Quem se importa com os seguranças da USP Leste?

    Após 6 meses de interdição, campus da USP Leste será reaberto nesta segunda-feira; Ao menos 15 seguranças trabalharam no local durante esse período. Dúvida sobre contaminação do solo ainda causa temor entre corpo docente e funcionários
    Foto: Ponte Jornalismo
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    Começa nesta segunda-feira (18/08), duas semanas depois dos demais campi, o segundo semestre letivo no campus da USP (Universidade de São Paulo), que fica em Ermelino Matarazzo, bairro da zona leste da cidade. A Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) ficou 6 meses interditada pela Justiça porque o terreno do local contém gás metano e teve 7.200 m³ de terra contaminada descartada em seu solo. A quantidade é equivalente a 480 caminhões cheios.

    A unidade, entregue pelo Governo do Estado de São Paulo em 2005, foi construída sobre lixo orgânico, segundo a Cetesb (agência ambiental paulista). O problema é que, com o passar do tempo, esse lixo aterrado passa a emitir gás metano, tóxico e explosivo, gerando riscos à saúde das cerca de 5 mil pessoas, entre professores, funcionários e estudantes do campus Leste da maior universidade do Brasil.

    Em agosto de 2013, a Cetesb notificou a USP de forma oficial porque a universidade não cumpriu uma série de exigências de segurança impostas no decorrer do ano passado, como a construção de dutos de extração de gases em vários locais dentro da área contaminada, investigações aprofundadas sobre o problema e o envio periódico de relatórios técnicos com o monitoramento da situação. Nada foi feito. Por isso, no final de outubro de 2013, a USP foi multada em R$ 96.869,35. Tais ações só começaram a ser feitas nos últimos 6 meses, quando o campus ficou com seus 3 portões fechados.

    No início deste ano, enquanto alunos e professores foram deslocados para planos B (Unicid do Tatuapé), C (Fatec do Tatuapé), D (campus Butantã) e E (Faculdade de Medicina da USP), onde o primeiro semestre letivo teve início com 37 dias de atraso e em condições prejudiciais no âmbito pedagógico, os seguranças da USP Leste tiveram de se manter no campus “para a preservação do patrimônio público, que deveria ser mantida mesmo com a interdição do local”, segundo nota da USP Leste.

    Assim que o campus foi liberado pela Justiça, em 22 de julho, professores foram convidados pela universidade a verificar as condições das salas de aulas, laboratórios e biblioteca da USP Leste. A reportagem da Ponte conseguiu visitar o local no dia 31 de julho. Havia, dentro da EACH, pelo menos 15 seguranças entre profissionais terceirizados e da Guarda Universitária. A instituição afirma que não pode divulgar o número total de profissionais que atuam dentro do campus por motivos de segurança.

    A gente já deve estar contaminado, né? Fazer o quê?

    Um dos seguranças, que pediu para não ser identificado, afirmou que a jornada de trabalho durante todo o período em que a instituição esteve interditada foi de um dia de serviço, das 7h às 19h, e outro dia de descanso. Caminhando em frente à lanchonete do campus, que agora tem ao lado um tapume que cerca uma das áreas contaminadas, uma funcionária perguntou a um dos professores que realizava a vistoria:

    – Já está tudo liberado?
    – Ainda não.
    – E quando libera?
    – Daqui a algumas semanas já deve estar liberado.
    – E não tem mais risco?
    – Deve ter. A gente tem que esperar o que sai no jornal. Só aí a comunidade acadêmica fica sabendo das coisas. Vamos esperar. Você está aqui desde que o campus foi interditado?
    – Pois é…
    – Não tem medo?
    – Tenho. Está todo mundo com medo. A gente já deve estar contaminado, né? Fazer o quê?

    O professor da USP Marcos Bernardino de Carvalho, que é vinculado ao curso de Gestão Ambiental na EACH, afirma que qualquer pessoa que frequentou o campus no período de interdição está sujeito a riscos. Segundo ele, os compostos encontrados no terreno, dependendo do nível de concentração, podem causar câncer, doenças na pele e irritação nos olhos. “Se foi interditado é porque havia contaminantes que contêm riscos à saúde. Não tem por que tirarem professores e alunos e manterem os seguranças. Eles estão sendo discriminados. São menos importantes? Nada justifica eles ficarem expostos”, afirmou.

    Carvalho diz que todos os que se sujeitaram a permanecer no local enquanto estava interditado pela Justiça, devem procurar um médico. Se for comprovada uma intoxicação ligada à permanência dentro do campus, fica caracterizado acidente de trabalho e a universidade pode ser penalizada.

    De acordo com a USP, nenhum funcionário das 2 guardas teve contato com a área contaminada e com serviços que envolvam a extração de gás metano. “A diretoria, preocupada com a saúde de todos que frequentam o campus, solicitou que a Superintendência de Saúde da USP, por meio do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), analisasse os possíveis riscos aos trabalhadores e estudantes”. No laudo, o SESMT recomenda a verificação periódica de concentração do gás metano porque “apesar de apresentarem baixo risco de toxidade (asfixiante), apresentam elevado risco de explosividade”. Também foi especificado que as águas do subsolo não devem ser ingeridas – só as da Sabesp; que não é possível manter hortas e plantas frutíferas; e que sempre deve haver uma análise de risco antes de qualquer obra civil que envolva a remoção de terreno no campus.

    Além de cercar as áreas contaminadas com tapumes, foi implantado um sistema de captação e de ventilação de gases na EACH, inclusive dentro das salas de aula e dos laboratórios, que deve ficar no local de forma permanente. A Cetesb vai fiscalizar o serviço e a concentração de gases frequentemente. A partir desta segunda-feira, os alunos devem receber orientações sobre os equipamentos, que, provavelmente, não vão afetar a rotina diária de aulas.

    Foto: Ponte Jornalismo
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    A professora de Fundamentos Biológicos da USP Viviane Abreu Nunes, que diz ter lido todos os relatórios da Cetesb, afirma que as medidas tomadas pela USP são suficientes para o retorno das aulas e que não há riscos à professores, alunos e funcionários. “Você só ficaria contaminado se, durante 30 anos, comesse a terra contaminada”.

    O reitor da USP, Marco Antonio Zago, foi intimado a ir à Câmara Municipal de São Paulo na semana passada para falar à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga as áreas poluídas na cidade. Na ocasião, Zago afirmou que a responsabilidade pelo descarte das terras contaminadas é do ex-diretor da unidade Jorge Boueri, que responde a uma sindicância interna na USP. A maior parte da terra contaminada foi descartada entre 2010 e 2011.

    O Ministério Público Estadual investiga a ligação do ex-diretor com a autorização do descarte da terra contaminada no campus. A Promotoria também investiga se parte da terra saiu mesmo do local onde foi construído o Templo de Salomão, no Brás, pela Igreja Universal do Reino de Deus. Também há a suspeita de que parte da terra contaminada seja proveniente do entulho de obras da construtora Cyrela.

    Professores e alunos, que poderão voltar às aulas no local com a garantia, pela USP, de saúde preservada, temem conviver com a área contaminada por um longo período. “A minha maior preocupação é com o entulho contaminado que continua no mesmo lugar. A responsabilização das pessoas que causaram todos estes problemas, depois de tantos meses, ainda não aconteceu“, diz o professor da USP Alberto Tufaile, de Ciências Naturais.

    Foto: Ponte Jornalismo
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