia o atirador Sergio Lima teria sido levado para a casa da filha de Jarvis Pavão antes de ser preso.
Jarvis Chimenes Pavão, brasileiro, mesmo preso em Assunção tido como “Chefe da Tríplice Fronteira”, Brasil, Paraguai e Argentina.
Jarvis, o chefão suspeito de organizar, de dentro da cadeia, o consórcio de facções que matou Rafaat no meio da rua em Pedro Juan Caballero.
No consórcio, além de Jarvis e do Comando Vermelho, Elton Rumich da Silva, 33, conhecido como Galã e apontado como um chefe do PCC na região.
O assassinato de Rafaat teria, em 14 de março deste 2017, vingança: assassinado o irmão de Jarvis, Ronny Chimenes.
Tiros de 9 milímetros quando, às seis da tarde, Ronny saia da academia. No centro de Ponta Porã.
Lourenço Veras, 48, o Léo Veras, é jornalista há 13 anos. Ele conta ter, antes, servido à Inteligência do Exército brasileiro durante 26 anos.
Léo, que considera Paulo Rocaro “um mestre do jornalismo na região da fronteira”, trabalha para a Nova FM e para as rádios paraguaias, em língua portuguesa, 98 Cerro Cora e 104 Oasis.
Léo tem um site, Porã News, e trabalha também para o jornalista paraguaio Candido Figueredo Ruiz, correspondente do diário ABC Color em Pedro Juan Caballero.
Autor de fundas reportagens sobre narcotráfico e narcopolítica na fronteira, ameaçado de morte, Candido Figueredo já sofreu dois atentados. Teve sua casa atingida por 14 tiros de metralhadora, dorme e acorda com seguranças a protegê-lo há 22 anos.
Candido Figueredo vive ameaçado por ter exposto as relações entre o narcotráfico e o que denominou “narcopolítica” em seu país, Paraguai.
Candido expôs também a presença brasileira no tráfico internacional a partir da fronteira. E foi ele quem, com respeitoso convite do próprio, entrevistou Fernandinho Beira-Mar na carceragem da Polícia Federal em Brasília.
Como repórter e fotógrafo, Léo Veras cobre nas ruas o que Candido Figueredo, jurado de morte e cercado por escolta, não tem como ou não precisa fazer.
Em entrevistas Candido já relatou: traficantes do mundo todo têm conexões “numa zona de fronteira sem controle, cheia de políticos e policiais corruptos”.
Léo Veras diz:
— Influente nos negócios da região, o narcotráfico financia a pequena, a média e a grande política. Não é visível porque o dinheiro corre em silêncio. Tanto é que a Política não pede maior segurança para a região de fronteira.
O repórter afirma serem as campanhas eleitorais habitualmente financiadas por gente ligada a algum tipo de crime:
— Uma só pessoa pode apoiar vários candidatos mais fortes, e o crime organizado, empresários e comerciantes, joga nos dois times, tanto aposta num quanto no outro.
Léo Veras detalha, para não deixar dúvidas:
— Isso começa na vereança. Deputado estadual, federal, prefeito… Todo mundo recebe uma ajuda…
O delegado regional da Polícia Civil, Clemir Vieira, e o delegado-chefe de investigações, Rodolfo Daltro, cobram: o Estado brasileiro precisa intensificar a Inteligência e defender a fronteira.
O agronegócio corresponde a mais de 90% das exportações do Mato Grosso do Sul, e a soja representa quase um terço disso.
Nos 121 quilômetros de Dourados a Ponta Porã um mar de soja e, de quando em quando, milho.
O Mato Grosso do Sul é o 5º maior produtor de grãos no primeiro semestre de 2017, com 8% da produção de cereais, leguminosas e oleaginosas. O vizinho Mato Grosso lidera com 25,4%.
Cleo Mazzotti, 42, da Polícia Federal, é o Delegado Regional de Combate ao Crime Organizado no Mato Grosso do Sul. Mazotti avalia:
— Precisa haver barreira física, mas também trabalho de Inteligência. É um Estado agrícola, com muitas vias de transporte, rodovias relativamente boas, estradas vicinais para escoamento de produção…
Essas condições, entende o delegado da PF, favorecem o tráfico de maconha, cocaína e o contrabando de mercadorias e de armas, o que gera a feroz disputa de facções por espaço.
Certamente a venda de armas, praticamente liberada em Pedro Juan Caballero, não ajuda: “Basta atravessar a rua e escolher”, diz Léo Veras.
O jornalista fala sobre a influência do crime na economia local:
— A economia legal daqui é agropecuária: familiar e do grande negócio. O crime organizado movimenta a cidade, sim, é uma economia importante.
O delegado Mazzotti, da PF, admite:
— Não é o forte da economia, mas existe também essa economia informal oriunda do delito, sim.
Léo Veras diz que o PCC teria quatro chefes na região, cada um com uma função “e de cento e vinte a duzentos homens para cada um”.
“Há dez, quinze anos, podíamos falar de Comando Vermelho, atualmente é PCC”, concorda o radialista paraguaio Santiago Benítez, 39, que avisa:
— Você pode falar sobre fatos e informações oficiais, sem dar nomes. Para quem investiga e aprofunda um assunto é um perigo, praticamente um suicídio.
Benítez ultrapassou essa linha e viveu momentos de terror. Tentaram sequestrar sua filha em 2007 e dois anos depois sua casa foi atacada a tiros.
De 2009 a 2013 Benitez teve escolta. Até ser assassinado quem o ameaçava, o traficante Miguelito Núñez. Morto por Emiliano Rojas, que também seria assassinado.
Para não se expor Benitez montou a própria emissora, a Rádio Império, que funciona na sua casa. E ele hoje fala sobre “política”.
Sobre a alardeada expansão do PCC no vácuo da eliminação de Rafaat, o delegado da PF, Mazzotti, adverte: imputar ações ao PCC acaba por encobrir outros eventuais grupos:
— Ainda é preciso detectar se ele (PCC) efetivamente está presente e o que está acontecendo. Há também organizações não faccionadas.
Para o delegado da Civil, Rodolfo Daltro, Ponta Porã é “um reflexo do Brasil”. O delegado analisa:
— A criminalidade organizada de grandes centros, São Paulo e Rio de Janeiro, migrando para a fronteira, isso envolve troca de comandos. Há um ou mais comandos novos e a coordenação mudou.
Muito antes de Paulo Rocaro e Luiz Henrique Rodrigues Georges, o “Tulu”, se deu rumoroso assassinato de um jornalista em Pedro Juan.
E nessa história o destino teceu o emaranhado que liga personagens de crimes do ontem e do hoje.
Em 26 de abril de 1991, quase na linha da fronteira de Pedro Juan Caballero com Ponta Porã, foi executado Santiago Leguizamón, aos 41 anos, pai de três filhos.
“Homenagem ao mártir do jornalismo paraguaio”, registra a placa com um desenho do rosto da vítima. A iniciativa do colega Candido Figueredo destaca uma frase de Leguizamón:
— É preferível a morte física à morte ética.
Leguizamón escrevia sobre tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e contrabando de soja. E Fahd, o “Fuad Jamil”, vinha sendo denunciado.
Por volta do meio-dia daquele “Dia do Jornalista”, José Aparecido de Lima e José Francisco Araulho alvejaram Leguizamón com 21 tiros.
Voltaram ao carro dirigido por certo Bras Vaz de Moura e, atravessando a rua, retornaram ao território brasileiro.
Preso, o trio acusou como mandantes do crime os primos Georges: Danielito e Tulu.
Danielito, o filho de Fuad Jamil que desapareceu exatos vinte anos depois deixando a suspeita de que o primo, Tulu, estaria envolvido em seu sumiço.
Tulu, o diretor do Jornal da Praça, assassinado sem que, para além das versões sobre “acerto em família”, se saiba quem seriam os pistoleiros. E quem é o mandante.
Nos últimos 26 anos, 14 assassinatos de jornalistas no país vizinho, quase todos impunes.
A maioria dos assassinados trabalhava em rádios. Emissoras dessa fronteira costumam adotar mais de um idioma, entre português, espanhol e guarani.
Pedro Juan Caballero tem cassinos que Ponta Porã, na calçada em frente, não tem. Mas nessas duas cidades, que na vida cotidiana são apenas uma, há um quê de Cinderela.
Para os comuns a vida acaba por volta da meia noite. Dai em diante começam a circular SUVs e carros de luxo. O que não se vê é policiamento.
Se em comboio SUVs e carrões andando na formação de escolta, nada mais é preciso dizer e saber: é recomendável distância e é hora de ir para casa.
— Jornalista aqui caminha no fio da navalha- diz Léo Veras, que também já teve que andar escoltado. Desistiu porque “atrapalhava a conversa com as fontes”.
Léo e família quase não têm vida social. Cíntia Carolina Gonzalez, 31, mulher de Léo estuda Medicina. O curso custa R$ 900 ao mês.
A faculdade pertencia ao finado traficante Rafaat, dono de outra faculdade de Medicina, fazendas, imóveis, e outras empresas. Para lavar dinheiro como fazem tantos outros “empresários” da fronteira.
Cíntia quer ser perita criminal, por isso já acompanha o marido Léo. Muitas vezes mãe e filhos, Alex, 8, e Alice, 11, frequentam cenas dos crimes acompanhando Léo Veras.
Os filhos prestam atenção quando o pai diz:
— Dá pra saber quando vai ter assassinato, a cidade silencia um tempo antes, até meus filhos já percebem…
O jornalista Léo escapa ao olhar dos filhos, indica a frágil porta da sua casa em Pedro Juan Caballero e diz, brincando, mas sabendo ser o assunto muito serio:
— Sempre peço que não seja violenta minha morte, que não seja com tantos disparos de fuzil.
Os jornalistas Paulo Roberto Cardoso Rodrigues, o Paulo Rocaro, e Luiz Henrique Rodrigues Georges, o Tulu, estão enterrados no Cemitério Cristo Rei.
Ponce dos Santos Martins, 63 anos, é coveiro no Cristo Rei há mais de 30 anos.
Engraxate aos 13 anos, vendedor de picolé, frentista e funcionário de hotel, muitas vezes Ponce prestou serviços à poderosa e controversa família Georges. Família de Fuad Jamil, seu filho “Danielito” e o sobrinho Alessandro Georges, o “Tulu”.
O coveiro viu Paulo Rocaro ser enterrado e enterrou Tulu, a quem conhecia desde criança. Ponce anda angustiado.
Um dos seis filhos de Ponce dos Santos conseguiu uma bolsa de estudos em Dourados. Está estudando jornalismo. O coveiro não esconde a preocupação:
— No meu ver, é profissão de perigo. Já enterrei quantos jornalistas?!